TV Guia

A GRANDE LIÇÃO DE COMO ESCREVER FICÇÃO

- POR LUÍSA JEREMIAS DIRETORA DA TV GUIA

O verão é aquela altura do ano em que habitualme­nte conseguimo­s ler mais. Há tempo para a espreguiça­deira e para o sofá, o ritmo é outro. Nesta coluna não me cabe falar sobre livros, mas posso falar de histórias. E há uma, que pode ser vista na televisão, que é uma lição de como uma produção se pode tornar fantástica quando as personagen­s são bem desenhadas.

Mas já lá vamos. Deixe-me contextual­izar tudo isto. Pouco tempo depois da estreia da novela Festa É Festa, li várias declaraçõe­s de atores da mesma afirmando – como se fosse a coisa mais normal deste mundo – que muitos diálogos das suas cenas eram os próprios que criavam. Achei curioso. Pode ser olhado como liberdade criativa, pode sim, senhor, é de louvar a vontade de melhorar a personagem e torná-la mais “real”, mas levanta questões: ou o texto não tem qualidade e tem de ser melhorado por quem o interpreta, ou não há direção de atores e cada um faz o que quer. Na verdade, isto não é problema meu, mas de quem escreve, dirige e é chamado para representa­r. Desde que o produto final resulte, tanto faz. E Festa É Festa resulta no seu jeito de comédia recheada de sketches nos quais percebemos que os atores se divertem à grande e o público acompanha a brincadeir­a concedendo boas audiências à novela. Toda a gente está feliz? Ótimo! É este o caminho? Se ninguém o questiona, também não serei eu a fazê-lo. Interessa-me outra coisa: personagen­s e como elas estão escritas. Ora é aqui que entra a produção de que comecei por falar. The White Lotus, em exibição no streaming da HBO, é uma lição de como criar boas personagen­s e com ela construir uma grande série a partir do enredo mais simples do mundo. A história da série é tão-somente esta: a vida de meia dúzia de hóspedes de um resort no Havai. Cada um tem uma história, raramente se cruzam. E a sensação é que não se passa nada. Mas passa. A estrutura de The White Lotus é quase a de uma novela, com várias histórias a serem contadas em paralelo. Mas a densidade, os diálogos, transforma­m-nas em únicas. Como num romance policial.

E é isso que faz a diferença.

Escrever ficção não é um trabalho fácil. Implica pensar, criar, fazer sentido, surpreende­r o espectador ou leitor. Não pode ser deixado “a gosto”. Senão é improvisaç­ão, é teatro do momento. Cada coisa tem o seu valor, mas não devemos viver enganados a achar que é tudo igual e tanto faz. Não é.

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