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“Preciso de viver APAIXONADO”

Em entrevista única, com confissões de cortar a respiração, o compositor e “pai” das Doce, a mais famosa girlsband portuguesa de sempre, conta tudo: os casos com as meninas de Bem Bom; a razão para consumir drogas ao lado de José Cid e porque traiu a mulh

- TEXTO JOÃO BÉNARD GARCIA | FOTOS LILIANA PEREIRA

Qual foi a sensação de ver o Eduardo Breda representa­r a sua personagem no filme Bem Bom? Senti que está super parecido comigo. Conversámo­s antes, disse-lhe que tinha de estar sempre a fumar. Naquela altura fumava três maços por dia. Agora nem um. Naquela época ninguém me apanhava sem um cigarro na mão. Dei-lhe pistas e quando o vi no filme pensei: Este podia ser eu com 27 anos. A sensação foi excelente. Fiquei espantado com o trabalho dele e com o das quatro atrizes. Revê-se na história do filme? Revejo-me na interpreta­ção do Eduardo, não tanto nos diálogos, que são irreproduz­íveis. Há um guião, com umas falas, e quem vê o filme pensa ter sido assim, mas não foi.

Ai não? Mas já afirmou que o filme é 90% de realidade e 10% de ficção. Afinal não é assim?

É, mas só em termos da história delas. Os diálogos são mais complicado­s. Por exemplo, a forma como me dirigia a elas era quase como se fosse o irmão mais velho. Falávamos muito à vontade. Ali no filme há o editor de um lado e as artistas do outro. E não era nada assim. Para o filme compreendo ser importante passar aquela imagem.

Sentiu paixão por alguma delas? Houve atração física? Envolvimen­to sexual? É pá, era inevitável haver atração. Elas eram muito bonitas. Não vou negar. Houve romances?

Ó pá, houve... amizades coloridas, chamemos-lhe assim (risos). Privei de muito perto com elas, muitas semanas, fora de casa. Passaram-se coisas. Ficam entre nós, não são para se contar. Vi uma foto sua numa praia, a tocar viola, com a Lena Coelho deitada no seu colo, com muita cumplicida­de...

(Sorri) Sim, foram momentos bonitos... Ao longo da sua carreira teve outros momentos bonitos: gravou a sua primeira canção com 17 anos. Estreou-se no Festival da Canção em 1972...

Sim, fui cantar sozinho o tema Se Quiseres Ouvir Cantar . Se tivesse uma parede, para dar umas cabeçadas, tinha-as dado, antes de subir ao palco. Então, entrou em pânico?

Tremia por todos os lados. E lembro-me de estar em cima do palco com os pensamento­s a correr: ‘Não me posso esquecer da letra’; ‘Não posso desafinar’;‘Não sei onde meter as mãos’, sem uma viola a que me agarrar, só eu e microfone. Depois achei que toda a gente

viu os meus joelhos a tremer. Já fui ver as imagens da RTP e não se vê nada. É giro porque o Tozé faz parte de uma geração que começou a fazer as coisas na tarimba. Sem dicas ou formação. Sem dicas nenhumas. Sou um autodidata. Aprendi piano dois anos, deu-me as bases. Passei para a viola porque não podia levar o piano para tocar com os amigos e com as namoradas. E naquela idade a gente tocava só para namorar. Uma viola nas mãos de um adolescent­e é uma arma de engate?

Claro, e todos queríamos ser músicos para termos mais namoradas. O resto é conversa. Uma viola é mais portátil. Com o piano tinha que levar as namoradas para casa e os meus pais não iam achar graça alguma (risos).

Uma viola nas mãos também é uma defesa contra os medos? Completame­nte. Com uma viola nas mãos, quando entras em palco, estás pronto e já és uma estrela. Tiram-te a viola e não sabes o que fazer com elas. Começou a tocar e a sentir a necessidad­e de passar vivências e conversas para o formato canções?

Isto é tudo por osmose. Quem eram os meus heróis? Os Beatles e os Rolling Stones, cada banda no seu género. Ora, eles escreviam as canções e eram um sucesso. Foi graças a eles que me obriguei a escrever. Nem sempre é um prazer. As primeiras vezes foram uma tortura. Não tinha noção do que estava a fazer. Tateava. Com o tempo foi inteligent­e e não se ficou apenas por só cantar. Compôs, produziu, caçou talentos... Vamos ser honestos: Sempre tive a noção de que nunca fui um grande cantor. Não tenho uma grande voz... Tocaste no ponto certo! Dispersei-me e atirei-me borda fora porque percebi cedo que, como cantor, não teria grande carreira. Nunca seria um cantor de massas.

Mas tem uma voz peculiar.

Tenho uma voz pequena. Tenho um timbre que é só meu. As pessoas ouvem e dizem que é o Tozé. Como dizem do timbre do Jorge Palma, do José Cid ou o do Sérgio Godinho. Ter uma caracterís­tica é bom, depois cantar bem é outra coisa. Cantar bem é o Paulo de Carvalho ou o Carlos do Carmo, e outros que são bons. É a diferença entre técnica e alma. Exatamente. E eu, não tendo grande garganta, agarro-me à alma (risos). E queria ser artista e escrever canções.

Queria era dar prazer às pessoas com as minhas canções. Nem pensava, sequer, em vender muitos discos.

Não? Mesmo quando passou a ter responsabi­lidades nas editoras?

Ah, aí enganei-me muitas vezes. Muitas mesmo. Pensei que algumas músicas iam ser um estouro e não davam nada. Outras, banais para mim, vendiam 200 ou 300 mil cópias. O meu critério musical foi sempre o do prazer.

E o prazer supremo chamou-se Doce? É pá, conseguiu-se a receita completa: quatro mulheres que cantavam bem, lindíssima­s, bem vestidas pelo costureiro José Carlos e com boas canções. Escrevi muitas delas, não todas.

Pensou que seriam o fenómeno que foi? Pensei. Foi das poucas vezes em que não me enganei.

Como lhe surgiu a ideia das Doce? As Doce eram quatro mulheres que só pensavam em cantar. Conheci a Lena Coelho, que tinha passado pelas Cocktail, depois surgiu a Laura Diogo, que era loira. É pá, esteticame­nte precisávam­os de uma loira. Tínhamos a ruiva que era a Teresa. Uma morena bem morena que era a Lena…

Faltava uma loira. Havia quem dissesse que a Laura não cantava, só era Miss. Cantava pois. Cantava era menos. E até era bem afinadinha.

Ainda se lembra do dia em que teve a ideia das Doce? É que criou o conceito sem ter uma referência internacio­nal. Não havia nada igual. Lembro que quis ter quatro mulheres completame­nte diferentes. Todas bonitas, cada uma com a sua cor de cabelo e tom de pele. Com quatro vozes boas, seguras e timbres idênticos. Vestidas por um homem que as soubesse vestir e despir q.b., com um visual nunca antes visto em Portugal, com brilhos e lantejoula­s. A cantar uma pop leve, canções de amor, temas fáceis. O Bem Bom, por exemplo, é uma brincadeir­a que funciona. A simplicida­de era um segredo e o segredo estava no visual e nos temas alegres.

As Doce foram a sua melhor receita? Foram, em termos de projeto pop de raiz. Com os ingredient­es que juntei, saiu dali um ‘ganda’ prato.

As Doce foram então um ‘ganda’ prato! Foram. Num projeto culinário, se comparável, seriam um banquete de luxo. Vamos recuar uns anos. Na altura do Quarteto 1111, anos 70, aquilo era a

“Em termos de projeto pop de raiz, com os ingredient­es que juntei, as Doce eram um ‘ganda’ prato. Se comparável, seriam um banquete de luxo”

loucura. As pessoas adoravam-vos. Adoravam, mas fiz muita asneira. Ai sim, de que género, conte-nos lá.

Fiz tudo o que podia fazer e a que tinha direito. Experiment­ei tudo: Estupefaci­entes, drogas populares naquela época. Era quase impossível seres músico em 1970, 1971, teres 20 anos e não experiment­ares. Tinhas de saber o que eram LSD, o que eram ácidos.

Fazia parte da rebeldia?

Não fazíamos aquilo para sermos rebeldes. Consumíamo­s para ver que efeito dava. É fácil alguém dizer-te: ‘Toma um LSD, isto é alucinogén­ico e vais ver vacas a voar’. E tu dizes: ‘Então dá cá’. E depois não vês vacas nenhumas. Podes é ter uma trip péssima.

Teve alguma má experiênci­a, algum momento de aperto?

Fiz experiênci­as de várias ordens e não me interessa estar aqui a fazer propaganda de uma coisa que hoje condeno. É preciso dizer que fiz essas experiênci­as no momento em que tinha que as fazer. Fi-las para conhecer, para perceber o que era. Quando me diziam que os Beatles gravaram o Lucy In The Sky With Diamonds do álbum Sargent Pepper e que a música são as iniciais de LSD, a gente escutava as letras e aquilo tinha laivos da tal loucura controlada de trip e queríamos perceber. E fomos à procura. Tive boas e más experiênci­as. Então o que aconteceu?

Uma pequena dor de estômago transformo­u-se numa paranoia e passei-me. Pedi que me levassem ao hospital, mas não convinha ir, não naquele estado. Bebi litros e litros de leite para cortar e fazer parede no estômago. Percebi que aquilo me estava a destruir. Tive amigos músicos que morreram. Felizmente não sei o que é heroína ou o que é uma seringa e nem quero saber. Fui até onde achei que podia ir, dentro do razoável. O meu amor à vida era superior ao amor por uma alucinação criativa.

Foi o facto de estarem em grupo que vos fez ter essas experiênci­as. Sozinho não teria tido coragem?

Sozinho nunca. Nem com erva, com haxixe, com charros. Fi-lo no contexto de grupo e no contexto musical. Aquilo para mim eram experiênci­as que fazia para perceber musicalmen­te em que me podia transforma­r. Se ia escrever melhor ou pior; se ia tocar com mais alegria e aos saltos em palco; se ia ficar tão louco que me ia despir e tentar tirar as calças pelo pescoço.

Chegou a ter alguma trip que lhe desse o momento realmente criativo e produtivo que tanto desejava?

Não. Nada. Senti foi uma euforia gigante em cima do palco. Com a cocaína

fumada a euforia é tremenda. Achei sempre que snifar cocaína era forte demais e fumando controlava melhor. A partir do momento em que snifas uma linha de coca já não controlas nada, já foste. Com um cigarro de cocaína na mão dás duas passas, bate-te e páras. Mas vocês, Quarteto 1111, perceberam que esse não era o caminho. Percebemos e posso-te dizer que, em termos de escrita, não melhorou nada. A tocar só piorou. O José Cid chegou a ameaçar correr comigo do grupo. Só dávamos baldas, só notas ao lado. Estávamos eufóricos, divertidos a olhar lá para baixo, a ver o público com luzes na cabeça, porcos a voar, coisas do outro mundo. Tocava por instinto e as mãos ou iam lá ou na maioria das vezes já não iam.

O José Cid alinhou nessas experiênci­as? Nunca! Zero! O Zé era terrível. Ele era formado em Educação Física, um atleta a sério. Um tipo super saudável. Uma vez, numa discoteca em Albufeira, no verão de 71, no dia dos meus anos, a 25 de agosto, a coisa correu tão mal que o Zé parou tudo e ameaçou que ou aquilo acabava ou não havia mais concerto. Lembro-me de ter tido a perceção de que tinha que parar. Fui ao médico a seguir e pedi-lhe que me curasse. Estava com o sistema nervoso abalado e com mazelas físicas. Foi assim que me curei. O José Cid ficou um amigo para toda a vida e até no campo amoroso vocês se igualam. Ele casou aos 70 e tal com a Gabriela Carrascalã­o, o Tozé tem 70 e está com a Inês Meneses há quatro anos. Ele influencio­u-o?

Não, o Zé casou com a Gabriela muito antes. A minha história de amor com a Inês é diferente e mais recente. Estava casado quando conheceu a Inês? Estava… Ao longo dos anos em que estive casado, saí de casa mais de duas vezes e voltei. Se tivesse encontrado uma pessoa como a Inês já teria saído de casa em definitivo há muito mais tempo. Teve outros casos durante o casamento.

Assumo: Tive pessoas de quem gostei... E achou mais honesto sair do que ter uma vida dupla.

Vou ser absolutame­nte honesto... Comecei por viver uma vida dupla. Nunca senti orgulho nisso e não o digo de forma ligeira. Tive sentimento­s de culpa fortes durante anos. Cheguei a uma altura em que já não aguentava e saí. Não quero que as pessoas me acusem de mentir. Vivi vidas duplas porque não estava feliz. Não me sentia preenchido.

No meio artístico, ao longo dos anos, foi assediado e teve casos, certo?!

Tive e assumi-os aqui no início desta entrevista. Hoje não tenho. Cortem-me a cabeça se me apanharem a mentir. Não tenho porque sou feliz com a Inês. Os casos têm-se quando não estamos felizes. A minha primeira mulher é uma pessoa espantosa, uma mãe e uma avó incrível. Só que sempre tivemos um problema de base… Nunca falei isto numa entrevista. Casei em Inglaterra com uma pessoa de quem gostava muito, mas que, culturalme­nte, não tinha nada a ver comigo. Quando regresso a Portugal, os livros que lia ela não lia. As notícias que eu ouvia ela não via porque queria ver a novela. A música que eu gostava ela não a queria ouvir. Só tínhamos em comum família, paz e sossego. Mas eu não vivia apaixonado. E eu preciso de viver apaixonado. Vivo! 

“A partir do momento em que snifas uma linha de coca já não controlas nada, já foste. Com um cigarro de cocaína na mão dás duas passas, bate-te e páras”

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 ??  ?? Aos 66 anos apaixonou-se pela radialista Inês Meneses e deixou mais de 40 anos de casamento por ela. À TV Guia revela tudo: que traiu várias vezes a ex-mulher e como era infeliz.
Aos 66 anos apaixonou-se pela radialista Inês Meneses e deixou mais de 40 anos de casamento por ela. À TV Guia revela tudo: que traiu várias vezes a ex-mulher e como era infeliz.
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Houve atração física e sexual com alguma das Doce? Tozé responde, sem pruridos: “Era inevitável. Elas eram muito bonitas. Houve... amizades coloridas... Não vou negar.”
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Drogas no Quarteto 1111: “Consumimos LSD e cocaína para ver que efeito dava” enquanto “experiênci­a criativa musical.”

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