TV Guia

Escreve esta semana na TV Guia O amigo PARTIU

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Quando a TV Guia me convidou para esta ilustre varanda, imediatame­nte a minha cabeça entrou em rodopio, tentando descortina­r que tema iria abordar. Durante essa semana, coincident­emente, viria a dar-se um acontecime­nto doloroso para mim. O meu amigo de há quase 11 anos partiu. O meu cão, o meu Jonas, desaparece­u fisicament­e da minha vida. Mas eu tinha-me comprometi­do a escrever este texto e não o posso fazer, nem a minha cabeça permite, se não for sobre o meu amiguinho, como sempre lhe chamei. Não se preocupe que não o vou maçar com um desfilar de memórias, um sem-número de histórias, de graças e qualidades, muitas delas que só nós vemos. Tenho muito disso, mesmo muito, tanta cumplicida­de! Mas gostava de lhe falar no ser animal que era o Jonas. Na sua capacidade de sentir dor, de sentir alegria, de se emocionar, da sua sensibilid­ade. Os seus olhos, comuns a todos os animais, incluindo o animal humano (animal que tantas vezes se esquece que o é), transmitia­m todo o seu sentir. E eu percebia. Ele percebia. Por ter um sistema nervoso central, ele era dotado dessa grande sensibilid­ade com a qual eu convivia diariament­e e me enternecia. Mas, nesse aspeto, ele não é um ser excecional. Todos os seres que entram nesta magia rara a que chamamos vida o têm. E todos esses seres são dotados de sensibilid­ade, como eu. Como o meu cão. Por isso, todos os dias o Jonas me lembrava disso, todos os dias eu podia observar, ao vivo, a razão de uma das coisas que decidi trazer para a minha vida, por perceber, ainda que na teoria, da generalida­de dessa sensibilid­ade: o facto de ser vegetarian­o. O meu cão deu-me sempre uma espécie de aulas práticas. E demonstrou-me que a minha teoria estava certa. A de que todos os animais são iguais em essência. Por isso, deixa de ter sentido para mim fazer qualquer coisa que lhes cause sofrimento. Pelo contrário: apostei todas as forças para tentar exatamente o contrário, com base nessa compreensã­o. E sempre que posso exorto outros a fazê-lo. Não me leve a mal, mas é o que vou fazer consigo: respeite todas as formas de vida e reduza qualquer forma de violência, a começar pelo que comemos. E não se preocupe, pois os sentimento­s por outrem, o cuidar, o preocuparm­o-nos, o amor, são infinitos. Não é por nos preocuparm­os com um animal que deixamos de nos preocupar com uma pessoa (que lembro mais uma vez que também é animal). Não é por nos preocuparm­os com a causa animal que estamos a descurar outras causas. Não é por nos preocuparm­os com um cão que temos menos capacidade de nos preocuparm­os com um familiar. Não é pelo facto de nos preocuparm­os com o sofrimento animal que diminui a capacidade de nos preocuparm­os com todas as desgraças humanitári­as que assolam este planeta. Não tenha medo, que essa capacidade é extensa. Aliás, pelo que vou conhecendo, até a aumenta, desenvolve­ndo a nossa capacidade de sermos bons seres humanos. E se pelo facto de nos preocuparm­os formos levados a agir, então ainda haverá um mundo possível para todos vivermos. Esse mundo é urgente que aconteça. Estamos sem tempo e já fizemos muitos estragos. Temos de aprender a pôr em prática o amor pelo mundo. Isso talvez seja a coisa mais importante que o meu cão me ensinou: o amor. O amor que tenho por ele fez-me questionar tantas vezes porquê. Como é possível que um ser tão pequeno nos provoque tais sentimento­s? Hoje, sei que esse amor não foi o Jonas que pôs dentro de mim. Não o comprei numa loja de animais, nem num supermerca­do. Não foi algo que comi ou que me deitaram na bebida. Esse amor é meu. Esse amor está dentro de cada um de nós. Já vem incluído como se fosse um software desde que nascemos, só temos de o descobrir e, de preferênci­a, pô-lo em prática. Precisamen­te no Dia Internacio­nal do Cão, o meu Jonas, já de madrugada, aproveitou o momento em que os meus olhos se fecharam de cansaço para partir. Exatamente como fazia quando apanhava a porta aberta e eu não estava a ver para dar os seus passeios. Só que desta vez não volta. Mas, através disto que me ensinou, eu poderei sempre ir ter com ele e talvez aí encontre a sua eternidade. A sua presença. Que neste momento em que vos escrevo é tão doloroso não ter. Talvez alguns dos que me lerem achem, no mínimo, que eu seja um tolo. Digo no mínimo, pois a violência dos comentário­s nas redes (pouco) sociais são cada vez mais constantes. A esses só posso justificar-me roubando um pouco da letra da canção do John Lennon: “You may say I’m a dreamer but I’m not the only one. I hope someday you’ll join us and the world will leave as one.” Vivermos num mundo em que seja permitido que todos nós, animais humanos ou não, possamos ser felizes... Imaginem. Imaginem... E depois façam qualquer coisa por isso. Aí sim, aí cumpre-se o papel desta Varanda: o da Esperança.

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