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“O caminho certo não é FAMA e DINHEIRO”

A seis meses de inaugurar a sua sala de espectácul­os em Luanda, o mentor do The Voice diz porque está mais calmo no programa da RTP, fala de sonhos estratosfé­ricos, de como Madlice o salva de “navegar na maionese” e anuncia que voltar a ser pai é um dese

- TEXTO JOÃO BÉNARD GARCIA I FOTOS LILIANA PEREIRA

Sabemos que está cheio de projectos, em especial em Angola. Quer revelar-nos o que se vai passar em breve? Tenho as gravações do The Voice, em Novembro terei dois concertos em Inglaterra, em Londres e em Manchester, e em Novembro vou começar a gravar alguns videoclipe­s para o novo álbum. Depois, regresso para as galas do The Voice. Onde vai gravar os videoclipe­s? Em Portugal, e ainda me faltam gravar cinco.

Mas vai estar mais ausente de Portugal nos próximos meses para preparar um projecto muito especial. Quer contar-nos?

É uma coisa em grande, já ando a trabalhar nisso há dois anos. É uma sala de espectácul­os para duas mil e quinhentas pessoas, criada de raiz. Comprámos o terreno e tem projecto próprio.

Em que zona de Luanda?

Na nova cidade de Kilamba [a 40 km do centro da capital]. Vamos tentar inaugurá-la em Março ou Maio do próximo ano, porque em Abril chove muito em Luanda.

O objectivo dessa sala é o de dar palco aos artistas angolanos? Exactament­e. Acho que neste momento só temos uma sala acusticame­nte preparada para sala de espectácul­os. Talvez o Cine Atlântico tenha condições aceitáveis em termos de som, mas está longe de ser uma boa sala em termos acústicos.

Como surgiu essa ideia?

Começou depois de um desastre. Tive o sonho de ter lá uma fábrica de CD e de, ao lado, instalar uma empresa de distribuiç­ão. Cheguei a ter a fábrica em Angola, só que, infelizmen­te, há dois anos, aquilo ardeu tudo com um incêndio no armazém.

Bem, é preciso ter azar.

Olha, as coisas acontecem. Não podemos pensar que por haver dificuldad­es não conseguire­mos alcançar o sonho ou pensar que ele não é para nós. Estávamos a construir várias lojas que seriam assim uma espécie de pequenas FNAC ou Worten, num conceito mais pequeno, para distribuir livros e CD.

Uma espécie de shopping de música? Mas não só. Em Angola temos um grande défice de distribuiç­ão de arte em geral. Queria distribuir literatura

angolana, música angolana, artes plásticas. Portugal tem a Casa do Artista e a nossa ideia é chamar-lhe a Loja do Artista, porque é ali que as pessoas podem ir comprar o merchandis­ing do seu artista favorito.

Só que depois veio o fogo...

... E a fábrica foi-se. E foi depois deste percalço que começou a nascer a ideia de fazer um projecto mais virado para sala de espectácul­os. Continuo a ter a loja e a distribuiç­ão e em breve vou inaugurar a sala.

Aposto que a inauguraçã­o será feita com um concerto seu.

[Risos] Já pensámos nisso. Achamos que faz sentido.

Até porque o Anselmo é o mentor do projecto.

Exacto. É um projecto meu e da minha empresa, em conjunto com a minha esposa. Ela é a grande incentivad­ora para o Anselmo avançar com estes projectos? É, mas normalment­e quando estou a sonhar com grandes projectos ela não me liga. Quando lhe comecei a dizer: ‘Vamos fazer uma grande sala de espectácul­os’, bem, ela fez cara de ‘O Anselmo já está a navegar na maionese’, mas depois, quando as coisas começaram a acontecer, interessou-se. É muito boa gestora. Muito pé no chão. Eu viajo na realidade, mas viajo muito na minha imaginação. Estou sempre a querer coisas quase impossívei­s e ela é muito realista. Os sonhos dela são muito realizávei­s e os meus são estratosfé­ricos [risos].

E já decidiram dar à sala de espectácul­os o seu nome?

Não, por acaso não. Ainda não decidimos, mas temos um nome pensado… Aquilo, para nós, é a Casa do Artista, que tem a loja e um snack-bar associado tipo Hard Rock Café, mas ligado à música angolana, aos artistas de Angola e à nossa cultura musical. Estamos a negociar para ter a sala associada a uma marca, mas se não tiver marca ainda posso pôr o nome Anselmo.

Está em aberto, mas gostava de ter uma sala em Luanda com o seu nome. Gostava, gostava. Só que acho que é um pouco constrange­dor para outros artistas irem cantar a uma sala com o meu nome. Penso que se o Matias Damásio for lá dar um concerto é o momento dele. Ficava estranho anunciar-se que Matias Damásio ia dá um concerto na Sala Anselmo Ralph, não deixa o artista brilhar.

Essa estranheza é uma boa deixa para lhe perguntar como é que é a relação entre os artistas angolanos. Há muita competição? Já houve mais, mas há muita competição. Hoje, com a crise económica, nós, artistas, começámos a perceber que é importante estarmos unidos. Tenho para mim que as dificuldad­es são a melhor maneira de fazer uma pessoa pensar.

Mas, antes da crise, havia muita inveja porque um outro artista brilhava mais?

Sim, mas tudo isso é reflexo da nossa sociedade. Até certo ponto, na cultura angolana os nossos músicos cantavam por amor e dificilmen­te viviam da música. A partir de 2000 e de 2005, começou a haver muita gente a viver e a ganhar com a música, e principalm­ente a partir da fase de ouro de Angola, que foi entre 2008 e 2011. Depois as coisas complicara­m-se.

Tem colegas que não lhe falam porque tem sucesso? Eram seus amigos e deixaram de lhe falar? É difícil falar de mim, mas na boa, para deixarem de falar comigo é muito difícil. Por mais coisas que digam ou que eu saiba coisas, vou estar sempre na boa a falar e a cumpriment­ar as pessoas. Não ponho combustíve­l nas intrigas nem alimento inimizades.

Mas sabe que há conversas e invejas?

Sim, claro que sei, mas não ligo. O Anselmo afirmou-se como cantor em Angola, mas depois deu o salto para o mercado europeu e fez carreira em Portugal. Cá sente também essa competição?

Sim, claro. Quando entrei no mercado português, em 2011, fiquei espantado porque não se tocava muita música portuguesa e os ídolos portuguese­s que tocavam na rádio era malta mais ve-

“Por mais coisas que digam ou que eu saiba coisas, vou estar sempre na boa a falar e a cumpriment­ar as pessoas. Não ponho combustíve­l

nas intrigas”

lha, a maioria com mais de 20 anos de carreira.

Não se tinha feito a renovação geracional de forma visível.

Pois, não que seja mau terem carreiras longas, mas acho que tem de haver um pouco de tudo: malta mais velha e jovens em começo de carreira com oportunida­des. Nestes últimos cinco a três anos, temos tido muitos bons nomes jovens a aparecer. Antes disso nem cinco havia, contava-se pelos dedos de uma mão os que tinham notoriedad­e e que singravam na música. Também acontece aparecerem jovens com qualidade nestes programas de talento como o The Voice e depois ninguém pega neles, nem os autores, nem as editoras, ninguém os chama.

Isso está a mudar. E desculpem-me lá, mas acho que a culpa não é das editoras. Espero não ser banido por causa do que vou dizer, mas acho que a culpa é das rádios. A música angolana cresceu muito lá depois de uma mudança… Nós temos um provérbio em Angola que diz: ‘O cabo-verdiano canta, o angolano dança e o moçambican­o bate palmas’ e o que acontecia é que, antes, nós consumíamo­s muita música brasileira e cabo-verdiana e a música angolana quase que não tinha expressão. Aconteceu uma decisão do Ministério da Cultura que determinou que 90% da música passada na rádio deveria ser angolana.

Teve de se impor por decreto.

Sim, teve que se impor uma regra e depois disso cresceu e as pessoas têm orgulho na música do seu país e a música nacional vingou. Foi preciso este empurrão, esta plataforma, para se começar a fazer boa música. Esta regra ajudou muito, mas tornou-se uma espada de dois gumes: hoje, em Angola, não consegues ouvir o novo grande sucesso do Drake ou da Rihanna. Só há uma rádio em Angola que toca músicas internacio­nais, tudo o resto passa música nacional. O Anselmo já pensou investir numa rádio sua?

Já. Se Deus quiser, vou ter em breve uma rádio minha em Angola. Já pensou como vai ser?

Sim. Nós precisamos de investir mais nos conceitos e valores morais e cívicos que se foram perdendo em Angola e eu quero muito falar sobre esses valores para a malta jovem.

Quais são os valores?

A malta angolana é muito conservado­ra, mas nos últimos anos fomos absorvendo os valores do capitalism­o, em que o que importa é ter e mostrar. Esse não é o caminho. Quero alertar os jovens para o facto de que esses não são os valores correctos. Vejo coisas negativas na nossa juventude, como por exemplo fazerem tudo por fama ou por dinheiro, mas existem muitos jovens com valor e com valores. Mais do que falar, quero mostrar-lhes, de forma não aborrecida, que o caminho da fama e do dinheiro a qualquer custo não é o caminho certo. Por falar em valores, Angola está a mudar muito!

Está, mas nós, os mais novos, já percebemos que não é este o caminho. Estamos a ir no sentido errado. Não digo em termos de política, porque acho que em termos de política estamos a ir num bom caminho.

Então em que termos?

Em termos do que a sociedade se tornou. Todos os angolanos têm de começar a reflectir que Angola é de todos, não podemos esperar que os outros façam. Se a cidade de Luanda está suja não é só responsabi­lidade do Governo limpá-la. Eu conto muitas vezes aos meus filhos que aos sábados, quando era pequeno, limpava a minha escola.

Nesta edição do The Voice, o Anselmo parece mais calmo e mais contido. Sente-se assim?

Estou mais calmo, é verdade, mas estou a divertir-me também mais. Estou sempre a gozar com os meus colegas. Só que este ano, apesar de gostar de me divertir, temos todos de brilhar e às vezes tenho de dar o tempo da Aurea, da Marisa, do Mickael. Este ano aprendi a calar-me mais. Aprendi a calar mais a boca, às vezes quando começo a falar não me calo [risos]. ●

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