“Escrever é uma luta PERMANENTE”
O compositor do Porto faz revelações íntimas e surpreendentes sobre os seus dramas e fantasmas criativos. No momento em que lança Espiritual, o seu novo álbum, fala da falta de profundidade dos tempos modernos, de como as redes sociais só valorizam o “te
Pedro Abrunhosa, que está prestes a celebrar 58 anos (20 de Dezembro), tem uma explicação lógica para ter estado cinco anos sem lançar um disco. “Não foi muito tempo. Foi o tempo interior necessário para escrever. O que eu faço é escrita de canções e o processo de composição é sempre moroso.” Morosidade que obrigou o artista a “abrandar o ritmo dos espectáculos” de “uma digressão gigante de quatro anos”.
O álbum Espiritual foi gravado “com todos os músicos na mesma sala, à maneira antiga”, e com um trabalho meticuloso. “Gravar um disco assim é brutal, só que depois, para se chegar ao take perfeito, leva-se muito tempo e é um mistério... porque nada pode falhar. A mínima falha entra no microfone do outro”, garante, reconhecendo o carácter intrinsecamente artesanal das gravações: “É relojoaria. Pura filigrana. Só a bateria tem mais de 20 microfones. A sala está toda micada e é preciso encadear aquilo tudo.”
Confessando ter escrito mais de 30 canções para este novo álbum, porque não consegue “parar um desassossego” que assume ter de “arrumar”, Pedro Abrunhosa explica que teve ideias na cabeça que só conseguiu ordenar “passando-as para o telemóvel”. “Chego ao estúdio e gravo tudo. Depois, umas vão para o lixo e as outras ficam arrumadas num canto”, remata.
E é na pele de compositor que Pedro Abrunhosa trava as suas mais inusitadas batalhas interiores. “Não é fácil”, avisa, deixando uma premissa: “‘Aquilo’ é uma nuvem”. “É preciso perceber que nem todas as ideias são caminhos e é necessário descobrir quais as que dão canções”, reconhece. Vinte e quatro anos depois do mega-sucesso Viagens, que gravou com os Bandemónio, o experiente compositor assume os seus fantasmas criativos. “Quando escrevi o Senhor do Adeus sobre aquele homem no Saldanha [em Lisboa], que acenava a toda a gente, ele era uma personagem vital para fazer uma canção. O mesmo aconteceu com a Gisberta [no Porto] quando foi assassinada. Mas tenho uma canção que está feita, gravada, produzida e pronta a entregar, com a qual tive um contencioso... Ela queria ir para um lado, eu para outro. Sei que quero falar sobre um tema, mas não sei como fazê-lo, não sei que palavras usar ou que poética empregar...”
Pedro Abrunhosa, um autor de temas com linguagens complexas e palavras duras, reconhece a dor interior de escrever canções. “Sim, escrever é uma permanente luta com uma série de vectores, luta para não me repetir. É que, no fundo, falamos sempre sobre o mesmo: O Amor. Há alguma coisa mais para falar para além do Amor? Mesmo quando falo de Morte, falo de Amor, porque estão nos antípodas um do outro.” Considerando que a lírica que produz não é poesia, “porque a poesia é um estado superior” – e Abrunhosa acredita circular “na fronteira” da mesma –, o compositor entra neste álbum, literal e assumidamente, no campo espiritual. “É claramente um acto reflexivo. A arte é uma suprema forma de nos exprimirmos espiritualmente, sendo que espírito é tudo aquilo que está dentro de nós e que não se consegue ver, nem se toca”, declara.
O disco Espiritual “é uma atitude de estremecimento, de iluminação”. No fundo, é a forma como nós nos relacionamos por dentro. E nós não vivemos tempos espirituais. Muito pelo contrário: vivemos tempos pela rama, em que as pessoas se definem pelo que têm e não pelo que são. A afirmação do ter é uma descompensação do ser”, defende, salientando como “as redes sociais vieram agudizar isto ainda mais”.
Reconhecendo que Espiritual é “o inverso de tudo isto, uma tentativa de regresso à profundidade”, o músico revela fazê-lo “como um dever” para consigo. “Quando damos profundidade às pessoas, elas reconhecem. Reparo nisso nos meus espectáculos: toco o Não Posso Mais ouo Talvez F*der e vejo as pessoas aos saltos e em festa, mas quando as luzes se apagam e toco Não sei quem Te Perdeu, ficam em silêncio espiritual.
Uma vez, em Paris, no Olympia, estava a cantar Para os
Braços da Minha Mãe e não ouvia uma única voz, o que é raro. Quando me apercebi as pessoas estavam todas a chorar.”
Quando se lhe pergunta se, nessas alturas, também chora, Abrunhosa assume: “Claro que choro. A música pode ser entretenimento, mas quando fornecemos profundidade às pessoas nota-se que elas querem e precisam disso.”
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