A poesia na TV
Éraríssimo haver espaço para falar de poesia na televisão. O discurso poético é a antítese do audiovisual. O tempo tem outro ritmo, outro abrandamento na poesia. Normalmente não se compadece com a linguagem televisiva, feita de urgência e frenesim. É por essa razão que a entrevista à poeta Ana Luísa Amaral, emitida na RTP3 no dia a seguir à sua morte, é um objeto valioso, de culto. Ana Luísa Amaral é uma das vozes contemporâneas mais relevantes da poesia nacional, está traduzida e foi premiada internacionalmente. Lançou recentemente um livro que colige grande parte da sua obra, O Olhar Diagonal das Coisas. Ana Luísa Amaral morreu na sexta-feira, aos 66 anos, empobrecendo a literatura portuguesa. Vítor Gonçalves tinha preparado as emissões do verão como costuma fazer, gravando a entrevista com ela no passado dia 21 de julho. A RTP decidiu, e bem, antecipar a emissão para sábado passado, um dia depois do desaparecimento da poeta. Transformou-se numa espécie de testamento vital, onde ficamos a conhecer a memória prodigiosa de Ana Luísa para os poemas, a forma como respeita a língua ao ponto de nunca usar uma asneira ou um palavrão nas suas obras, e ficamos também a conhecer vários textos inéditos, que ficaram na gaveta “porque não prestam”, disse ela, mas que iluminaram a conversa. A Grande Entrevista a Ana Luísa Amaral, um dia depois de morrer, é um hino à poesia, à língua portuguesa e também à televisão, que se reconciliou por uma escassa hora com o tempo pausado da literatura. A gravação fica nas boxes até sábado que vem, à noite. Vale a pena ver um programa tão diferente da norma atual.