OS ESCRAVOS
Depois do folhetim de Odemira, em que vários membros do Governo caíram no ridículo graças à sua incapacidade para governar um País que desconhecem, sucederam-se algumas investidas das autoridades no Centro e Sul do País, descobrindo mais migrantes vivendo em condições indignas, alguns em pocilgas. Estes foguetes de lágrimas que estoiram, de vez em quando, são uma pequeníssima expressão da imensa rede de traficância de mão de obra agrícola barata que se estende de norte a sul. A que se deve esta imigração legal, tolerada, com vários sinais de inclusão e aceitação entre as comunidades locais? Em primeiro lugar à desertificação e envelhecimento do território agrícola. O nosso padrão de crescimento e indicador de desenvolvimento, deliberadamente construído dentro do sistema ideológico dominante, multiplicou universidades e politécnicos, tendo a massificação de licenciaturas como nível de aptidão reconhecido. Milhares de doutores depois, não significaram, como se vê, alterações significativas na produtividade, na modernização e crescimento do País. Estamos cada vez mais longe dos países desenvolvidos. Exatamente no mesmo lugar em que estávamos há quarenta anos. Na cauda da Europa. Formação anárquica, indiferenciada, que não soube planificar o futuro, que aprofundou desequilíbrios territoriais, emergindo um proletariado urbano com qualificações, mas boiando nos limites da sobrevivência. Os campos foram pura e simplesmente esquecidos. Basta ver a distribuição de agrónomos e veterinários para se perceber que as regiões do Porto e de Lisboa lideram, quando são profissões vocacionadas para o mundo rural. Desvalorizou-se, por outro lado, o trabalho agrícola. O mito do doutor levou à debandada de milhares de jovens. E os empresários agrícolas, em perpétua decadência, começaram há bem pouco tempo a realizar a modernização dos sistemas de produção que, apesar do avanço tecnológico, precisam de mão de obra, sobretudo no tempo das colheitas, que envelheceu ou partiu. É aqui que entra a mão de obra escrava. Importada da Ásia. Tutelada, em grande parte, por patrões invisíveis, que cobram a seis ou sete euros por hora de trabalho e pagam aos seus ‘escravos’ dois ou três euros. Organizações mafiosas e apátridas que vampirizam quem trabalha e contribuem, desta forma, para a degradação demográfica dos campos.