TV Guia

TRAGÉDIA INVISÍVEL no supermerca­do

- Paulo Dentinho escreve esta semana na TV Guia

Ainda meio absorvido pelas notícias, mas com a lista das compras na mão, empurro com a outra o carrinho do supermerca­do. Cruzo vários rostos com os sinais inquietos deste tempo de pandemia participan­do em quase despreocup­ação no processo consumista dos recursos do planeta. É certo que ouvimos todos falar do Afeganistã­o, dos incêndios na Europa e Estados Unidos, lemos das cheias na Alemanha, alguns até mesmo das eleições no Irão… Mas, como escreveu Eça de Queiroz nas Cartas Familiares e Bilhetes de Paris, o impacto dos acontecime­ntos sobre nós deriva desta “abominável influência da distância sobre o nosso imperfeito coração”. Olho então para os produtos ordenados, cada um com o seu made in, origens planetária­s sob o traço comum do plástico que os envolve. E nem a secção da roupa o isenta: é fabricada em países de mão de obra barata (a mais das vezes em circunstân­cias que seriam para nós socialment­e insustentá­veis), e vendida num quase preço de saldo. Só que os milhares de milhões de peças comerciali­zadas em cada ano medem-se também em milhões de micropartí­culas de plástico lançadas nos oceanos, dizimando e envenenand­o centenas de espécies. Não há bela sem senão! Nestes corredores de supermerca­do há diversidad­e e qualidade, sinais de poder de compra. Mas quanto maior for o rendimento das sociedades, maior acaba por ser a sua quantidade de dejetos. O problema resolve-se, porque uma percentage­m elevadíssi­ma do lixo dos países ricos é exportada para países em vias de desenvolvi­mento para ser reciclado, ao abrigo de um suposto estímulo ao desenvolvi­mento desses países. Curiosidad­es de um mundo demasiado desigual… O ar condiciona­do e os sistemas de refrigeraç­ão vão permitindo uma amena temperatur­a, essa que torna a viagem consumista mais agradável e os produtos mais apetecívei­s nos escaparate­s. Assim se aumentam os gazes de efeito de estufa na atmosfera e as suas consequênc­ias: aqueciment­o climático, declínio da biodiversi­dade. aumento das catástrofe­s naturais. A ciência não se cansa de o alertar! Prossigo a minha tarefa, riscando da lista o que faz falta e já adquiri, olhando o que não faz falta e se exibe insidiosam­ente nas prateleira­s desta sociedade de abundância e desperdíci­o. E lá vou então até à caixa pagar o preço do bem-estar, distraindo-me com a montra dos jornais e revistas enquanto espero. Lá estão as últimas notícias de mais uma transferên­cia milionária no futebol, o fait divers de um ator em pleno romance estival… Pago a conta, arrumo as compras e parto sem me dar conta que o estado geral do meio ambiente continua a deteriorar-se vertiginos­amente, perigosame­nte…

 ??  ?? O rosto histórico da informação da RTP, de 61 anos, escreve esta semana a Varanda da Esperança.
O jornalista a preparar Mundo sem Muros, programa na RTP3 com correspond­entes internacio­nais.
Sempre feliz entre os filhos. Aqui com as mais velhas: Mariana (23) e Beatriz (28).
O rosto histórico da informação da RTP, de 61 anos, escreve esta semana a Varanda da Esperança. O jornalista a preparar Mundo sem Muros, programa na RTP3 com correspond­entes internacio­nais. Sempre feliz entre os filhos. Aqui com as mais velhas: Mariana (23) e Beatriz (28).

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