Escreve esta semana na TV Guia O Afeganistão, as vacinas e a MENTIRA
Cabul é há mais de 30 anos um cemitério da hipocrisia ocidental. A conveniência de apoiar talibãs junto à fronteira da URSS, no contexto da Guerra Fria, prova-nos como a memória é sentinela da razão. E que o destino estava traçado. E foi sempre uma mentira. O apoio era conveniente. A invasão e a declaração dos talibãs como inimigos, em 2001, era conveniente. A retirada, humilhante e a lembrar Saigão, é também uma questão de conveniência. Não serve isto para desculpar os radicais que agora governam o país, que é um dos maiores exportadores de droga no mundo. São o profundo fundo da civilização. Nem sequer para incensar a Rússia ou a China, os únicos rivais dos EUA na cena global. Por lá, a democracia é um amanhã que nunca será cantado. E isso basta para que os rejeitemos. Mas o Ocidente, que deu novas vidas ao Mundo e novos ventos à História, vive anestesiado na conveniência da mentira, como frontispício da sociedade 2.0. Quando ouço um americano falar das jovens e mulheres afegãs, agora iluminadas pela idade das Trevas, só tenho uma resposta: Arábia Saudita, o grande aliado norte-americano. A hora da diplomacia, a real politik como bússola, a pós-verdade na comunicação pública ou o negacionismo na ciência e nas vacinas têm um nome: mentira. Mentira que cresce pela (má) educação e se alimenta da ignorância. Que faz com que em Cabul ou em Lisboa se criem pequenos exércitos capazes de chamar assassino ao almirante que vacinou o País, capazes de já começarem a falar da necessidade de estancar a vaga de refugiados afegãos que vai inundar a Europa. É a vacina que faz mais falta. A que inocula contra a mentira que nos inunda todos os dias. É, também por isto, que o jornalismo é urgente e imprescindível. A janela de esperança é o combate permanente. Contra a mentira. Contra todas as formas de mentira. No fim do mundo, no meio da rua ou na mesa do lado.