NOVOS CAMINHOS DO BARROCAL
Abriu um passadiço na serra de águas alcalinas, árvores monumentais, chaminés de saia e trilhos pedestres
Chegar ao cemitério pelo próprio pé é sempre bom sinal. Para se aceder ao novo passadiço do Barranco do Demo, em Alferce, a nove quilómetros do centro de Monchique, o ideal é deixar o carro nas traseiras deste campo-santo.
Segue-se uma caminhada de curta distância, sem dificuldade, até ao piso de madeira que liga as duas encostas do vale tectónico, profundo e com escarpas íngremes.
Malmequeres amarelos e brancos, azedas e papoilas vermelhas vão colorindo a marcha ao ritmo dos passos na gravilha. Só o correr do riacho, debaixo da ponte suspensa, interrompe o silêncio do vale. É obrigatório inspirar e expirar com todas as forças.
Estes novos caminhos do barrocal são uma forma de atrair mais pessoas para descobrirem uma das zonas mais afetadas pelos incêndios de 2018, ajudando a revitalizar a economia local. Inaugurado em outubro passado, o passadiço do Barranco do Demo está muito bem integrado na paisagem, sem agredir nem a Natureza nem a vista.
Para apreciarmos a beleza serrana temos de percorrer um quilómetro com mais de 500 degraus em diversas escadarias. O ponto alto da travessia acontece ao chegar-se à ponte suspensa, 50 metros
de comprimento estendidos a 20 metros acima do chão.
Nesta passagem segura, que inspira confiança até nos menos afoitos, passam cinco pessoas de cada vez e a maioria posa para a fotografia. Quem não aceder ao passadiço por uma das extremidades pode fazê-lo na pequena rota de caminhada da Via Algarviana (PR9 MCQ com 7,20 km), um trilho pedestre entre o vale e as ruínas do castelo islâmico de Monchique, abandonadas
após a conquista cristã, mas que permanecem inalteradas, onde em breve irá nascer um centro interpretativo.
Esta é uma serra privilegiada com dois picos distintos: a Picota, a 774 metros, e a Foia, mais ocidental, a 902 metros de altitude acima do nível do mar. Dali, em dias de céu limpo, consegue-se ver desde o cabo de São Vicente até à serra da Arrábida.
Rica em trilhos pedestres e estradas acessíveis, por aqui cruzam-se caminhantes de várias nacionalidades, alguns com cães, outros famílias inteiras.
Em direção às termas, nas Caldas de Monchique, e a São Marcos da Serra, a 400 metros, exclama-se pela abundância da Cascata do Penedo do Buraco, ponto de paragem na berma da estrada.
A pequena floresta no Barranco dos Pisões é uma boa escolha para piquenicar à sombra, no fresco, com o Moinho de Água do Poucochinho, restaurado em 2004, o único capaz de laborar no concelho. Cheira a eucaliptos neste lugar de árvores centenárias: um sobreiro com mais de 200 anos e o plátano-vulgar, classificado como árvore monumental de Portugal, dá nas vistas graças ao seu grande porte acima dos 35 metros de altura. Em Monchique, existem também dois exemplares de carvalho-de-monchique (Quercus canariensis), árvore rara na Península Ibérica, um deles com 150 anos, que fica na EN 267, em Alferce, a estrada que liga a Aljezur (a 37 km). Pela Estrada Nacional 266, Portimão fica a 20 quilómetros, o que permite um passeio da serra até ao mar ou uma incursão ao interior para quem estiver na praia.
Monchique é conhecida pelas propriedades da sua água: com um ph de 9,5, é a mais alcalina de Portugal e uma das mais alcalinas do mundo. Rica em bicarbonato, sódio e flúor, aplica-se sobretudo às afeções das vias respiratórias e musculoesqueléticas. É precisamente de uma encosta no vale tectónico, onde foi instalado o novo passadiço, que jorra a água mineral natural de Monchique, conhecida desde o tempo da presença romana na Península
Ibérica: inscrições em latim referem-se à água de Mons Cicus como “sagrada”.
Tanto na Villa Termal das Caldas de Monchique (com quatro hotéis, uma loja de artesanato, o restaurante 1692, onde funcionou o Casino, uma galeria de arte, um antigo forno comunitário e a conhecida Fonte dos Amores, com zona de merendas) como no centro de Monchique, no Largo dos Chorões (com esplanadas e restaurantes) e na pedonal Rua do Porto Fundo, com algum comércio, vale a pena uma passeata de nariz no ar à procura das chaminés de saia – com a base da largura de toda a cozinha e a função de fumeiro para os enchidos – património arquitetónico feito para resistir ao clima da serra.
MEDRONHO DO FRUTO, QUE SE COLHE NA SERRA DE MONCHIQUE, PRODUZ-SE UMA AROMÁTICA AGUARDENTE