TV Guia

“PEDIAM-ME POLE´MICAS. É assim que funciona”

- TEXTO JOÃO BÉNARD GARCIA | FOTOS VÍTOR MOTA

Sai da TVI ao fim de 24 anos de colaboraçã­o e revela tudo o que se passou no episódio em que atacou “as bichas desocupada­s” e disse ter “vergonha da marcha gay”. Desvenda pormenores da relação de amizade com Cristina Ferreira, confessa ter sentido uma paixão por uma colega aos 15 anos e conta como os pais o fizeram assumir a homossexua­lidade

Fazia ideia de que as declaraçõe­s no Extra do Big Brother (BB) iam ser tão polémicas? Sabia. Aliás, publiquei antes no Facebook. Iam, porque sei o País onde vivemos. Estou muito atento à nossa realidade. Estava então consciente de que iam ter impacto? Estava, era isso que a direção sempre nos pedia. Pediam-lhe polémicas? Sim, aliás, numa das edições anteriores, uma das grandes zangas que tive com a produção foi quando pediram polémicas que achei que eram exageradas.

Em relação a quê?

Ao que se comenta, ao que se fala... Está a falar de um caso em específico ou de forma generaliza­da?

Estou a falar do editor. Os casos são vários. O programa vive de polémicas! Então como é? A produção chama-vos e diz que precisa de polémicas, é isso? Estamos para começar o programa, vem o editor cá abaixo e diz: ‘Peguem-se uns com os outros sobre...’ É assim que se funciona no BB, não sabia?

Não sei, o Joaquim é que estava lá. Peço-lhe que nos conte.

E tenho muito gosto em contar-lhe. E sabe porquê? Sou polémico e estou vivo! E espero que por muito tempo.

Ou seja, há manipulaçã­o no BB?

Há, é um jogo! Que se vai fazendo e os que o sabem fazer estão lá a controlar. E o Joaquim era convidado para fazer comentário­s porque a TVI sabia, à partida, que ia gerar polémica.

Claro! Se não fosse assim, não estava lá. Fui polémico na TVI durante 24 anos.

Esclareça-nos: é a produção que vos pede polémicas e que se peguem uns com os outros?

Era tão difícil zangarmo-nos...

Então porque é que a Pipoca vem agora dizer que tem de se ter “filtro”? Ela, tal como o Joaquim, já terá recebido pedidos para ser polémica.

Sabe que li essa declaração da Pipoca (Ana Garcia Martins) e cada pessoa tem uma interpreta­ção. A minha leitura do que ela está a dizer é: ‘Isto é o nosso trabalho, mas temos medo de o fazer’. Está a falar dela, não de mim. Os filtros de que fala são os medos dela. Portanto, até a Pipoca tem medo!

Mas ela é um dos comentador­es com menos filtros e que mais gera polémicas. Por isso é que está lá. Ela só tem falta de filtro e tem muita graça!

E depois há uns comentador­es mornos. Pois há, mas esses custam menos dinheiro e é mais fácil pô-los lá.

É tudo uma questão de dinheiro? Os polémicos fazem mais barulho e são os mais caros?

Sim. Não recebemos todos o mesmo valor. Nós, os caros, temos mais dinheiro para gastar em advogados [risos]. E sabe quanto recebem os outros?

Por acaso, na sequência desta polémica, acabei por saber quanto recebem duas pessoas. Mas não lhe vou dizer.

Quanto é que o Joaquim recebia? Recebia bem...

Milhares de euros?

Não eram milhares, mas eu era bem pago. E só lá ia duas horas por semana. Soube por um blogue que tinha sido dispensado da TVI?

Soube, mas isso é a falta de educação de alguns elementos da administra­ção que estão lá agora.

Mas confirmou a informação? Confirmei. Quando saio para almoçar, fui ver as mensagens clássicas, não as do WhatsApp, e vejo uma mensagem da famosa Lurdes Guerreiro [diretora de Produção Nacional da TVI] a dizer: ‘Quintino, que horror. A Cristina está muito triste consigo’… Quer ver? Quero! [Pega no telemóvel e lê] ‘Ontem, no Extra, fez declaraçõe­s graves e a Cristina está muito triste e foi obrigada a tomar uma posição, vai ligar para si. A TVI vai emitir um comunicado a informar que não se revê nas suas afirmações. Não o podemos ter como comentador do BB já a partir de hoje. Muito obrigada. Desculpe ser por mensagem, mas tentei ligar e estava desligado’.

E o que fez?

Como não sou de meias-palavras, o que faz numa altura destas um homem que não tem medo da vida? O meu avô ensinou-me que quem não tem coragem não é cidadão. Peguei no telefone e liguei-lhe. Disse-lhe que emitir um comunicado é um direito da TVI. Que me tivessem dispensado não questiono. Que não me digam antes é que não aceito. Depois, teve uma conversa com a Cristina. Já sei que não vai revelar...

Não, e por uma única questão: no início, ela disse-me que estava bastante triste que não me tivessem dito antes de emitirem o comunicado e a nossa conversa sobre este assunto para aqui. O resto da conversa foi sobre coisas pessoais. Percebi também que não fui dispensado por causa da questão da homofobia...

Ai, não, então foi porquê?

Primeiro porque não há ali nenhuma homofobia, como lhe posso demonstrar. Comecei a ser afastado da TVI há mais de ano e meio. Foi na altura em que o Governo do António Costa deu mais de três milhões de euros à TVI e eu faço críticas duríssimas ao ministro da Administra­ção Interna. Hoje, toda a gente critica o ministro Eduardo Cabrita, mas, na altura, ninguém falava mal do senhor. Acha que essa foi uma das razões para o seu afastament­o?

Alguém na TVI teve medo. ‘Ai, ai, ai, que isto é demais!’ E impediram-me de falar, num momento em que os pais ficam impedidos de deixar os filhos na escola e de dar orientaçõe­s aos pais sobre como fazer num momento complexo. A estação que, ao dia 28 de cada mês me pagava, não me deixou ir à antena falar. Foi censurado, é isso?

Fui, durante dois meses. E, no fim destes, disse que não ficava num sítio a receber sem trabalhar. A minha vida não é a TV. Despedi-me!

Quando?

No final de abril de 2020. Em maio, já não trabalhei.

Isso nunca foi tornado público. Nunca, nem podia ser. O próprio Manuel Luís Goucha só soube a seguir. Não tinha que o incomodar. Ele, durante um ano e meio, teve uma paciência para aturar as confusões que ali me faziam dentro. Foi um senhor!

É verdade que a Cristina insistiu consigo para o levar para a SIC?

Não, não. Fomos almoçar. Comemos um delicioso arroz de pato [risos]... Sabe, a minha relação com a Cristina é muito fora das televisões, ao contrário que eventualme­nte se possa pensar. Comemos um delicioso arroz de pato, que ambos apreciamos, conversámo­s e achámos, por várias questões, que era na TVI que eu ia ficar. Tenho muita cumplicida­de com a Cristina, não a tenho com o Manuel Luís Goucha, mas admiro-o muitíssimo – e se o Manuel Luís tivesse saído, ficava com a Cristina. Se a Cristina tivesse saído, como saiu, eu ficava com o Manuel Luís.

“No início [da conversa], a Cristina Ferreira disse-me que estava bastante triste que não me tivessem dito antes de emitirem o comunicado ”

Mas nesse arroz de pato ela pediu-lhe que fosse com ela?

Não, nem deu tempo. Dei-lhe os parabéns. Disse-lhe que gosto de gente com iniciativa e que ficava com o Manuel. Ela disse-me: ‘Fico muito feliz!’. E depois disso, voltou a comer arroz de pato com a Cristina?

Sim, comemos muitas vezes. Lanchámos muitas vezes em casa dela durante o período em que esteve na SIC. Sempre que, no Facebook, partilhei imagens de um cozido à portuguesa ou de um arroz doce foi a dona Filomena que os cozinhou. Sempre achei que seria provocatór­io dizer de quem eram os pratos. Falou com a Cristina no dia da sua dispensa à noite.

Sim, às 8 da noite.

Quem é que ligou?

A Cristina. Sabe que os amigos fazem isso. E como também penso que é assim que se faz nestas alturas, porque não sabemos quanto é que o outro está a sofrer, abrimos-lhe o espaço para falar, mas não o levamos para uma conversa que pode ser dolorosa. Ela fez essa referência e a conversa seguiu outro rumo. Sentiu que, para ela, foi doloroso? Senti. Aliás, já falámos depois disso. Percebi que foi algo que a deixou triste. Então quando a Cristina regressa à TVI, no verão de 2020, o Joaquim está afastado. O que se passou então?

Ela chamou-me em agosto, tive uma reunião com ela e com o João Patrício, com uma proposta de uma coisa giríssima, e ela começa a sentir dificuldad­e em implementa­r essa proposta...

Mas há quem diga que ela é muito poderosa. Que é ela quem decide tudo...

Ela é toda poderosa, mas aquilo foi difícil de implementa­r. Como estava fora de antena, propôs-me entretanto fazer comentário­s de BB. Devo dizer que já tínhamos concluído que nem eu queria nem ela achava bem eu voltar ao BB. Porquê?

É desgastant­e estar para começar uma emissão e vir o editor dizer para nos pegarmos uns com os outros porque as audiências estão baixas.

Ou seja, dizer coisas sem controlo na sequência de provocaçõe­s dos colegas. Sabe que os fofinhos que se criticam lá dentro também são os fofinhos que se criticam cá fora. Para sermos fofinhos. O programa vive disso. Fui, enquanto não começava o novo projeto.

Era o quê? Um programa novo?

Não, era um espaço largo dentro de outro programa. Era de orientação para pais, como lidar com problemas com filhos. No fundo, o meu trabalho. Não acontecia nada e despedi-me de novo. E agora, à terceira, foi de vez. Saiu, em

purrado pela polémica...

É verdade. Aproveitou-se o burburinho que se fez durante a noite dos ‘twiteiros’, gente desocupada. Há muita gente desocupada neste País.

Não são só ‘as bichas’, como referiu no Extra?

É verdade, não são só ‘as bichas’. Há muita gente raivosa?

Também, também. Essas são ‘as bichas’ raivosas. Há ‘as bichas’ desocupada­s, ‘as bichas’ raivosas, as frustradas… As solitárias?

Ui, essas então são muito incomodati­vas. Só tenho pena das ‘bichas’ mentirosas, porque não assumem a sua homossexua­lidade. Em Portugal, só existe homofobia na cabeça dos homossexua­is. Este episódio foi a oportunida­de de ouro da TVI para me despachar de vez. Jura que nunca participou numa Marcha de Orgulho Gay?

Nunca! Aquilo sempre me envergonho­u. Nos anos 90, frequentav­a o Bric, o Tatu, havia o Finalmente mas era mais para vermos o show. Ia ao Trumps, que ainda não era discoteca gay, apenas friendly , e estava aberto até mais tarde. Quando surge a marcha gay, os meus amigos diziam que os afligia que a família os visse num telejornal a comportare­m-se daquela maneira. Sabe que nós, os homossexua­is, não somos todos iguais. O Joaquim assumiu-se com que idade? Não me assumi. Foram os meus pais que tiveram uma conversa comigo quando tinha 18 anos. Apercebera­m-se que tinha um namorado porque bebi água do copo dele. Eu nunca bebia do copo de alguém e os meus pais perceberam que éramos íntimos. Tiveram uma conversa comigo e disseram-me que iam ficar tristes se tivesse vergonha de mim próprio. Que isso significav­a que tinham falhado na minha educação. Sou filho e neto de pessoas com mente aberta. Isto deu-me uma liberdade que os meus amigos não tinham. Simulavam ter namoradas, saíam à noite escondidos. Acompanhei o sofrimento de alguns. Também sofreu até aos 18 anos? Não, nunca me incomodou. Primeiro, tive dois anos uma paixoneta por uma colega de turma. Com 15, 16 anos só queria olhar para ela... Por uma rapariga? Sim, sabe que estas coisas são muito relativas. Achei que não ia dar nada, porque era tão bonita e eu era o gordinho da sala. Depois, achei graça a um rapaz e logo a seguir comecei a namorar outro. Nessa fase de sair à noite, trocava de parceiro com facilidade?

Não. Tenho uma diferença em relação a outros homossexua­is...

É que falou em promiscuid­ade sexual e ela existia à sua volta na noite? Existia, e era muito marcada até o homossexua­l falar da sua orientação dentro da família. Quando faz a revelação e estabelece um vínculo emocional, perde essa promiscuid­ade. Vê-se a casar com um homem?

Sim, claro, porque não? Não tenho nada contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Se encontrar a pessoa certa, não vejo por que não.

E é homofóbico, como o acusam?

Não, nada. Não tenho admiração por pessoas desocupada­s. Pessoas sérias não se incomodara­m com isto. ‘Bichas’ desocupada­s agitaram-se. A TVI não me quis ali e fez pressão sobre a Cristina.

O facto de ser homossexua­l acirra mais estes ataques?

Por mais que diga há 500 anos que sou homossexua­l, a maioria das pessoas só descobriu agora.

Mas os haters também acharam que estava a atacar o Bruno.

O Bruno não foi à Assembleia defender nenhuma causa. Não é deputado e, coitado, acha que mudou a lei. É narcisista, está cheio de si e difama a DGS, que faz um trabalho precioso para salvar vidas. Foi só isso que me irritou. 

“Vê-se a casar-se com um homem? Sim, porque não? Não tenho nada contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Se encontrar a pessoa certa...”

 ?? ??
 ?? ?? Aos 54 anos, o psicólogo põe o dedo na ferida: “O editor do Big Brother vinha cá abaixo e dizia: ‘Peguem-se uns com os outros sobre…’
Aos 54 anos, o psicólogo põe o dedo na ferida: “O editor do Big Brother vinha cá abaixo e dizia: ‘Peguem-se uns com os outros sobre…’
 ?? ?? “O Manuel Luís Goucha, durante um ano e meio, teve uma paciência para aturar as confusões que ali me faziam dentro. Foi um senhor!”, conta o psicólogo.
“O Manuel Luís Goucha, durante um ano e meio, teve uma paciência para aturar as confusões que ali me faziam dentro. Foi um senhor!”, conta o psicólogo.
 ?? ?? “Bruno Nogueira magoou-me”
Qual foi, até hoje, o comentário público que mais o magoou?
O do Bruno Nogueira. Ele faz um trabalho absolutame­nte fantástico como humorista. Sou fã dele, independen­temente de ter feito o único comentário que me magoou. Disse que eu era ressabiado porque o meu pai era homofóbico e me tratava mal. No humor não vale tudo, devia-se ter informado: o meu pai era um homem nobre, com a 4.ª classe, que teve uma conversa séria comigo e me soube orientar.
“Bruno Nogueira magoou-me” Qual foi, até hoje, o comentário público que mais o magoou? O do Bruno Nogueira. Ele faz um trabalho absolutame­nte fantástico como humorista. Sou fã dele, independen­temente de ter feito o único comentário que me magoou. Disse que eu era ressabiado porque o meu pai era homofóbico e me tratava mal. No humor não vale tudo, devia-se ter informado: o meu pai era um homem nobre, com a 4.ª classe, que teve uma conversa séria comigo e me soube orientar.
 ?? ?? “Não tenho admiração por pessoas desocupada­s. Pessoas sérias não se incomodara­m com isto. ‘Bichas’ desocupada­s agitaram-se com as minhas palavras”, atira.
“Não tenho admiração por pessoas desocupada­s. Pessoas sérias não se incomodara­m com isto. ‘Bichas’ desocupada­s agitaram-se com as minhas palavras”, atira.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal