TV Guia

“EU ADORO SER GAY”

O apresentad­or garante que o pai sempre soube das suas escolhas sexuais, mas que sempre lhe pediu para não se expor. Agora, triste com a sua partida, mas mais livre, a estrela da RTP já não tem medo de se assumir e ser um exemplo para outros homens

- TEXTO HUGO ALVES I FOTOS LILIANA PEREIRA E RICARDO RUELLA

Aos 54 anos, José Carlos Malato vive uma fase de transição: por um lado, sofre com uma grande dor, a perda do pai; e, por outro, sente-se mais livre por poder assumir quem é. Uma das figuras mais acarinhada­s da RTP está numa encruzilha­da, mas pronto para novos desafios, como nos revela agora. Acredito que estava a precisar de ir de férias...

[Respira fundo] Foi um ano difícil, porque trabalhei intensamen­te os primeiros oito meses: gravei o Cozinha, [A Minha Mãe Cozinha Melhor que a Tua] o Festival [da Canção, uma das eliminatór­ias], mas depois o meu pai acabou por ficar doente... e por falecer. Entretanto, entrei nas 7 Maravilhas [faz uma pausa], por isso, vou ter 15 dias de férias, que bem mereço.

Como é que está a lidar com a morte do seu pais?

Pessimamen­te. Até fico meio envergonha­do de estar a festejar a grelha da RTP. Trabalhar é uma coisa, isto é outra...

Não fez o luto, portanto?

Ainda estou a fazer, mas tem sido complicado e muito mais demorado do que eu esperava. Sabia que o meu pai ia partir, estava consciente disso, mas o último mês foi muito traumático [nova pausa]. Hoje sinto-me como aquelas pessoas que têm um traumatism­o de guerra. Foi uma experiênci­a-limite que me tem custado muito digerir.

E a sua mãe?

Tenho ajudado muito a minha família. Ela, inclusive. Pensava que ia saber lidar com isto, porque sou uma pessoa forte e era sempre eu quem resolvia as coisas, mas, desta vez, não estou a conseguir. Não estou a conseguir afastar-me do processo. E depois tive que encontrar um novo lugar na família com a perda do meu pai e não tem sido fácil. Fomos ao monte [em Monforte, no Alentejo] recentemen­te e foi... devastador. Devastador!

Estes 15 dias poderão ser um pouco catárticos?

Sim, mas vou afastar-me de casa e tenho um bocadinho receio disso.

Não é ainda algo confortáve­l. Podem precisar de mim. Por isso, decidi que tem que ser algum sítio perto, mas não muito. Tenho que cortar um bocadinho com tudo, preciso andar na rua e que as pessoas não me conheçam, não apontem o dedo, até para eu poder chorar. Ainda não chorou tudo?

Não! Não tem sido nada fácil. Às vezes, vejo as pessoas, nas redes sociais, e está tudo superfeliz, e eu não consigo sentir-me assim. Os meus posts, se espreitare­m, são supertrist­es. Não consigo afastar-me disto que vivi [faz nova pausa].

Tudo tem o seu tempo...

Tenho falado muito com pessoas que perderam membros da família, que me dizem que o que eu estou a passar, esta dor, é normal e que cada um tem o seu processo para lidar com ela, mas não sei... a verdade é que só passaram quatro meses desde que ele faleceu, mas a presença do meu pai e a lembrança dele continua a ser muito recorrente. O Malato fala com uma grande tristeza de tudo isto que passou. Não tem medo de entrar numa depressão? Passei muito mal. Foi extremamen­te difícil. Mas uma coisa é uma depressão, outra coisa são momentos depressivo­s. Acho que não fui tão fundo, ou melhor, cheguei, mas consegui sempre vir ao de cima. A analogia é simples: dentro de um bote no meio de uma tempestade alguém tem que ter sangue-frio. E eu acabei por ter que ser essa pessoa, por muito que me custasse. O que não quer dizer que não sinta exactament­e o mesmo desespero que os outros. Só tenho que ser mais forte.

AMOR ASSUMIDO

A sua vida amorosa passou a estar mais livre recentemen­te.

A verdade é que até ela acaba por ser influencia­da por esta perda que tive. Até com algum desânimo meu. Mas, neste momento, estou muito centrado na família, porque a minha mãe ficou muito em baixo e tenho que a tirar do fundo e não está a ser nada fácil. O Malato e o João Caçador, depois da morte do seu pai – e apesar de agora já estarem separados – deixaram de esconder a relação. Tiraram fotografia­s e tudo, colocadas nas redes sociais...

A partir da morte do meu pai, achei que já não havia problema em expor a relação.

Porque o seu pai era contra a sua homossexua­lidade?

Não. Nunca. Ele sempre aceitou os meus namorados. Sempre tive relações longas, de 7 e 9 anos, que foram vividas em família e com o meu pai presente. E isso nunca foi um problema. Ele apenas não gostava da exposição. Por isso, desde que ele partiu, para mim, ficou mais claro... Não que alguma vez tivesse escondido, mas agora, se me apetecer dar um beijo na rua, dou. Estou à vontade e acho que também ajuda outras pessoas.

Como assim?

Pessoas que sofrem ainda de homofobia, que são vítimas dos outros e sofrem em silêncio, esta minha abertura recente ajudou. Não é que esteja a fazer um manifesto sobre a minha sexualidad­e, mas a dar visibilida­de, finalmente, a algo que sempre existiu. Atenção, não me arrependo de não o ter feito antes, porque sei que causaria muita tristeza ao meu pai, mas ele sempre aceitou o que sou.

Hoje está mais aliviado?

É bom viver o que sou, quem sou, como sou, de forma livre e sem nenhum drama. Eu adoro ser gay, nunca quis ser outra coisa. Acho maravilhos­o, porque a palavra e a ideia... é uma forma de ser alegre e bem-disposto, e eu sou. Mesmo! A minha irmã, que sempre soube, quando eu tinha 14 anos, disse-me que se eu não fosse assim não tinha graça nenhuma. E eu, hoje, também acho: se eu não fosse como sou, isto não teria graça nenhuma.

Durante anos falou que queria ter uma família? Esse sonho mantém-se? Desaparece­u.

Então?

Eu tive uma vontade de paternidad­e, é verdade, mas que se esgotou

“Passei muito mal (com a morte do pai). Foi extremamen­te difícil. Mas uma coisa é depressão, outra são momentos depressivo­s”

com os meus sobrinhos. Eles ficaram sem pai aos 14 anos e eles agora têm 30, e acabaram por sublimar esse ideia nestes anos. Prefiro ser pai de dois cães (risos).

O FUTURO

A televisão passa hoje por várias mudanças, com várias caras conhecidas a mudarem de estação. Nunca lhe fizeram uma oferta?

Não!

Tem pena?

Não! Gosto muito do sítio onde estou. Mas estas mudanças são algo normal. Eu já passei por isso, da SIC para a RTP... e depois é bom ver a luta de egos (risos).

Daqui a 15 dias está de volta. O que é que queria fazer a seguir? O que é que acha que a RTP lhe devia dar? Não sei. Eu só não queria um talk show, que odeio. Sei que é o que toda a gente quer, mas não eu. Eu tive aquele programa de sexta à noite e digo-vos que odiava fazer aquilo. Por isso, não quero ter um. Detesto ter toda a gente a olhar para mim, a depender de mim assim, das minhas graças, das minhas conversas. Não, isso não!

Mas não gostava de voltar ao day time, num grande formato? Como fez durante tantos anos da RTP? Encaro a minha cena, o meu trabalho, como uma árvore na floresta. Sou polivalent­e, versátil... e essa versatilid­ade permite-me abarcar uma série de coisas. Por isso, o que a RTP me quiser pôr a fazer, eu estarei de braços abertos. Não sou esquisito. ●

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José Carlos Malato está de novo solteiro, depois do fim da relação com João Caçador.

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