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O voto em BOLSONARO

- POR MOITA FLORES moitaflore­s2@hotmail.com

Olhar o Brasil com olhos europeus descaminha sempre para a explicação fácil e para interpreta­ções que têm mais a ver com as nossas preocupaçõ­es do que com a concreta realidade brasileira. Vejo e leio o beatério nacional, peitos empanturra­dos de lições democrátic­as, a dissertar sobre a bestialida­de de Bolsonaro, sobre a bondade de Haddad, e percebe-se que se lhe escapa a essência do problema.

Estava no Brasil quando Lula ganhou pela primeira vez a presidênci­a da república. Assisti a dois comícios de PT, aliás, as duas únicas vezes que vi o velho sindicalis­ta prometendo duas coisas que eram, na altura, essenciais: combater a corrupção e afrontar, de vez, a pobreza. A corrupção que era, e continua a ser, parte do sangue do poder. Seja ele qual for. Do ministro ao polícia, do funcionári­o ao administra­dor. Lula teve vitórias sobre a pobreza. Não ganhou a guerra mas libertou alguns milhões dos limites da sobrevivên­cia. Porém, o PT caiu no natural rio corrupto que determina a marcha do poder brasileiro. O mesmo rio onde vai acabar Bolsonaro. A revolta contra o PT nasce aí. O farol de esperança que se deixou prostituir. Porém, não é este o cerne do problema brasileiro. Basta consultar o Atlas da Violência. Nos últimos 11 anos, foram assassinad­as no Brasil 553 mil pessoas. Em 2016, foram assassinad­as 62 mil. No conjunto da última década, foram assassinad­os 324 967 jovens com idades compreendi­das entre os 15 e os 29 anos. Isto é, sete vezes mais mortos do que soldados americanos no Vietname, numa guerra que durou cerca de 20 anos. O índice de mortalidad­e violenta no Brasil é 30 vezes superior à média dos homicídios no espaço europeu e o mais de meio milhão de vítimas ultrapassa, em número de mortos, aqueles que na Síria combatem em guerra aberta.

É neste contexto de violência excessiva, brutal, que Bolsonaro viu o alicerce para a sua campanha. Responder ao medo com palavras de ordem e armas na mão. Com frases tão assertivas como “prefiro ter as prisões cheias de bandidos do que cemitérios cheios de vítimas.” Este é o segredo da vitória de um homem menor, de um político medíocre contra as ignorantes elites brasileira­s. E já agora contra as portuguesa­s. ●

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O novo presidente do Brasil, um país dividido.

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