“O dinheiro dos bares NUNCA CHEGAVA A CASA” “atrizaças”
Confessa que foi Cristina Ferreira quem o desafiou a fazer de padre Isidro, em Festa É Festa, e até desvenda a relação deste com o vinho. Está apaixonado por duas colegas – Inês Herédia e Ana Guiomar – e também fala das discussões e porrada com César Mourão, das bebedeiras e da vida louca aos 40 anos. Novamente apaixonado por uma mulher, o ator está noivo e promete organizar um casamento de sonho
Como surgiu o convite da TVI para fazer o papel de padre Isidro, na novela Festa É Festa? Foi simples. Sou amigo do João Patrício, que, neste momento, é um dos braço-direito da Cristina Ferreira na TVI, e ele convidou-me para fazer um pequeno papel num daqueles dias especiais da estação. E aquele pequenino papel foram quase 14 horas a filmar, comigo sempre disponível e bem-disposto. Acredito hoje, conhecendo a Cristina, que isso a ajudou a ver-me e a escolher-me.
Então, foi ela quem decidiu?
Foi ela, sem dúvida. Três dias depois dessas gravações, o João liga-me e ouço a Cristina a dizer: ‘Diz-lhe que desligue e que faça uma chamada por facetime’. Fiz e ela diz-me: ‘Vou-te fazer uma proposta e tu vais dizer que sim. Tenho um papel para ti numa novela, como padre Isidro, uma das figuras centrais da história’. Disse que sim e tive a sorte medonha de ter encontrado um elenco belíssimo, um grupo extraordinário. E os textos são excelentes. Estou nas nuvens. Que tipo de padre lhe pediram?
Adorei a ideia de o padre ser o fiel da balança daquela loucura toda. E depois tem poucas mudanças de roupa [risos], o que é maravilhoso.
Já referiu que sente dificuldades por estar habituado a improvisar e aqui tem de seguir o guião. Há alguma liberdade criativa dos atores? Não há assim tanta. Há liberdade, dentro do contexto.
Por falar em liberdade: o que sentiu quando Inês Herédia começou a improvisar com a história das gordas e do coro gospel? A Inês é um animal de representação. Não a conhecia, mas, neste momento, sou super-mega-fã dela. Está sempre bem preparada e dá mais do que lhe é exigido. A Nelinha, com toda aquela loucura, é uma personagem especial. Naquela cena percebi que estava a improvisar e deixei-a voar. E divertiu-se?
Imenso! O que houve ali foi um momento muito forte. E isso é uma coisa que aprendi a fazer com um tipo chamado César Mourão, que é outro animal em palco. É uma das coisas que adoro fazer. Sou um distribuidor de jogo. Não sou o gajo de marcar golos. Não o sou nos Commedia a la Carte, também não sou na novela. O jogo vem, entrego e distribuo.
É o homem da contracena. Gosta de jogar nessa posição?
Adoro!
Sempre atento ao trabalho dos colegas? Super. Às vezes até demais. Tenho outra pessoa na novela, que também não conhecia, a Ana Guiomar, que é uma atrizaça. É maravilhosa! É uma força da natureza.
Diverte-se com o seu padre Isidro? Muito! Ele é um espeta-secas. Começa a falar dos tempos do seminário e, de repente, as pessoas fogem e ele fica ali a patinar na maionese. Ao contrário do que se pensa, o Isidro não é alcoólico. Não é bebedolas. É só sensível ao vinho e com um copito a verve dele nunca mais pára. Explique-nos como é que um homem da Força Aérea passa a vendedor de uma multinacional, foi artesão hippie e acaba como ator. A seguir ao 25 de Abril, queria ser antropólogo, para conhecer outros povos e outras culturas. E vem o período em que tenho de ir para a tropa. Não fico livre e decido ir como voluntário para a Força Aérea. Entretanto, engravido a mãe da minha filha. Senti o peso da responsabilidade e foi isso que me agarrou à tropa, até aos 30 anos.
Foi mesmo infeliz na Força Aérea? Tirando a camaradagem, fui. Quando percebes que vives num País, em 1980 e tal, que está na bancarrota, com tremendas dificuldades de se reerguer... E vês uma instituição a mamar dinheiro à bruta... Ainda por cima, estava nos abastecimentos e só me questionava como é possível gastarem-se tantos milhões numa merda que serve para nada. Viu coisas que o chocaram? Corrupção? Nem vou para aí. Sempre houve e sempre haverá! Aquilo era um sorvedouro de dinheiro público, quando faltava para a educação, saúde e cultura.
Depois de passar pela multinacional como vendedor, sentiu-se asfixiado? Senti-me asfixiado e deprimido. Deixei tudo e fui à procura daquele miúdo de 16 ou 17 anos que ficou lá atrás.
E é quando sai do casamento também.
Saio do casamento... não sabendo se voltaria. A minha primeira mulher deixou-me a porta aberta
Era infeliz na relação? Houve traição? Nada. Zero. Ainda hoje a minha primeira mulher é uma das minhas melhores amigas. É top! Que ninguém belisque a Paula. Ela até me pediu a opinião para escolher o atual marido, o homem que é o segundo pai da minha filha. Saiu por se sentir oprimido e deprimido? Oprimido e deprimido. A minha vida andava a marcar passo. Vou para o Algarve, conheço uma artesã, chamada Paula, envolvemo-nos emocional e fisicamente e decidimos ir viver para Porto Covo. Ali vivemos quatro anos. Conheço o poeta Al Berto, a Julieta Aurora Santos, a diretora do Teatro do Mar, e são os alunos dela que me desafiam a ir às aulas de expressão dramática. Disse que sim, era giro e, de repente, estou a ser convidado para representar.
E acaba em Lisboa, de novo solteiro e a colaborar no Chapitô, aos 34 anos. Sim, e é lá que conheço o César Mourão e o Ricardo Peres, um animal em palco, supergiro a trabalhar.
Os vossos improvisos no Chapitô foram um tubo de ensaio para os Commedia a La Carte?
Um tubo de ensaio maravilhoso. E depois fomos convidados para representar no Café da Ponte, em Lisboa. O Melão, dos Excesso, numa tertúlia cor-de-rosa na televisão, fala de nós. Uma equipa da SIC, com o João Patrício, foi-nos ver e, às duas da manhã, desafia-nos a irmos ao programa do José Figueiras, no dia seguinte. Fomos, fizemos um bocadinho de improvisação e o Manolo Bello chamou-nos logo: disse-nos que pagava X a cada um para começarmos a trabalhar na semana seguinte. F ***** , nunca tinha visto tanto dinheiro! Assinámos logo. O Ricardo sai, mas o Carlos e o César ficaram juntos. É verdade que vocês discutem mesmo muito?
Bué!
Mas com gritaria?
Ui, nos tempos do Café da Ponte, o César que te conte: Havia porrada! Mais ele e o Ricardo. Eu nunca briguei fisicamente com o César. Brigávamos porque o César era o certinho e nós éramos os loucos. Cheguei a ir com os copos para cima do palco. Isso, para o César, era uma doença! Ele ainda hoje é rigoroso. Ele certinho e nós os dois no deslumbramento. Copos à borla, havia dinheiro
“Eu e o César Mourão discutimos bué... Havia porrada! Brigávamos porque ele era o certinho. Cheguei a ir com os copos para cima do palco”
com fartura. Ganhávamos na televisão. O dinheiro dos bares nem chegava a casa. Ficava no W [discoteca], ficava aqui e ali. Ficava onde calhava [risos]. Quais eram os temas que evitavam? Um dos temas proibidos é o futebol. O César é fanático pelo Sporting e eu pelo Benfica. Chocamos como o caneco! O César com a idade foi ficando mais tolerante e eu mais responsável.
Foi o facto de, aos 20 anos, ter sido obrigado a assumir responsabilidades de adulto que o fez estar, aos 40, em altas loucuras e a curtir a vida?
Há um poema do José Régio que diz: ‘Eu não sei por onde vou. Sei que não vou por aí’. A minha vida é isso. O que pensei há 30 anos foi: ‘Não sei por onde vou, o que não quero é fazer mais isto.’ Não sabia se ia bater com a cabeça na parede, mas decidi arriscar. Sofri... E era fácil ter pedido dinheiro ao meu pai. Não o fez por orgulho?
Não, quem se meteu naquele aperto fui eu. Eu é que tinha de me safar. Tenho bracinhos, tenho mãos, tenho cabeça... Foi duro?
Foi muito duro, mas foi bom. Essa dureza deu-me caráter. Essas vivências da rua foram uma aprendizagem brutal. Dormiu na rua?
... Dormi em montes de sítios. Se queria tomar banho, ia aos bombeiros. Era freak, mas era limpinho. Não suportava estar a vender e ser feio, porco e mau. Essa era a minha diferença em relação ao resto da malta hippie das feiras. Sou artesão, não tenho de ser porco.
E as mulheres? Sempre foi muito apaixonado?
Sempre fui. Super. E aquela que é, é para a vida. Enquanto estou numa relação, dou tudo. Só assim faz sentido. Acabou de ficar noivo [Marisa Lopes Carvalho, 33 anos]. Pensa ser pai com ela? Não vamos, em princípio, ter filhos, pelo menos para já. Não está equacionado.
Neste momento, não. Mas se decidirmos ter, teremos. Se acontecer, terá mais motivação para batalhar aos 60 anos?
Ó meu amigo, eu sou o novo Nicolau Breyner [risadas]... ou o Júlio Isidro. Agora que trabalho com pessoas como a Maria do Céu Guerra ou a Catarina Avelar, imagino uma daquelas senhoras em casa... Não seria bom para elas. O sair de casa e trabalhar dá-lhes vida. Vê-se reformado?
Não. Duvido que me reforme algum dia. Tenho dois filhos para meter na faculdade, tenho netos e outra filha. A sorte é que vou envelhecendo e eles precisam de velhotes para filmes e novelas.