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O PROFESSOR Cruz

- POR FRANCISCO MOITA FLORES

Nestes dias em que vemos os professore­s em turbulênci­a, em rebelião contra o Governo, denunciand­o práticas e costumes de desprezo, e de violência, que acumulam há décadas e, por outro lado, escutando as vozes de pais que exigem os seus filhos com aulas com o velho argumento que já chega de greves, veio-me à memória o dr. Cruz, meu antigo professor de Português e História. Cinquenta anos volvidos, está presente na minha memória como se me tivesse despedido dele esta manhã.

Fui seu aluno durante o Estado Novo, tempo em que greves eram proibidas e manifestaç­ões era coisa de que não se falava. Especialis­ta em Camões e amante da Língua Portuguesa, as suas aulas foram a porta que se entreabriu e através da qual ganhei o prazer de encontrar o caminho que me trouxe até aqui. Agora, que chega o meu entardecer e faço balanços de vitória e de derrotas, não tenho dúvidas de que da legião de professore­s que me ensinaram, só os encontrei por ter encontrado aquele homem na minha vida.

Não existe nada de mais importante na vida de cada jovem do que o corpo docente que o espera, complement­o direto do amor dos pais. Hoje, que estou velho, e os professore­s e o ensino são apenas uma grande saudade, não posso deixar de me continuar a indignar pela arbitrarie­dade, pela violência, pela indignidad­e com que os governos da República maltratam estes faróis que iluminam os nossos caminhos futuros. Ao longo destes dias, escutámos testemunho­s terríveis. Professore­s com 21 anos de ensino que mudaram 21 vezes de escola. Que vivem no norte e são colocados no sul e vice-versa. Que trabalham 20, 30 anos com contratos anuais e a termo certo. Que têm de trabalhar em duas escolas para terem um horário que lhes garanta o ordenado possível, que cuidam de alunos com problemas especiais, enxertado num mar de 200, 300 alunos. Histórias de horror a que os governos respondem com palavras floreadas e vazias. Não admira que se tenham rebelado e provocado um verdadeiro estrondo que a comunicaçã­o social, desta vez, cuidou com esmero. É aqui que regresso ao meu professor de Português. Num tempo em que a palavra Liberdade era proibida e aos seus ensinament­os e ficou-me uma das muitas frases que lhe ouvi: “Os alunos são os grandes amores da nossa vida. Ou melhor, são a nossa vida. Quem tratar mal um professor, trata mal a Humanidade que em vocês floresce.” ●

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