CÁPSULA DO TEMPO
A uma hora do Porto, há tesouros escondidos nesta região onde se aconchega o estômago com arroz de vitela e se brinda com um copo de Avesso
Quando as bengalas de Gestaçô foram classificadas como Património Cultural Imaterial Nacional, Serafim Teixeira, de 63 anos, encheu-se de orgulho. Desde a quarta classe que o artesão se dedica a esta arte manual – é um dos quatro resistentes da aldeia. O reconhecimento foi o corolário de uma vida na oficina, a cortar, dobrar, lixar e esculpir um pedaço de madeira de cerejeira para o transformar numa bengala, noutros tempos acessório de moda, atualmente peça decorativa ou de uso académico (neste ano, fez oito mil para a Queima das Fitas). “Andei de volta delas desde dezembro, das seis da manhã até à noitinha”, conta na modesta oficina aberta a visitas, na Calçada do Casal, em Gestaçô. A cerca de uma hora do Porto, entre a serra do Marão e o rio Douro, Baião tem destas joias guardadas numa espécie de cápsula do tempo. Para as descobrir, é preciso embrenharmo-nos no território, entre curvas e contracurvas, num sobe-e-desce.
Que terra é esta que apaixonou escritores? Nascido em São João de Ovil, António Mota escreveu aqui uma centena de obras literárias (o seu nome foi dado à novíssima biblioteca de Baião); Eça de Queiroz situou em Santa Cruz do Douro A Cidade e As Serras (em 2023, a casa de Tormes, que alberga o espólio do escritor, foi visitada por mais de oito mil pessoas); Alves Redol eternizou a aldeia de Porto Manso em livro. Certificada com o selo de destino turístico sustentável, a região pode ser desbravada de bicicleta todo-o-terreno, requisitada gratuitamente junto ao Centro Hípico de Baião, onde também se monta a cavalo. Quem tiver força nas pernas, poderá pedalar pela serra da Aboboreira acima, por estradas de terra batida e paisagens de tojo e de urzes, que servem de pasto a vacas de raça arou
quesa, até ao dólmen de Chã de Parada, onde, no verão, se organizam visitas noturnas à luz de lanternas ou de tochas para se observar as gravuras escavadas nas pedras.
Antes de visitarmos o Mosteiro de Santo André de Ancede, que reabriu há um ano e foi requalificado por Álvaro Siza Vieira, regressamos a Baião, onde António Queiroz Pinto anda de volta dos tachos na Taberna Lura. O chefe de cozinha, de 30 anos, que passou a última década no restaurante da Fundação Eça de Queiroz, abriu em fevereiro esta tasca de cozinha tradicional duriense, com nome da toca do coelho, que convida à partilha, das três da tarde em diante. De Tormes, trouxe o célebre arroz de favas com frango alourado, romanceado por Eça, que rivaliza com o arroz de aba de vitela arouquesa e vários petiscos regionais (javali estufado, alheira, vinha-d’alhos...).
A 12 quilómetros da vila, seguindo a Rota do Românico, fica Ancede, avistando-se à chegada o mosteiro em tons de amarelo. Nas últimas décadas em ruína, o edifício, com origens na Idade Média e ocupado pelos dominicanos no século XVIII, transformou-se em centro cultural. Siza Vieira manteve o que pôde no rés do chão (refeitório com buracos no chão para o vinho e o azeite, salas de oratória, cozinha a céu aberto…) e reabilitou o primeiro piso, onde se organizam exposições temporárias e se podem ver obras como o tríptico de São Bartolomeu do pintor flamengo Joos van Cleve, “trazido de Flandres quando o mosteiro mandava para lá uma nau para a venda de vinho”, conta Miguel Ramos, o guia. Das janelas avistam-se as hortas e as vinhas da casta Avesso – dão sete mil garrafas de vinho verde por ano, sob a marca Lagar do Convento.
Para continuar esta viagem no tempo, marque-se mesa na Casa do Lavrador, em Santa Cruz do Douro, construída à imagem das antigas casas de agricultores. Elisabete Gomes, de 39 anos, professora do Primeiro Ciclo, veste-se a preceito – lenço na cabeça, saia comprida e avental –, enquanto frita as pataniscas de bacalhau nas brasas. A mesa comprida está iluminada com candeeiros a petróleo, e a refeição faz-se ao lusco-fusco: arroz de feijão com moira, massa à lavrador, broa frita, pastelão, fumeiro, canecas de vinhão… Um delicioso regresso ao passado.
— DORMIR
Albergues de Natureza de Baião
Porto Manso e Mafómedes
> T. 255 006 348 > a partir €45
Portovella Lodges & Bungalows
Pala > T. 255 552 309 > a partir €150
Quinta da Ermida
> Santa Marinha do Zêzere > T. 96 295 3913 > a partir €95
— COMER
Taberna Lura
R. de Camões, 330, Baião > T. 91 625 2664 > ter-dom 15h-22h
Casa do Lavrador
Estrada N. Sra. do Martírio, 667, Santa Cruz do Douro > T. 92 794 4603
Tasquinha do Fumo
Aldeia de Almofrela, Campelo > T. 255 541 120; 96 581 4339
Tasca do Valado Mafómedes, Teixeira >
T. 91 430 4494 > qua-dom 10h-24h
— EXPLORAR
Bello’Giro
T. 91 295 4574 > Empresa de desportos de aventura e Natureza, em segway, todo-o-terreno ou a pé Bengalas de Gestaçô
> Cç. do Casal, 42, Gestaçô
> T. 91 023 7872 > seg-dom > grátis
Centro Hípico de Baião Campelo
> T. 255 540 500 Mosteiro de Santo André de Ancede
> T. 255 540 500;
96 847 6164 > qua-dom 10h30-13h30, 14h30-18h30 > €5, visita guiada Fundação Eça de Queiroz Santa Cruz do Douro > T. 254 882 120 > ter-dom e fer 9h30-12h30, 14h30-16h30 > €5