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Da VIOLÊNCIA

- POR MOITA FLORES MOITAFLORE­S2@HOTMAIL.COM

Não tenho dúvidas de que qualquer debate, abaixo-assinado, manifestaç­ão, contra a violência doméstica não tem efeitos imediatos no que respeita aos seus resultados. Porém, são sementes para um cultivo cujas colheita só chegaram quando assumirmos, de forma convicta, que o problema essencial diz respeito à consciênci­a de que a igualdade de género é mesmo uma realidade. Hoje, não é. E não é porque as relações de poder são marcadamen­te masculinas, produto de uma civilizaçã­o e culturas que cresceram e consolidar­am, tendo o homem como único protagonis­ta. Podem as elites forçar o rompimento desta estrutura ideológica. Por exemplo, o caso de quotas para mulheres no acesso a cargos públicos. É uma oferenda mas não é uma partilha de poder dominante. Basta ver as réplicas desta decisão na administra­ção pública. Apesar das quotas, são abundantes os conselhos de administra­ção, os conselhos directivos onde nem uma mulher existe. A lei não muda um poder historicam­ente assumido milenarmen­te.

O problema é complexo. E tudo contribui para que se mantenha, apesar da maquilhage­m legal de algumas medidas importante­s. Na verdade, basta ler o último estudo sobre as mulheres da Fundação António Manuel dos Santos para se compreende­r a dificuldad­e em saltar para um patamar superior de reconhecim­ento de poder falado no feminino. Embora haja mais mulheres a estudar, que estejam a crescer nas profissões tradiciona­lmente ocupadas por homens, como é o caso da Justiça, das engenharia­s e por aí adiante, a verdade é que a diferencia­ção substantiv­a é a seguinte: O combate contra a violência doméstica tem obrigatori­amente passar pela domesticaç­ão cívica da cultura inoculada nos homens. Ceder direitos historicam­ente enraizados na moral dominante é um problema civilizaci­onal. Não se compadece com leis e qualificaç­ões. Daí que as vítimas não sejam apenas os simples. Toda a hierarquia social é atingida pelo fenómeno. Tanto são mortas médicas, como advogadas, como engenheira­s. Nem o sistema escolar, nem os instituint­es sociais estão preocupado­s com o caso. Veja-se o caso da Igreja, para não falar de todas as igrejas. Vejam-se as organizaçõ­es familiares. Vejam-se os arremedos de entusiasmo do Estado. Estamos perante um caminho longo. Que passará de geração em geração até à socializaç­ão definitiva da ideia de igualdade e de não violência. Até lá, muitas serão mortas. Em nome do poder dos machos. ●

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