O grande TEATRO
OPaís assiste a uma peça de teatro como há muito não se via. Parou boquiaberto e não foi por falta de combustível. Pela primeira vez, que eu me recorde, há uma greve transmitida em directo por todos os canais de televisão. Deve dizer-se que a greve dos combustíveis é apenas o pano de fundo. Os verdadeiros protagonistas deste combate mediático são indivíduos que, ao que se saiba, nunca conduziram um camião. Nem o advogado do sindicato, nem o porta-voz da ANTRAM, nem a grande estrela da companhia, o primeiro-ministro António Costa. Avaliando o desempenho destes actores, os dois primeiros trocam insultos, e mentem desabridamente, manipulando números e argumentos com descaramento absurdo, enquanto o verdadeiro protagonista faz de conta que é isento mas, como se viu, tomando sempre a parte dos mais poderosos contra os mais fracos. Neste psicodrama os restantes partidos apenas fazem figuração.
Não existem. Ouve-se algum ruído de fundo mas sem significado para o desenrolar da acção. As centrais sindicais, amedrontadas e cínicas, puseram-se de lado. Assistem ao espectáculo no camarote. E o País parou.
Não há notícias de crimes, nem de ladrões, nem de polícias. Aliás, as únicas que existem mostram a rapaziada das fardas a conduzir camiões-cisternas das empresas.
Não há notícias políticas. Nem de sociedade. Nem cor-de-rosa que o verão invernoso não deixa mostrar muitas estrelas em biquíni. De tal modo invernoso que matou as notícias da época: Não há fogos. Restam-nos os debates, as intervenções dos comparsas, repetidas até à exaustão, escalando o ódio e a raiva até limites absurdos. A requisição civil transformou-se numa apoteose. Fazem-se conjecturas, prognósticos, profecias. Tudo em nome do interesse nacional. Do bem estar do povo. E outros lugares comuns do género.
Não tenho nada contra a greve dos camionistas. Nem a favor. Desconheço os problemas internos da vida destes profissionais. Porém, quando oiço falar da desproporção das consequências, não posso deixar de imaginar como outras greves dos transportes, cujo patrão é o Estado, que param comboios e barcos, dias, semanas, destruindo os planos de trabalho de pessoas e de empresas, não se levanta o problema dos danos causados ao País, pedindo, nas mesmas circunstâncias, a tal requisiçãozita civil. Dois pesos, duas medidas. Com sindicatos domesticados e obedientes ao sistema toda a tolerância. Contra os sindicatos ‘selvagens’ toda a prepotência. Por este caminho, o futuro desta peça de teatro vai descambar, e quem se lixará, como sempre, é o mexilhão. E haverá um grande herói. O árbitro herói que, mostrando autoridade e firmeza, conquistará com este espectáculo a maioria absoluta há tanto tempo escondida mas tão desejada. O povo adora estes psicodramas de faca e alguidar.