VIOLÊNCIA escondida
As imagens são cruéis. Vê-se um carro branco. Um homem alto, forte, com cerca de 60 anos caminha decidido na sua direção. Tem um cinto na mão. Abre a porta da viatura e desata a brutalizar quem se encontra no interior. A vítima clama por socorro, buzinando insistentemente. Por momentos, o agressor afasta-se e, subitamente, dirige-se novamente à viatura, brutalizando a golpes de cinto o condutor.
Esta discrição é, por si só, violenta. Mas é pior. Sabe-se, depois, que o homem do cinto é filho do homem que é agredido e, que este, tem 90 anos.
Não se percebe a razão da agressão bárbara. E não é preciso saber. Sobretudo quando a idade é tão avançada e, como sabemos, a vítima era o próprio pai.
Não há um único argumento, nem qualquer justificação para tentar compreender tão miserável.
Este velhote é a face, terrivelmente visível, de um mundo pouco conhecido da violência doméstica. Sentem-se os sinais quando se sabe que, durante as quadras festivas, muitos idosos são abandonados nos hospitais. Sabe-se, numa atmosfera cinzenta no que respeita ao conhecimento, que muitos destes velhotes são espoliados de bens, de reformas, enclausurados sem condições de assepsia, por quem tinha o dever de cuidar. É um quadro onde a vergonha, o preconceito, o silêncio, não permite um conhecimento profundo da verdadeira realidade em que o País está mergulhado.
As estruturas de apoio á vítima não estão estruturadas para a legião de dependentes que o alargamento da esperança de vida vai engrossando. Era importante haver uma atenção maior a este flagelo de desumanidade. A cultura dominante, que o consumismo aprofundou, trata os velhos como desperdício. Como despesa. Como um fardo. É um mau caminho. E, por isso, torna-se tão urgente decifrar os milhares de psicodramas que escondem a violência contra aqueles que deram sentido à nossa existência individual e coletiva.