Globos vs Portugal Fashion
Piet-Hein Bakker escreve esta semana na TV Guia
Desde há dois anos, o meu trabalho como produtor conheceu uma inversão assinalável de valores estéticos. Quando preparamos um programa de televisão generalista, cedo aprendemos a trabalhar para o “grande público”: não interessa o nosso gosto pessoal, mas, sim, o que a grande maioria gosta. O kitsch q.b. é bem visto e não podemos ter medo do óbvio, do previsível, do romântico, do “ninguém vai acreditar nisto”, porque as pessoas querem acreditar. A televisão, na sua vertente comercial, não serve para educar, mas, sim, para entreter as pessoas. Para proporcionar momentos de relax, de riso, de choro ou apenas para fazer companhia. Com este mindset comecei a produzir vídeos e eventos de moda. No Porto, para o Portugal Fashion, e em Paris performances com designers portugueses. E isto tem sido um processo de transformação gigante. Para estes novos conteúdos, o kitsch, o previsível e, muitas vezes, o romântico são o diabo. Para mim, com décadas de televisão comercial, a curva de aprendizagem tem sido vertiginosa. Ainda bem que a moda em Portugal tem gurus prontos para serem “sugados” por vampiros como eu. A primeira lição foi: “Às vezes, na moda, o feio é bonito.” Demorei semanas para digerir esta frase. Então, mas o feio já não é feio, mas, sim, bonito? E o contrário? Isto baralha uma pessoa! Tira por completo a autoconfiança: deixei de imediato de opinar criativamente sobre seja o que for. Para isso, temos os gurus da moda! Olhamos para o exemplo de uma passadeira vermelha produzida exclusivamente para televisão, em que predomina a preocupação pela perfeição: tudo liso, limpo, o mais fácil possível de pisar pelos saltos altos das nossas celebridades. A luz em grande quantidade, um banho autêntico de luz branca, para fazer brilhar as estrelas. Já num desfile de moda usa-se o chão mais rough possível: pedras de calçada, daquelas altas e meio redondas, onde qualquer pessoa escorrega, mesmo com ténis de sola anti-slip. Os modelos passam com saltos altos por cima deste chão, de preferência com alguma sujidade, com uma aparente facilidade. A luz é minimal, pontual, arty. Não é fácil fazer esta transição entre valores estéticos tão opostos. Mas, “em Roma, sê romano”. O que há a fazer é assimilar estas diferenças o mais rápido possível e seguir em frente. Como produtor destes eventos, o truque é ser uma folha em branco, com abertura para ir do rock ao pop e do funk ao jazz. Não cair no erro de achar que sabemos alguma coisa de um meio tão distinto daquele que nos proporcionou a nossa formação inicial. E sinto-me muito bem poder servir estes dois mundos tão diferentes, porque é essa diferença que faz o meu trabalho interessante!