O FOGO ao pescoço
Desprezo pelo interior, falta de verificação da eficácia do Estado, negócios em família, compadrio: o mais recente escândalo no combate aos fogos tem todos os ingredientes para ficar no anedotário nacional
Ahistória das golas e dos coletes inflamáveis vai ficar no anedotário nacional, e é uma espécie de metáfora destes últimos anos de governação. Tem tudo! Há a malfadada prioridade à imagem, porque as golas não tinham uma utilidade real. Há negócios em família, porque há um marido de uma autarca do PS, mais o seu irmão. Há desprezo pelo interior, porque foi tudo entregue e depois nunca mais ninguém lá voltou para verificar, e indiferença perante a avaliação real das políticas emanadas a partir de Lisboa. Há, finalmente, ataques aos jornalistas, um bode expiatório (neste caso, o padeiro), e políticos
que fogem às responsabilidades, resistindo para lá do razoável a saírem de cena. E o pior nesta “novela” nem é o ridículo da situação, apesar de, como diz o povo, o ridículo matar. O pior é a mentalidade que está na origem desta trapalhada. Uma mentalidade de simulacro, de propaganda, onde as golas não eram para usar, mas sim para
“sensibilizar”. Junte-se a isto um preço disparatado, pago pela Proteção Civil à empresa do marido da autarca do PS, que por sua vez comprou à fábrica do seu irmão, e temos uma espécie de condensado do Portugal dos últimos quatro anos. Se fosse uma piada para chatear o Governo dificilmente seria mais certeira. Imaginemos o humorista: “Está numa aldeia perdida e abandonada e vê o fogo a aproximar-se? Não fuja, ponha esta gola inflamável e verá que o perigo fica mais perto, bem à volta do pescoço.” Às vezes, este país dá vontade de rir. Outras vezes, é muito pior. Dá vontade de chorar.