SEGURANÇA insegura
Começa sempre assim. Uma invenção que, aplicada no telemóvel, nos garante que se, porventura, estivermos com alguém infetado por coronavírus, dispara um alerta que nos avisa das medidas que se devem tomar. Dito assim, a cru, é uma grande ideia e uma ferramenta extraordinária. Tem, ainda, abundantes virtudes. Toda a cadeia de informação é anónima. Ninguém sabe quem era o infetado e ninguém vai saber quem recebeu a mensagem.
A história recente da Internet, a evolução extraordinária das tecnologias da informação, o cruzamento de acessos e de redes sociais, deve deixar-nos de pé atrás.
Não duvido da bondade dos criadores desta nova aplicação. Julgo, até, que são movidos por generosas intenções de interajuda solidária. No entanto, bem sabemos como rapidamente boas ferramentas de ajuda abrem portas à violação da privacidade mais íntima de cada cidadão.
Digo cidadão com altruísmo. Olhando para a nossa relação com Estado e, por que não dizê-lo?, com o Mundo, somos cada vez menos detentores de humanidade, transformados em números. Meros números sem alma. Somos reconhecidos pelo número do nossos cartão de cidadão, pelo número da segurança social, pelo número fiscal, pelo número da carta de condução, pelo número de telemóvel que se entrega à rede social ou à seguradora. Agora, vamos ser convidados para usar uma aplicação que salva do coronavírus. Apenas precisamos de dar o número de telemóvel. Todos estes números são portas abertas ao mundo da cibernética. Todos foram criados para nos assegurar uma Liberdade segura, controlada e vigiada, tal qual um paraíso na Terra. Em nome da segurança, do bem-estar e de todos os direitos que se possam imaginar. Até chegar a horda dos piratas que pega em todos estes números, mexe-os com colher informática põe ao lume a cozer, dando-nos em pequenas porções ao mundo. E ao Estado. Num ápice, sem nos darmos conta, passamos da Liberdade segura, à insegurança segura e esventrados os direitos de cidadania.