GOLAS E FOGOS
Por razões que não lembram ao Diabo, mandou o Governo, ou alguém por ele, comprar e distribuir pelas populações os chamados kits de sobrevivência. Sobretudo em aldeias com risco elevado de serem atingidas por incêndio. A ideia é boa. Populações envelhecidas, sem qualquer socorro por perto, conseguirem rápidas condições de proteção quando está iminente uma tragédia, é de louvar. Porém, em Portugal não há ideia boa que não dê em confusão e escandaleira pelo meio. Afinal, as golas protetoras que se encontravam nos kits eram altamente inflamáveis. Como se não bastasse, foram compradas à empresa da mulher do amigo que era do partido e foram mais caras
do que é usual no mercado e o ministro enxofrou-se e disse que a coisa era dos autarcas e estes enxofraram-se porque a coisa era do Governo e, depois, veio a saber que a mulher do amigo era dona de uma empresa que não vendia golas e a culpa era do secretário de Estado que desencantou um adjunto que assumiu as culpas e se demitiu e quando se demitiu acusou o secretário de Estado que se devia demitir e a oposição gralhou indignações sendo que o Bloco de Esquerda pediu explicações, mas, ao contrário do habitual, não pediu demissões e blá,blá,blá.
Vai assim escrito de propósito. Que se saiba, até hoje, nenhuma pessoa ficou queimada por ter usado, se é que alguém usou, as tais golas, os incêndios continuam a multiplicar-se com danos sérios para o País e o verdadeiro estardalhaço ocorreu nos centros políticos, com realce para Lisboa e Porto, onde as paixões incendiadas levam Portugal a discutir as golas. O Governo foge à discussão. Comentadores e políticos de vários quadrantes fazem do caso uma verdadeira bola de fogo. Na verdade, o caso foi infeliz. Revelou as cumplicidades familiares que estão no interior do PS, e que são do conhecimento geral, mas, por outro lado, não fosse véspera de eleições, a descoberta das golas inflamáveis teria sido resolvida sem tanta indignação e tanto alarido. Moral da história: quando abre a caça ao voto é preciso ter cuidado com os fogos que a política ateia na cabeça de cada eleitor.