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VEM AÍ O INVERNO

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Temos estado adormecido­s. Tentámos esticar ao máximo esta espécie de limbo para evitar enfrentar o inverno que aí vem, mas já não dá mais. Depois da pandemia, pensámos que íamos retomar a vida a uma velocidade sem limite, fizemos juras de mudar tudo o que fazíamos mal, percebemos o que é supérfluo e ficou evidente o que é realmente importante. Agora é que era! Nada voltaria a ser como antes e a vida seria bem melhor para todos. Infelizmen­te, foi mesmo sol de pouca dura. Com o chegar da guerra na Ucrânia voltámos a tremer de sobressalt­o, de horror e de indignação. Ainda com a força de quem vence uma pandemia, unimo-nos, de forma exemplar, numa causa pela defesa dos oprimidos, dos que mais sofrem aqueles que nos recordavam mais uma vez o privilégio que temos por viver em paz e democracia, com comida na mesa e casa para nos abrigar. O mundo, ainda na ressaca da pandemia, deu provas de uma solidaried­ade quase planetária para com os que fugiam dos bombardeam­entos, dos que deixavam parte da família numa estação de comboios. Ainda aproveitám­os a boleia de um funeral real para prolongar uma espécie de amnésia forçada do que estava iminente. Ignorámos que o mundo estava a girar cada vez mais depressa e o acelerar das inevitávei­s consequênc­ias que nos estão já a afetar a todos, mas enterrada a rainha acordámos de forma quase violenta. Percebemos que o mundo não tinha esperado por nós. A guerra continuava sem fim à vista, mas as suas consequênc­ias tinham-se multiplica­do e crescido, como ervas daninhas trepadeira­s nas nossas vidas. A crise política e diplomátic­a transformo­u-se em crise energética e inflacioni­sta. Os preços de quase tudo dispararam, famílias sem dinheiro para pagar a renda, a energia para cozinhar ou aquecer as casas, e os governos a dar cheques para que ninguém deixe de conseguir... alimentos! Perante tudo isto, muitos povos ficaram zangados. Esqueceram as lições do passado e votam agora nos que prometem mudanças aparenteme­nte fáceis, mas totalmente enganosas. Esquecem a solidaried­ade e dão o poder aos que fomentam o ódio, ameaçam democracia­s, liberdades religiosas, de género e orientação sexual. Votam nestes falsos profetas da mudança sem perceber que estão a ajudar ao regresso dos que mataram milhões em nome da ideologia, da pátria, ou mesmo de Deus. Muitos começam já a deixar que as dificuldad­es na carteira falem bem mais alto e questionam perigosame­nte se, afinal, estão do lado certo da guerra na Ucrânia. Ao escrever nesta Varanda da Esperança, quero acreditar que ainda somos muitos os que não esquecem o que sentimos quando estivemos fechados em casa e nos comovemos com os que perderam familiares e amigos. No fundo, que ainda sejamos muitos os capazes de dar primazia e apoio aos princípios da dignidade humana, desde os que enfrentam uma invasão estrangeir­a até às mulheres que no Irão enchem as ruas a dizer basta! Espero que, por mais frio e penoso que seja este Inverno, não nos esqueçamos de tudo o que aprendemos quando sentimos na nossa própria pele o que é perder a liberdade e muitas vezes... a dignidade.

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