A GRANDE LIÇÃO DE COMO ESCREVER FICÇÃO
O verão é aquela altura do ano em que habitualmente conseguimos ler mais. Há tempo para a espreguiçadeira e para o sofá, o ritmo é outro. Nesta coluna não me cabe falar sobre livros, mas posso falar de histórias. E há uma, que pode ser vista na televisão, que é uma lição de como uma produção se pode tornar fantástica quando as personagens são bem desenhadas.
Mas já lá vamos. Deixe-me contextualizar tudo isto. Pouco tempo depois da estreia da novela Festa É Festa, li várias declarações de atores da mesma afirmando – como se fosse a coisa mais normal deste mundo – que muitos diálogos das suas cenas eram os próprios que criavam. Achei curioso. Pode ser olhado como liberdade criativa, pode sim, senhor, é de louvar a vontade de melhorar a personagem e torná-la mais “real”, mas levanta questões: ou o texto não tem qualidade e tem de ser melhorado por quem o interpreta, ou não há direção de atores e cada um faz o que quer. Na verdade, isto não é problema meu, mas de quem escreve, dirige e é chamado para representar. Desde que o produto final resulte, tanto faz. E Festa É Festa resulta no seu jeito de comédia recheada de sketches nos quais percebemos que os atores se divertem à grande e o público acompanha a brincadeira concedendo boas audiências à novela. Toda a gente está feliz? Ótimo! É este o caminho? Se ninguém o questiona, também não serei eu a fazê-lo. Interessa-me outra coisa: personagens e como elas estão escritas. Ora é aqui que entra a produção de que comecei por falar. The White Lotus, em exibição no streaming da HBO, é uma lição de como criar boas personagens e com ela construir uma grande série a partir do enredo mais simples do mundo. A história da série é tão-somente esta: a vida de meia dúzia de hóspedes de um resort no Havai. Cada um tem uma história, raramente se cruzam. E a sensação é que não se passa nada. Mas passa. A estrutura de The White Lotus é quase a de uma novela, com várias histórias a serem contadas em paralelo. Mas a densidade, os diálogos, transformam-nas em únicas. Como num romance policial.
E é isso que faz a diferença.
Escrever ficção não é um trabalho fácil. Implica pensar, criar, fazer sentido, surpreender o espectador ou leitor. Não pode ser deixado “a gosto”. Senão é improvisação, é teatro do momento. Cada coisa tem o seu valor, mas não devemos viver enganados a achar que é tudo igual e tanto faz. Não é.