UMA SUITE EM MI

Tem mãos que fazem chorar de inveja seda do Oriente; escorregam mais do que manteiga francesa. A boca é um forno de porta aberta aquecido. Beija como se os lábios quisessem, fossem penetrar. Os dez dedos tocam notas certas sem perder afinação. Abraça não só com braços; entra tudo que mexe. As pernas são rampas para a subida feliz. De forma mensal, e intensa, recebo de fémures abertos o senhor professor, que me bate à portada para praticarmos geografia. No mapa, mãos, dedos, boca e ombros podem ser excelentes pontos cardiais, embora, evidentemente, falte o norte principal. Na ausência do ponto maior falta-nos tudo - pensará meio mundo. Mas, para contrariar o vento, digamos algo inesperado: para este meu prazer o centro do universo sexual não é o assunto que mais importa. Não quero com esta frase dizer que o homem está paralisado e que a natureza não desempenha o seu papel.

Cresce com franca facilidade. Mantém a velocidade cruzeiro com alto desempenho. Egoísmo é desgraça que não o atinge. Partilha e divide. É de tal maneira camarada que já o vi ficar com asma só para triplicar o bemestar da companhia. É querido e, como todos, não é perfeito. Ninguém consegue ser, nem mesmo quem nos dá boas e profundas olheiras. Procura-me quando a vida lhe corre para o lado torto. Nos últimos tempos a coisa não está direita. Em vez de se deitar no divã do psicanalista vem estender-se até mim. Muito bem. Divã, poltrona, cadeira giratória, cama, beira da cama, duche, sabonete no chão de azulejo, balcão da cozinha com farinha com fermento no mármore, os meus eficazes serviços servem-lhe de ansiolítico para enterrar momentaneamente a frustração. Eu explico: a mulher de quinze anos de casamento deixou-o por outra mulher. Há homens que preferem serem trocados por homens porque lhes parece menos fatal a troca.

BEIJA COMO SE OS LÁBIOS QUISESSEM, FOSSEM PENETRAR. OS DEZ DEDOS TOCAM NOTAS CERTAS SEM PERDER AFINAÇÃO