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Verão QUENTE

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Há dois anos, por esta altura, foi proclamado pelos dois líderes do Reino que estava a acontecer o Milagre português. Portugal vencera o primeiro ciclo da pandemia, possuíamos os números baixos da Europa e para a propaganda – há muito que a política se confunde com a propaganda – só podia ser explicado por um milagre. Ao contrário de outro célebre milagre, o da batalha de Ourique, não havia intervençã­o do divino. Os chefes atribuíam-nos ao esforço de contenção dos portuguese­s. E deram ordem de soltura para podermos gozar os prazeres da praia. Não demorou muito para ver o Presidente a salvar irlandesas no Algarve e o chefe do governo armado de copo de vinho e pataniscas, saboreando o sol da Caparica. Desconfiei sempre do tão celebrado milagre. Na verdade, nem a ministra da Saúde, nem a responsáve­l da DGS embarcaram nessa euforia irresponsá­vel. Para não entrarem no autoelogio, elas que protagoniz­avam a grande vitória milagreira, alguma coisa de grave se escondia por detrás dessa alegria infantil que nos abria as portas das praias. E, depois, foi aquilo que se viu. A pandemia, após os festejos estivais, regressou mais ameaçadora, mais mortal, mais agressiva, matando a eito e sufocando os hospitais com doentes. O milagre ficará para a história do ridículo e o país, citando Miguel Torga, ‘ ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto (…) Somos socialment­e uma coletivida­de pacífica de revoltados’ e, acrescento eu, esquecemos rapidament­e, conformamo-nos imediatame­nte com a decadência que nos habita. Vem esta reflexão a propósito da praia. A temperatur­a sobe, o mar provoca-nos, as noites de lazer seduzem-nos, a impaciênci­a por acusa deste terrível confinamen­to que nos expropriou a dimensão social, pede folia, convívios a que se acrescenta­m copos a mais, droga a mais, testostero­na a mais criando condições para mais conflitos, mais violência, mais sarilhos no espaço público. Por tudo isto, meu caro leitor, goze a praia, divirta-se, procure saborear este tempo com a alegria da paz. Com prudência. É que, ainda por cima, dizem os especialis­tas que a Covid não morreu. Está aí e, parece, com redobrada energia.

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