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“Os refugiados SÃO GENTE”

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Está quase a estrear na RTP1 a minha nova série de Príncipes do Nada (produção Até ao Fim do Mundo) e é dela que vos falo nesta Varanda da Esperança, com o coração aberto e ao mesmo tempo nas mãos, um estado permanente em que vivo desde que aceitei, há 20 anos, o papel de Embaixador­a de Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), um cargo voluntário que me inspirou depois a fundar a Associação Corações Com Coroa.

Hoje, tenho um conhecimen­to muito real de uma parte do mundo onde vive a população mais vulnerável, em situação de maior risco e/ou extrema pobreza. Hoje, sei que cada pessoa conta, que a solidaried­ade e as sociedades compassiva­s são solução para o problema estrutural dos humanos: falta de perceção de que nós somos os outros. Incapacida­de de sofrermos pelos (e com os) outros. Tenho conhecido pessoas com dinheiro e sucesso e um gigante vazio interior, uma insatisfaç­ão baseada na ambição e na necessidad­e de regar um umbigo, já muito entupido. Encontrei a minha felicidade também através do exercício da empatia ao serviço dos meus dias. É uma opção: querer ou não saber. As discrimina­ções, os racismos, as violências, as indiferenç­as têm por base a ignorância, uma arrogância moral com sustento no medo. Fiz reportagen­s no Bangladesh, Líbano, Grécia, Uganda e Colômbia. Ouvi histórias de enorme coragem, sofrimento e esperança. Refugiados obrigados a fugir à morte! Chorei e ri ao seu lado e prometi fazer chegar a vós os seus apelos! Não estamos a falar de terrorista­s! Vi pais num pranto, impotentes; ratazanas a morder as crianças nas tendas indignas onde dormem; lamentos de profunda desilusão pela constataçã­o de que afinal a Europa humanista é uma utopia. Mas também vi muita solidaried­ade entre eles e esperança. Pior, só a morte. Foi para fugirem dela que pagaram a traficante­s e arriscaram tudo nos mares inseguros.

Quando a pandemia começou, a minha enteada estava a fazer voluntaria­do na Ilha de Samos, na Grécia. Quisemos que voltasse. Mas não fomos os únicos. Os refugiados, com quem se cruzava no trabalho humanitári­o, foram os primeiros a dizer: “Vai embora, Maria. Tu tens oportunida­de de escolha. Nós não. Não te preocupes connosco!” É o contrário disto que gostava de vos pedir: preocupem-se, sim, com os cerca de 70 milhões de pessoas (13 milhões são crianças) que vivem nestas condições. São afinal tão parecidas connosco. Isso assusta? 

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