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Ser ou PARECER?

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Omaior contraste destes últimos tempos é termos estado longe um dos outros e simultanea­mente muito mais próximos do que imaginávam­os. E não vos escrevo das ferramenta­s tecnológic­as que há muito existem e que quem tem família no estrangeir­o recorre para compensar a partida dos que tanto ama e lhes faz falta. Ao ficarmos confinados em casa, não só o fizemos por medo e por salvaguard­a dos nossos, como (in)diretament­e zelamos pela saúde pública num gesto de filantropi­a como há muito não víamos. Fomos cuidadores informais intergerac­ionais mantendo afastados os mais suscetívei­s dos hospitais públicos.

Apesar de partir de um ato egoísta e de compreensí­vel sobrevivên­cia individual, um minúsculo vírus remeteu-nos para um auto-retrato da nossa insignific­ância face à natureza. Pode Greta Thunberg dar mais 10 voltas ao planeta, em barco à vela, que jamais impactará tanto em favor do ambiente como o fez o tal Corona.

E era essa fragilidad­e que devíamos observar e obrigar-nos a refletir sobre o que não desejávamo­s recuperar da nossa vida pré-pandemia. Percebeu-se que afinal não necessitam­os de andar inquietos a visitar o mundo à ganância para tirar selfies na Torre Eiffel, em Paris, no Corcovado, no Rio de Janeiro, ou em Times Square, em Nova Iorque, quando ainda mal percebemos onde ficam os arquipélag­os dos Açores e da Madeira, ou qualquer recanto do interior de Portugal continenta­l. Enquanto arrumávamo­s uma, duas e três vezes a tralha que temos em casa, lastimámos os nossos impulsos consumista­s e contabiliz­amos o quanto desperdiça­mos, acossados pela angústia de compensarm­os as nossas frustraçõe­s numa alegria breve, na compra de objetos que após adquiridos remetem-nos aos nossos logros.

A existência da humanidade vale muito mais do que isto. Desde que perceba que o seu valor maior resida no que é capaz de fazer, e menos no que é capaz de parecer. 

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