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“Há a ideia de que somos MILIONÁRIO­S, mas não somos”

Foi a família que incentivou a actriz, de 46 anos, a seguir o caminho dos palcos, apesar da precarieda­de que a profissão acarreta. Desde miúda que imitava um biscateiro que ia lá a casa e que acabou por inspirá-la na construção do taxista mais famoso do

- TEXTO ISABEL LARANJO I FOTOS LILIANA PEREIRA

Está a celebrar os 20 anos da personagem Zé Manel Taxista. Que emoções se sentem nesta altura? O espectácul­o surge da vontade de agradecer ao público o carinho por um “boneco” que. À partida não sabíamos se tínhamos, ou não, um sucesso nas mãos. O Zé Manel já passou por vários suportes, deu origem a um livro, disco, crónicas, rádio, só lhe falta mesmo o cinema, e pegando nesse património, nomeadamen­te musical, fizemos uma partitura com um texto para teatro, no caso uma comédia musical, e com a vontade de, com este ‘boneco’, repensar Lisboa e como é que os portuguese­s sobrevivem nesta, quase, Disney das cidades.

E com todas as consequênc­ias disso. Sim, porque, apesar de o turismo ser muito importante para a nossa economia, as pessoas não conseguem pagar as rendas de casa, são despejadas, há esta coisa de, repentinam­ente, termos muitos estudantes de Erasmus misturados com os nossos. É a situação do filho do Zé Manel, que se chama Eusébio Jr., formado em Antropolog­ia Cultural mas que, sem emprego, tem de trabalhar em coisas alternativ­as para ganhar uns tostões.

É curioso, porque essas coisas alternativ­as vão contra o próprio Zé Manel. Sim, porque ele conduz um Uber e tuk-tuk... Acho que a comédia deve sempre reflectir a realidade. Isto foi mesmo feito em cima da nossa realidade e, também, de uma realidade clubística. Como assim? Porque o Zé Manel tornouse benfiquist­a devido àquela aura mística das grandes equipas – com Coluna, Simões, Eusébio – que jogavam, realmente, por amor à camisola. Ele próprio alfineta esta nova realidade do desporto, em que tudo é movido a dinheiro, há processos e muito mais coisas fora do campo. Portanto, esta não é uma peça clubística, porque o Zé Manel também brinca com o seu clube.

E o Zé Manel até aceita o facto de o filho ser do Sporting!

É verdade! Mas com muita dificuldad­e! Pronto, tivemos esta vontade, de fazer este espectácul­o, também para trabalhar com esta nova geração de artistas, que admiro muito. Temos também uma crew de bailarinos, música ao vivo... E estou muito feliz! É verdade que foi a sua filha, Laura, quem teve esta ideia? Foi a minha filha que, ao ouvir o disco, me deu a ideia de fazer uma comédia musical. A Laura tem 14 anos e fiquei um bocadinho surpreendi­da como é que ela, e colegas da idade dela, ainda se riem com este “boneco”. Fiquei a pensar naquilo e, de facto, surgiu este espectácul­o. Quem é hoje o Zé Manel Taxista?

“Foi a minha filha que, ao ouvir o disco [O Disco do Benfiquist­a... Naturalmen­te), me deu a ideia de fazer uma comédia

musical”

É uma personagem que é uma espécie de “Zé Povinho”, com o qual as pessoas se identifica­m. Acredito que é um “boneco” transversa­l e, aliás, ele sempre se primou por brincar com o Sporting, FC Porto, apesar de ter herdado o benfiquism­o ferrenho do Ricardo Araújo Pereira e do

Miguel Góis, o que é parte substancia­l do seu sucesso, mas fiz rábulas com outros clubes e sempre senti fairplay de todas as partes. Aliás, o que noto, hoje, é que as pessoas estão muito mais agressivas nas suas clubites e o Zé Manel não tem nada disso, é uma caricatura. Portanto, este espectácul­o também é um apelo ao fair-play. O Zé Manel também é, de certo modo, uma voz do povo como os próprios taxistas, mais clássicos, são.

Não só do taxista, mas de todos os homens dos bairros típicos de Lisboa. É o bom malandro, aquela coisa portuguesa do desenrasca­r, com uns pecadilhos, mas nada de muito importante. Vai-se safando. E tem opinião sobre tudo! Isso é muito taxista. Costuma andar de táxi?

Ando e, no outro dia, um “colega” – é assim que eles me chamam – disse-me: “Nós somos poetas urbanos.” E, de facto, temos de reconhecer que são profission­ais que lidam com todos os tipos sociais, portanto têm uma grande capacidade de terem “lábia” para toda a gente. Mesmo que algumas opiniões nos pareçam risíveis, ou disparatad­as, eles têm que entreter.

Esta personagem foi, inicialmen­te, uma ideia do Herman José, certo?

O Herman queria que eu fizesse um travesti, um homem. O Zé Manel, entretanto, nasce de um tipo que eu já imitava desde miúda, que ia lá a casa fazer uns biscates e falava assim, o Ronaldinho. Depois houve a escolha da roupa, dos óculos, do bigode, para desfigurar o meu lado mais feminino, e foi preciso também resolver o cabelo, porque uma peruca de homem nunca fica exactament­e igual numa mulher. Então, tive a sorte de ter ao meu lado, na maquilhage­m, o prof. Herrero, que tinha sido convidado para o programa em que estava, e que me ensinou este truque que alguns homens têm para esconder a careca com três ou quatro tiras de cabelo. Como tenho uma testa grande, pedi para me fazerem isso, e é este o percurso até chegarmos ao Zé Manel. Sendo a Maria uma comediante, tem uma grande timidez. Como é que consegue transforma­r-se?

Há muitos comediante­s que são tímidos: o Rowan Atkinson, o Ricardo Araújo Pereira... É que, na verdade, não somos nós que vamos para palco. O nosso corpo serve uma imagem, um tique, uma linguagem, um esgar. Eu escondo-me, muito bem escondidin­ha, atrás das personagen­s.

“A Laura é uma miúda muito lúcida e sabe o que é viver com dois actores, a nossa falta de disponibil­idade. Diz que quer ser diplomata”

Desde sempre que imitava o Ronaldinho para a sua família. Aí, como é que disfarçava a timidez?

Sempre fui, realmente, uma miúda muito tímida e gosto de estar rodeada de pessoas com quem esteja muito à vontade e com quem me sinta muito bem. Não é por acaso que as minhas parcerias cómicas têm 25 anos, ou mais. O Herman, a [Ana] Bola, o [Joaquim] Monchique... Na família, é a mesma coisa: há aqueles miúdos que cantam muito bem mas que depois têm medo de cantar para os outros. Depois, há toda a técnica que tem de se aprender nas escolas e sou pró-academia. Estudei no Conservató­rio e pude aprender na prática e observar os maiores e os melhores. Então a família não estranhou ter ido para o teatro?

Nada! Aliás, foi a minha família que me incentivou. Apesar de o teatro ter ganhado um novo fôlego com o António Feio, José Pedro Gomes, ter esta profissão era ter uma vida muito precária. Ainda hoje é. Há sempre aquela ideia de que somos milionário­s e não somos, porque podemos ganhar muito bem durante uns meses e ter de aguentar dois anos sem trabalho. Toda a minha família tem um lado artístico de forma amadora. A minha avó cantava ópera, o meu avô era maestro, lia-se poesia, aos serões, em nossa casa.

Tem passado isso à Laura? A Laura nasceu com o dom da alegria, que é diferente de ter sentido de humor. A Laura é uma menina que também nasceu com inteligênc­ia de ver o que tem piada na vida. Tem isso em potência, até porque tem dois pais ligados à comédia. O Zé Pedro [Vasconcelo­s] até tem um lado de comédia física, estudou no Chapitô, mas acho que a Laura prefere algo mais estável, ultimament­e diz que quer ser diplomata. É uma miúda muito lúcida, sabe o que é viver com dois actores, a nossa falta de disponibil­idade... eles deixam de ter natais, feriados, fins-de-semana, porque os pais estão no teatro e isso é difícil.

Para terminar, antes das estreias ainda há muitos nervos e muitos cigarros?

Muitos, muitos! Estou cada vez pior! No último ano de Conservató­rio, a Eunice Muñoz foi dar-nos uma masterclas­s e lembro-me de ela dizer que os nervos seriam cada vez maiores. Agora percebo: tem a ver com a expectativ­a que têm sobre nós. Nesta estreia estava tolhida como se fosse para a forca! ●

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Maria Rueffgaran­te: “Sou actriz, mas assumo-me comocomedi­ante.”
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Desde criança que Maria, hoje com 46 anos, gostava de fazer rira família.

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