TV Guia

ADMIRÁVEL Mundo Novo

Henrique Dias escreve esta semana na TV Guia

-

Se não se importam, focamo-nos no que posso opinar, ficção televisiva. Para perceberem como funciona, imaginem uma orquestra onde os atores são os músicos, o realizador é o maestro e os argumentis­tas são os compositor­es. O problema é que em Portugal as partituras são muitas vezes ditadas aos argumentis­tas pelos canais e produtores. E agora a pergunta para a montra final: porquê? Hipótese A – Os argumentis­tas portuguese­s são maus. Não. A maior parte dos projetos de ficção são escritos por equipas mínimas, em tempo recorde e na lógica de contratar os argumentis­tas mais baratos (mais inexperien­tes). Saber se um grupo suficiente, de argumentis­tas experiente­s, a trabalhar com tempo, faria um bom produto, está por provar. Hipótese B – A história não interessa, o que interessa são as “caras”. Também não. O público até pode começar a ver por causa de um ator/atriz, mas se a história não o prender não continua. Já o contrário, acontece. Hipótese C – Toda a gente que tem poder para opinar, acha que é argumentis­ta. Parabéns! Acabou de ganhar mil euros em cartão. Num mundo ideal, os canais e produtores confiariam nos argumentis­tas e trabalhari­am em parceria com eles. Mas em Portugal as interferên­cias são de tal ordem que a certa altura a novela, série ou telefilme, já não é a ideia do argumentis­ta, do canal ou do produtor. Passa de uma história a uma amálgama de inputs. E se até há alguns anos as audiências indiciavam que o público não se importava com isto, as coisas mudaram. Hoje comparamos o que vemos nas generalist­as, com os produtos do cabo e das plataforma­s de streaming, onde os argumentis­tas são mais respeitado­s e, consequent­emente, as histórias são mais consistent­es. Resultado: um abandono da TV generalist­a. Em

A TV não vai morrer com a chegada do streaming, mas vai ter de reinventar-se. E começar a apostar em boas histórias e argumentis­tas.

2006, a novela líder tinha um milhão e meio de espectador­es, hoje tem 900 mil. Em 2000, um canal para ser líder tinha de ter 47% de share, hoje basta 17%. Todos os anos há menos pessoas a ver TV generalist­a. Todos os anos. E a maior migração acontece para as plataforma­s de streaming, onde reinam as séries dirigidas por... argumentis­tas. Sim, quem dirige séries como a Casa de Papel ou a Guerra dos Tronos são showrunner­s (argumentis­tas ou criadores, responsáve­is por supervisio­nar todos os aspetos da produção das séries). E antes que achem delirante a importânci­a que atribuo aos argumentis­tas, lembrem-se que, nos anos 90, o declínio do cinema americano e o aumento da qualidade das séries televisiva­s começou exatamente com a migração dos argumentis­tas de cinema para a TV. Em conclusão, acho que a TV generalist­a não vai morrer com a chegada das plataforma­s de streaming, tal como a rádio não morreu com chegada da TV. Mas vai ter de reinventar-se como a rádio fez. E começar por apostar em bons argumentis­tas e boas histórias não me parece um mau começo.

 ?? ??
 ?? ?? O argumentis­ta foi casado com Teresa Guilherme. O enlace decorreu em Las Vegas, em 2004 – divorciara­m-se em 2008.
Entre os atores de Avenida Q, uma adaptação sua do premiado musical da Broadway, que se tornou um êxito em Portugal.
O argumentis­ta foi casado com Teresa Guilherme. O enlace decorreu em Las Vegas, em 2004 – divorciara­m-se em 2008. Entre os atores de Avenida Q, uma adaptação sua do premiado musical da Broadway, que se tornou um êxito em Portugal.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal