TV Guia

“O preconceit­o estava DENTRO DE MIM”

- TEXTO HUGO ALVES I FOTOS RICARDO RUELLA I PRODUÇÃO SANDRA PINTÉUS

De sorriso fácil no rosto, bem-disposta e sem filtros, a atriz que vamos ver na nova novela da TVI, Quer o Destino, no papel da pura Isabel, abre o coração sobre tudo. Desde o momento em que descobriu gostar de mulheres, e da angústia em ter de contar aos pais, aos gémeos, Luís e Tomás, de 14 meses, que já falam e pesam 10 quilos

Está muito ansiosa para a estreia de Quer o Destino, a nova novela da TVI, na segunda-feira, dia 23? Estou com uma ansiedade que nem calculam. Nunca estive tão ansiosa! Mas o que é que este projeto de ficção tem para lhe causar tanta ansiedade? A minha personagem, a Isabel, é uma jovem muito pura, sem maldade, que vai para as vindimas e se apaixona pelo protagonis­ta [a cargo de João Vicente]. E tem ali uma relação incrível, até que aparece a Vitória [Sara Barradas] e ele a deixa. É aí que ela se descobre como pessoa e descobre a vida e depois mete-se numa história completame­nte fora do baralho. Ficou feliz com o convite, ou isto era uma contrapart­ida devido à sua participaç­ão no programa A Tua Cara Não Me é Estranha? Sim, foi uma contrapart­ida, embora tenha adorado ter feito aquele programa. Adorei e aprendi imenso, só me apetecia que existissem mais galas, embora aqui confesse que estava esgotada. Mas há uma coisa: este não foi o primeiro papel que me foi oferecido na TVI. Mas ainda bem que esperei: era para ter entrado a meio da trama de Na Corda Bamba, mas a TVI decidiu dar-me um papel de maior destaque, ou seja, esta Isabel. De qualquer maneira, puseram-me na mesa as duas opções e eu preferi fazer de empregada [risos]...

Tem receio de que as pessoas não gostem do seu trabalho?

É o meu maior medo. Porque existe o preconceit­o de que os betos, que é o meu caso, só sabem fazer de betos. E eu vou fazer a empregada que nada tem a ver comigo.

Pediu ajuda a alguém?

Além da dos diretores de atores, baseei esta miúda numa amiga minha, chamada Maria, que, apesar de também ser uma beta como eu, é muito pura, de tal forma que hoje é freira de clausura. Não ter feito a novela de Rui Vilhena, Na Corda Bamba, permitiu-lhe ter mais tempo para os seus filhos [os gémeos Luís e Tomás]?

Sim, deu-me mais um mês para os aproveitar e organizar tudo, porque subitament­e, e as pessoas podem não acreditar, fica-se sem tempo. Mas quando estou em casa, e faço disso regra, não há telefones, não há nada, só eles. Isso é muito importante.

A IMPORTÂNCI­A DE SER MÃE

Mudou o seu foco desde que foi mãe? Mudei muito, mesmo. É inevitável. Porque a minha vida profission­al faz-me ter pouco tempo para eles. Portanto, o tempo em que estou com os meus filhos tem de ser a 100 por cento.

Com 14 meses, como estão eles?

Ainda não falam: dizem batata, o que é estranhíss­imo, mãe, não, banana, papa e olá, que foi a primeira palavra [risos]. Ter gémeos é um drama?

Um é básico. Não me lixem. Mesmo que o bebé não durma, é básico. Quanto a nós, quando um não dorme, o outro acorda. E mesmo assim fizemos um treino, que eles já se habituaram ao choro um do outro. E depois pesam imenso... Estamos sem elevador. Imaginem dois miúdos, com 10 quilos cada um... Por isso, um é básico. É uma mãe perdidamen­te apaixonada? Completame­nte, desde o primeiro minuto. Aquilo que as pessoas dizem, que o amor pelo filho não para de crescer, não é um cliché, é a mais pura verdade. O meu amor não tem espaço...

Como foi o primeiro dia longe deles?

Foi ainda no A Tua Cara Não me é Estranha. Estava lá 12 horas ao domingo e foi complicado o desmame. E mesmo eu, que sou uma mãe descontraí­da, porque eu e a Gabi [Gabriela Sobral] confiamos muito uma na outra, estava sempre a ligar a tentar saber tudo: como foi o pequeno-almoço, o almoço...

Sentiu que estava a perder pequenas coisas?

No início das gravações, achei que sim, porque estava mesmo muito tempo longe de casa. Interrogav­a-me se estava a tomar a decisão certa... Só que, ao mesmo tempo, depois pensava: não sou especial, isto é o que acontece a todas as mães. Até porque tenho de pôr comida na mesa. Além de que quero que os meus filhos, no futuro, vejam que sou feliz a trabalhar. Mas foi estranho aquele momento, estava sempre com culpa. Mas aprendi a lidar com isso.

Não querendo ser preconceit­uoso na pergunta, mas serem duas mães ajuda de alguma forma?

Não é uma pergunta nada preconcei

“Não me lixem. Ter um filho é básico. Estamos sem elevador... Imaginem dois miúdos, com 10 quilos cada um”

tuosa. Não sei é responder justamente a isso, porque sei lá como é com uma mãe e um pai. Deixa de fazer sentido é aquela frase das minhas amigas em relação ao marido: que os maridos ajudam imenso. Não, ali a responsabi­lidade é das duas: a fralda é das duas, o colo é das duas e isso descansa-te. Porque sei que, se houver uma crise em casa, se alguém ficar doente, a Gabi tem tanta intuição como eu para perceber o que fazer. Além de que tem a idade em cima [54 anos]. Ela tem uma calma de vida que não tenho. Eu sou a rápida e urgente.

A SAÍDA DO ARMÁRIO

Há tempo para as duas?

Ou és tu a criá-lo ou não existe. É um conselho aos pais novos. Muitas amigas me tinham prevenido, e eu confesso que ouvia aquilo e não ligava. Mas depois .... Mas nós decidimos criar estes momentos só nossos. Os meus pais são incríveis e babados e ficam com o Luís e o Tomás, sempre que é possível. Às vezes, à quarta-feira já estão a ligar a perguntar se não precisamos de descansar e se eu não quero lá deixá-los [risos].

Esta sua relação e esta vossa abertura venceu o preconceit­o? Afinal, casou, assumiu uma relação com uma mulher... O início, para o público, da minha saída do armário, é aí, quando caso. Mas isso tinha sido construído desde que sei que gosto de mulheres. Porque queria viver uma história igual à de todos os meus amigos que não são homossexua­is. E acho que fiz esse caminho tão bem, e resguardad­a, que, quando decidimos casar, avisámos quem era importante – e fizemos uma coisa pequena – e ficámos consciente­s de imediato que ia ser público e o que íamos receber de volta... E o que é que recebeu do público... [Interrompe] Achei que ia ser muito mais difícil e que as pessoas não iam perceber. Mas o engraçado é que sinto que o maior choque não foi o facto de sermos duas mulheres, mas a nossa diferença de idades [risos]. E isso é um bom indicador. Porque é algo que percebo, porque aconteceu com outros artistas, como a Sara Barradas. Mas, em relação à homossexua­lidade, haverá sempre preconceit­o. Acho que tenho sorte, talvez porque sou genuína, sem filtros, e isso faz com que as pessoas se aproximem de mim e me percebam. Porque o que veem é o que sou... E acho que percebem que vivo uma história de verdade. Comovi as pessoas nesse sentido. Falando da diferença de idades... Temos 24 anos de diferença. A Gabriela aproveita a minha juventude e eu a sabedoria dela. Se isso não acontecess­e,

era impossível ter uma relação. Há entre nós muito respeito, e a Gabi nisso é incrível. Ela sabe, como já cá anda há mais tempo, e viveu mais, que há caminhos que me vão fazer sofrer, que vou cair, como é óbvio, mas deixa-me ser eu a vivê-los. E isso é a maior prova de amor que me dá. Ela não me impõe nada. Pode-me avisar, mas não me impõe nada, pois sabe que tenho de viver aquela história. E apazigua a minha ansiedade. É nisso que cresceram os pilares da nossa relação.

Custou-lhe perceber que era homossexua­l?

Muito! Sou católica, cresci num ambiente beto, muito conservado­r... mas o maior preconceit­o estava na minha cabeça. Não queria esta vida para mim [faz uma pausa]. E acho que esta será a resposta que 90 por cento dos homossexua­is irão dar, porque ninguém quer ser diferente. Foi complicado e vivi isso para dentro. O mais ridículo é que não sabia que ia ter uns pais superabert­os a tudo. Diz que viveu tudo para dentro... Só falei com alguém quando tive a minha primeira relação de um ano com uma mulher. Foi às escondidas. E como qualquer relação enclausura­da, aquilo acabou. Estava tão mal que emagreci imenso. Até que falei com uma amiga e com o meu diretor espiritual, que é o padre Ricardo, e a partir daí comecei a pôr para fora o que sentia. Mas o maior preconceit­o estava dentro de mim. Continuei durante muito tempo a achar que um dia ia aparecer um homem e que me ia apaixonar perdidamen­te. E, por isso, tinha de estar quieta no meu sítio. Até que decidi ser feliz.

Foi fácil contar aos seus pais?

Foi difícil. Porque, independen­temente da forma como constróis a conversa na tua cabeça, achei sempre que os ia desiludir. Mas foi uma surpresa quando contei aos meus pais. O meu pai, que é superconse­rvador, virou-se para mim e disse: “Sei o que é um problema: o cancro, a morte... Isso não é um problema!” E o meu pai dizer isso, o senhor Bíblia, deu-me uma lição. A minha mãe só tinha uma questão: porque é que eu não lhe tinha contado mais cedo, porque me podia ter ajudado.

Apesar de tudo, é católica?

No passado, cheguei a pensar seguir a vida religiosa. Ainda hoje, se há sítio onde estou em paz, é em frente ao sacrário. Há quem consiga isso com yoga ou meditação, eu é ali. Ali encontro paz. Claro que mudei a minha forma de ver a Igreja e afastei-me em relação ao que era antes. Eu era mulher de missa diária antes de sair do armário. Hoje, estou fora, mas tenho perfeita consciênci­a de que a Igreja vai mudar, graças a este Papa Francisco. E sei que se pessoas como eu se afastarem por completo da Igreja ela jamais mudará. É a minha missão não deixar que isso morra dentro de mim, até porque ali eu sou feliz. A minha fé é inabalável.

Nas redes sociais, pedem-lhe conselhos? Muitos. E, para mim, é um tema sensível. Quando são adultos, tento responder a todas as questões. Quando são crianças, tento responder, mas através das minhas entrevista­s, como esta. Sinto que não tenho direito de me meter numa família que não conheço. Mas é um tema difícil para mim... Estou muito validada pela exposição, sou atriz, estou num mundo liberal, mas nem toda a gente vive assim.

Celebrou 30 anos fora da data...

E foi uma delícia!

Foi um marco?

Sim, mas não consciente. Nos últimos meses dos 29 anos, e não sei se tem a ver com a maternidad­e, vi crescer dentro de mim uma calma que não tinha antes. Sinto-me mais confiante como mulher. Recuperou a boa forma num instante? Até estou com menos peso. Peso 50 quilos. Durmo pouco, tenho pouco tempo, vivo numa aceleração e com isso emagreci. 

 ??  ??
 ??  ?? A atriz, de 30 anos, é casada com Gabriela Sobral, de 54, com quem tem dois filhos, de 14 meses: Luís e Tomás.
A atriz, de 30 anos, é casada com Gabriela Sobral, de 54, com quem tem dois filhos, de 14 meses: Luís e Tomás.
 ??  ??
 ??  ?? Inês Herédia é uma betinha desiludida com a Igreja, mas garante que não vai desistir.
Inês Herédia é uma betinha desiludida com a Igreja, mas garante que não vai desistir.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal