TV Guia

À MARIA JOÃO ABREU

- PIQUETE de polícia POR MOITA FLORES MOITAFLORE­S2@HOTMAIL.COM

Conheci a Maria João Abreu há perto de quatro décadas. Era uma jovem atriz. O cunhado dela era Inspetor na PJ. Estagiou na minha Brigada para ser promovido e passámos muitos dias e muitas horas juntos. Era conhecido por Militão. Lembro-me como se fosse hoje. Andávamos no encalço de um grupo de assaltante­s à mão armada e, naquela noite, teríamos de trabalhar na zona de Camarate. O Militão disse-nos que a cunhada perdera o transporte e perguntou se lhe podíamos dar boleia porque morava, com os pais, naquela zona. Passámos pela Praça de Espanha. Não sei se a Maria João estaria a trabalhar no Teatro Aberto ou na Comuna, e levámo-la connosco até à sua residência. Quinze minutos de viagem e, recordo-me, a jovem atriz falou de teatro, de representa­ção, do futuro da carreira que tanto desejava cumprir. Uma conversa estranha, num carro de polícia que, até aí, ouvira falar de ladrões, de bandidos, de futebol, não imaginado que a magia do teatro ali pudesse caber. Nunca mais lhe esqueci o nome e, desde muito cedo, quando o trabalho permitia, procurava vê-la representa­r. Já nesse tempo se percebia que ia surgir uma grande atriz. Passados poucos meses depois deste encontro, o cunhado, o nosso Militão, era assassinad­o com uma rajada de metralhado­ra disparada por gente ligada às FP-25. A tragédia aconteceu durante uma perseguiçã­o automóvel. Nessa noite, os bandidos mataram, mais uma vez, e a Polícia perdeu um dos seus mais valorosos investigad­ores. Valente, generoso, sempre disponível para o trabalho. Sem medo! Reencontre­i a Maria João no velório. Estava lá a PJ em peso. E ela chorava pela perda do cunhado e pela irmã que, tão jovem, ficara viúva. Desde então, não se passou uma única vez que tivesse encontrado a grande atriz que não me venha à memória o Militão. Ele partiu muito cedo. Ela foi construind­o o grande sonho que, naquela noite longínqua partilhou connosco num carro da Polícia, tornando-se numa das melhores atrizes da sua geração. Ninguém ficará surpreendi­do que sinta a sua doença com uma dor especial. Porque o seu sonho está hesitante entre a vida e a morte. E agora, quando leio as tristes notícias, rezo para que ela regresse à vida e por Militão, assassinad­o por bandidos que roubaram os sonhos.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal