HÁ VIDA NA ALDEIA
Passar um fim de semana em Casa Branca, no Alentejo, é puxar do travão de mão ao stresse das cidades, enquanto enche a mala do carro de coisas boas para outros dias
Quando entrávamos em Casa Branca, eu sentia que todas as pessoas com que nos cruzávamos eram minhas primas.” É assim que José Luís Peixoto escreve sobre a terra do pai. E é assim que nos sentimos ao deambular pelas ruas típicas desta aldeia alentejana e ao nos cruzamos com alguns dos seus 900 habitantes (e não são só velhos!), naquela familiaridade que só se atinge nas terras pequenas.
Pequena, mas grande em possibilidades e na diversidade de programas, muitos deles à volta de produtos regionais que, por estes lados, ainda são feitos à moda antiga.
Na aldeia propriamente dita, depois de se espreitar a igreja matriz, há que visitar a Cooperativa Agrícola dos Olivicultores de Casa Branca – Flor da Galega, para levar um garrafão de cinco litros de azeite virgem extra. Mas também há outras possibilidades mais em conta, para facilitar a vida aos clientes, agora que o preço do litro desta gordura está pela hora da morte. Se não quiser pegar mais no carro, pode abastecer-se na mercearia do Adriano, um lugar que serve de ponto de encontro e que tem quase tudo o que se pode encontrar nas redondezas. Porém, se concordar connosco, nada melhor do que ir à fonte. E como tudo é perto, se tiver consigo um bom par de ténis – e tempo, coisa que não falta por aqui –, também dá para chegar à vizinha Cano, após uma caminhada de duas horas. Depois, até vai ter boa desculpa para se perder na
Salsicharia Canense ou na queijaria Lameirinha.
As mãos frias e calejadas de D. Otávia, de 76 anos, denunciam, ao primeiro cumprimento, que estamos perante uma mulher esforçada. Embora se lamente, também se lê na sua voz o gosto pelo que faz. “Estou a encher carnes, e elas têm de estar frias para eu conseguir trabalhá-las bem”, justifica-se, perante o contraste da temperatura da sua pele com o dia quente lá de fora. Deve ser por isso que os seus enchidos de porco-preto são tão afamados, a avaliar pela galeria de personalidades que ornamenta a parede junto ao balcão em que nos desgraçamos em compras. O intestino onde as acondiciona é cosido a linha de alinhavar, por ser mais grossa, como já as suas avós faziam.
D. Otávia (às vezes, é este nome que se cola aos seus enchidos) anda desalentada, apesar do enorme êxito da Salsicharia Canense. É que, além da ajuda do filho, João Roberto, de 58 anos, não há quem queira seguir-lhe os passos neste paraíso de chouriço, farinheira, painho, toucinho ou banha, só para citar alguns.
Saindo do Cano, podemos desviar-nos rumo à Herdade do Mouchão, para uma prova de vinhos (e compras na loja, claro). Neste terreno, continuam a apostar fortemente nos 45 hectares destinados à vinha, especialmente à casta Alicante Bouschet, aqui plantada desde o século XIX, quando a família inglesa Reynolds tomou conta deste pedaço de Alentejo.
Provemos então os tintos, brancos e fortificados, enquanto ouvimos, encantados, a história desta propriedade de 900 hectares, assim como a forma cuidada como fazem agricultura – estes vinhos de guarda, pisados a pé e prensados manualmente, demoram anos a estar prontos para venda. Até lá, ficam na adega, um edifício que se mantém intacto desde o início de 1900. É também aqui que bebemos estas especialidades, junto a um prato de chouriço que, obviamente, saiu das mãos frias da D. Otávia.
— DORMIR
Casa Az-Zagal
R. de Évora, 14, Casa Branca > T. 268 539 085 > a partir de €90
— COMER
O Pinguinhas
Cachola e ensopado de borrego são duas das especialidades deste restaurante.
R. das Covas, 29, Sousel > T. 96 970 7848 > ter- sáb 08h–24h
— EXPLORAR
Era Uma Voz
Associação cultural com programação de artes contemporâneas. Com sorte, ainda se apanha um concerto, uma performance ou uma conferência, moderada pelo escritor Afonso Cruz, que dá nome à biblioteca.
R. de Évora, 22, Casa Branca > T. 268 032 793 > qui-sáb 15h-17h