Da VIOLÊNCIA
Não tenho dúvidas de que qualquer debate, abaixo-assinado, manifestação, contra a violência doméstica não tem efeitos imediatos no que respeita aos seus resultados. Porém, são sementes para um cultivo cujas colheita só chegaram quando assumirmos, de forma convicta, que o problema essencial diz respeito à consciência de que a igualdade de género é mesmo uma realidade. Hoje, não é. E não é porque as relações de poder são marcadamente masculinas, produto de uma civilização e culturas que cresceram e consolidaram, tendo o homem como único protagonista. Podem as elites forçar o rompimento desta estrutura ideológica. Por exemplo, o caso de quotas para mulheres no acesso a cargos públicos. É uma oferenda mas não é uma partilha de poder dominante. Basta ver as réplicas desta decisão na administração pública. Apesar das quotas, são abundantes os conselhos de administração, os conselhos directivos onde nem uma mulher existe. A lei não muda um poder historicamente assumido milenarmente.
O problema é complexo. E tudo contribui para que se mantenha, apesar da maquilhagem legal de algumas medidas importantes. Na verdade, basta ler o último estudo sobre as mulheres da Fundação António Manuel dos Santos para se compreender a dificuldade em saltar para um patamar superior de reconhecimento de poder falado no feminino. Embora haja mais mulheres a estudar, que estejam a crescer nas profissões tradicionalmente ocupadas por homens, como é o caso da Justiça, das engenharias e por aí adiante, a verdade é que a diferenciação substantiva é a seguinte: O combate contra a violência doméstica tem obrigatoriamente passar pela domesticação cívica da cultura inoculada nos homens. Ceder direitos historicamente enraizados na moral dominante é um problema civilizacional. Não se compadece com leis e qualificações. Daí que as vítimas não sejam apenas os simples. Toda a hierarquia social é atingida pelo fenómeno. Tanto são mortas médicas, como advogadas, como engenheiras. Nem o sistema escolar, nem os instituintes sociais estão preocupados com o caso. Veja-se o caso da Igreja, para não falar de todas as igrejas. Vejam-se as organizações familiares. Vejam-se os arremedos de entusiasmo do Estado. Estamos perante um caminho longo. Que passará de geração em geração até à socialização definitiva da ideia de igualdade e de não violência. Até lá, muitas serão mortas. Em nome do poder dos machos. ●