OS HERÓIS da televisão
Todas as histórias dos homens que estão a segurar o barco e a motivar os portugueses
Enquanto no terreno os profissionais de saúde e das corporações de bombeiros fazem tudo para salvar vidas, há profissionais no pequeno ecrã que são o rosto das notícias, garantes da segurança, motivadores e formadores de opinião. Dois destacaram-se. Num cenário de guerra à pandemia, fomos conhecer as histórias destes jornalistas da SIC e TVI
Num momento da nossa história coletiva, em que a incerteza é uma das marcas garantidas do futuro mais próximo, eis que surgem líderes informais, que ajudam a atenuar o impacto das piores notícias. Nas duas últimas semanas, dois homens destacaram-se nesse importante papel social: José Alberto Carvalho (TVI) e Rodrigo Guedes Carvalho (SIC). Dois homens cujas histórias de vida, tristes e felizes, a TV Guia agora revela. O mote para a elevação dos novos “heróis” nacionais foi dada precisamente por um político, o primeiro-ministro António Costa, no final de uma entrevista ao Jornal da Noite, na SIC, logo no início da tempestade Covid-19.
“Destaco a ideia e a forma inspiradora como o Rodrigo Guedes de Carvalho se tem dirigido aos portugueses”, salientou o líder do Governo, saudando o método de trabalho sério e assertivo do rosto das más notícias da estação de Paço de Arcos: “É um momento de tranquilidade e ânimo para todos os compatriotas.”
Dias antes, quase um milhão e meio de portugueses tinha assistido ao discurso motivacional e de esperança do jornalista, filho de um ex-médico-cirurgião do IPO do Porto, que nasceu na cidade Invicta há 56 anos, tem fama de durão, é sisudo assumido, e soma, às vezes, ao rosto fechado, a fama de arrogante.
“Nesta fase estamos todos no mesmo barco. Esta situação não é daquelas que se resolve com um: ‘Isto só acontece aos outros’. Aos nossos avós foi-lhes pedido para irem à guerra. A vocês pedem-vos que fiquem no sofá... A tempestade há de passar, com a ajuda de todos nós.”
No canal da concorrência, a TVI, há um comandante que também não abandona o convés e continua à frente da informação sobre o temporal sanitário e económico a conduzir o Jornal das 8. José Alberto Carvalho, 52 anos, nascido em Penacova e criado entre Tábua e Viseu, que andou pelas rádios-pirata nos finais dos anos 80 do século passado e se tornou um exemplo do jornalismo sério, dando a cara pela SIC, RTP e TVI, desde 1990, há 30 anos consecutivos.
“GOSTO DE SER UM HOMEM SÉRIO”
É de José Alberto, ou Zé Alberto, como lhe chamam os colegas de trabalho, a voz que preenche as imagens de um pequeno vídeo que a TVI criou para ajudar os portugueses a não desistirem nestes tempos difíceis. “Vai ficar tudo bem”, narra a pivô do Jornal das 8, enquanto de fundo se escuta o tema musical Negras Como a Noite, da banda Xutos & Pontapés, num pequeno filme que já se tornou viral nas redes sociais.
“De onde vem esta coisa de ser português?”, pergunta José Alberto Carvalho, para responder após uma pausa para respirar: “Não sabemos? Até os que nos visitam e descobrem o sabem. Nas nossas ruas, sente-se falta, agora, da nossa voz, da nossa
presença, mas não da nossa alma. Somos os portugueses da hospitalidade, do sorriso e da simpatia. Podem dizer que somos do fado, da saudade. E somos. Mas só nós é que sabemos que a beleza deste País está numa certeza muito portuguesa de saber que arranjamos sempre maneira de ficar tudo bem. (‘Vai ficar tudo bem’, ouve-se no refrão da música dos Xutos). Nos momentos mais desafiantes, sabemos de onde vem este sol, sabemos para onde vai este mar. Sabemos que na hora de ser Portugal, somos sempre todos, por todos.”
CAMINHO TORTUOSO PARA O AMOR
Enquanto os portugueses se isolam em casa à espera que a pandemia da Covid-19 passe, os rostos da certeza e da esperança por melhores notícias continuam a passar todos os dias nas nossas televisões. Rodrigo Guedes de Carvalho é, há 27 anos, uma dessas caras. E uma das mais sisudas, como o próprio reconheceu, numa conversa com a apresentadora Cristina Ferreira, no seu programa matinal na SIC, em janeiro de 2019. “Eu gosto de ser um homem sério. O meu avô costumava dizer ‘veste-te sempre para a ocasião’. E a minha ocasião é que eu sou jornalista”, reconhece a condição, esclarecendo que “infelizmente 80% das matérias que trato todos os dias merece-me seriedade. Falo todos os dias de tragédias, de pedofilia, deste drama tremendo das mulheres assassinadas pelos maridos ou numa outra escala, que também é séria, dos corruptos que roubam as poupanças dos contribuintes”. E remata: “Para ser um bom profissional tenho que estar com o tom adequado àquilo que estou a fazer. Estar pronto para as situações limite, é assim que um homem se define.”
O jovem adulto, que família e amigos íntimos tratavam pelo petit-nom “Guigui”, que passou ao lado de uma carreira musical por culpa de uma professora que o fez perder a paixão, e que aos 18 anos decidiu trocar o conforto da casa dos avós no Porto pela incerteza de estudar em Lisboa, mesmo que com uma boa mesada do pai, reconhece que nem sempre é fácil conviver consigo: “Tenho os meus dias, tenho as minhas telhas, as minhas disposições, sou frontal, tenho uma cara que em repouso é um bocadinho fechada, mas sou uma pessoa que gosta imenso de rir, acho que o sentido de humor é uma das maiores provas de inteligência que uma pessoa pode ter”, recordando ser dos profissionais que mais pisa a linha vermelha: “Sou dos jornalistas que mais arrisca com ironia, com sarcasmo. Já cruzei linhas no jornalismo que outros pivôs não cruzam.”
Arrisca no jornalismo, e na vida. Formado em Comunicação Social, Rodrigo não teve problemas em fazer papel de trolha nas obras e de andar a “carregar tijolos para a construção da sede da SIC em Carnaxide”, como confessou a Cristina Ferreira, ou mesmo de desempenhar o papel de jardineiro: “Plantei árvores, com o Balsemão e outras pessoas, no parque de estacionamento de Carnaxide. E isso é uma das coisas que mais me está a custar deixar, que me está a fazer confusão, mas tenho que mudar o chip da melancolia.”
Apresentar notícias, fazer reportagens, carregar tijolos ou plantar árvores não são as únicas memórias que Rodrigo Guedes de Carvalho guardará da sua passagem pelas antigas instalações da SIC em Carnaxide. Ele, e Teresa Dimas, uma colega da informação, foram protagonistas, em 1996, de um badalado escândalo de traição matrimonial, quando o pivô ainda estava casado com outra jornalista conhecida na estação, Paula Moura Pinheiro, ex-apresentadora do polémico programa Sexo Forte, exibido nos primórdios do arranque da estação.
Hoje, Rodrigo assume tudo o que fez, e as suas consequências: “Eu e a Teresa estamos juntos há 24 anos e a continuar como no primeiro dia... Foi turbulento de início, porque ambos éramos casados, e uma das promessas que fizemos um ao outro foi de não fazer promessas. A nossa fase atribulada é relativamente conhecida... Com o divórcio aprende-se uma grande dor. Não há divórcios fáceis. Um divórcio leva-nos a ter reações animalescas.”
O “BETO” E “IGNÓBIL FARSANTE”
O pivô, que é também um conceituado romancista, letrista de músicas e tem “medo da instabilidade financeira”, rejeita ser um beto perfeito da Foz do Porto e assume que tanto consegue estar bem num cocktail numa embaixada como num tasco com populares, e frisa que aprecia os dois ambientes: “Além disso tudo, tive uma juventude muito preen
chida. Não vou entrar em detalhes, mas cometi muitos excessos e conheci muitas realidades. Apesar de ser um beto da Foz, estive num liceu onde havia alguns betos, mas também pessoas de outros extratos sociais que aprendi a conhecer e a apreciar.”
A sua experiência de vida, e a capa de durão, foram suficientes quando, em 2017, usou o púlpito dos Globos de Ouro, na SIC, para defender a causa da violência doméstica contra as mulheres e, com esse discurso, apoiar a apresentadora Bárbara Guimarães, sua amiga de longa data, que travava nos tribunais uma guerra contra o ex-marido, o ex-ministro da Cultura Manuel Maria Carrilho. No seguimento desta tomada pública de posição, o ex-político atacou Rodrigo com violência, chamando-lhe “ignóbil farsante.” “Em relação aos Globos de Ouro, estou à vontade porque, para quem está atento às minhas posições fora do jornalismo, aquilo não é novidade nenhuma. Já me manifestei várias vezes sobre a violência contra as mulheres. No caso de Carrilho, fui a julgamento como testemunha da Bárbara”, recorda, avançando como abraçou a causa: “É algo que me preocupa imenso porque convivi com ela. Não faço alarde se na vida privada faço, ou não, ações de voluntariado. A realidade que conheci é aterradora.”
DE CORAÇÃO SEMPRE NAS MÃOS
Do outro lado da barricada televisiva, mas na mesma trincheira da guerra ao vírus, está José Alberto Carvalho, o homem que tem sido o rosto das notícias da TVI. Assumindo-se como “uma pessoa muitíssimo emotiva” que não tem problemas com as suas emoções e adora “sentir”. O pivô beirão, pai de quatro filhos, vive com o coração nas mãos desde 2016, devido aos problemas de saúde dos pais, Georgina e Mário Carvalho, ambos octogenários, e com quem sempre teve uma relação umbilical. A mãe teve um cancro. Depois o pai uma pneumonia e um AVC e, em outubro de 2017, o casal viveu o drama dos incêndios que devastaram o País, mas saiu ileso.
Numa conversa com a apresentadora da TVI Fátima Lopes, José Alberto revelou algumas das suas fragilidades. “Gosto de ver começar as nuvens... Isso pode ser usado contra mim como uma fragilidade”, lamenta, explicando como encara a vida, em especial depois de em fevereiro de 2019 ter sofrido um ligeiro AVC depois de uma discussão com a colega Ana Leal na TVI: “Viver, ser feliz e ser pai é o meu papel principal. Reclamar o direito de ser infeliz, se esse for o resultado das minhas escolhas; e não ficar na sala de espera da vida, isso é o maior tédio”, remata na mesma entrevista.