Visão (Portugal)

O líder conservado­r desejado por Paulo Otero

O antigo primeiro-ministro parece acompanhar a estratégia da Nova Direita, popular no ISCSP. Paulo Otero vê Passos Coelho como “representa­nte dos princípios conservado­res”

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O professor catedrátic­o Paulo Otero admite que esteve “apenas três vezes” com Passos Coelho, não lhe conhece as “convicções”, mas não hesitou em incluir o nome do antigo primeiro-ministro no topo da lista de personalid­ades a convidar para escrever um capítulo do livro Identidade e Família. Figura de prestígio da Faculdade de Direito da Universida­de de Lisboa, Paulo Otero con‚rma que Passos Coelho não ‚gura como autor apenas porque “não conseguiu terminar o texto a tempo”. Contudo, isso não o retirou da equação, passando a ser a ‚gura desejada para apresentar o manifesto que reúne os princípios defendidos pelo Movimento Ação Ética (MAE), que conta ainda com ‚guras como António Bagão Félix, Pedro Afonso e Victor Gil.

Com uma produção nula de escritos (de todos os géneros) – “é um político sem obra”, descreveu, à VISÃO, um outro professor catedrátic­o –, o antigo primeiro-ministro tem no capital político acumulado no PSD e no governo a sua melhor arma para se a‚rmar como elemento aglutinado­r da direita.

“Acredito que Pedro Passos Coelho não está reformado, nem nada que se pareça. Acho, aliás, que vai estar a fazer política nos próximos anos”, aponta Paulo Otero. E poderá representa­r o MAE? O catedrátic­o não tem dúvidas: “Acho que sim. É alguém que pode contribuir para que haja uma convergênc­ia entre os princípios e valores do grupo e a política.”

No início de 2018, Passos Coelho ingressou como professor associado convidado no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), instituiçã­o com um histórico de grandes nomes da direita intelectua­l portuguesa. O anúncio da sua contrataçã­o provocou protestos, chegando a circular um abaixo-assinado, promovido por alunos que punham em causa a “meritocrac­ia” do novo professor. Numa escola que convive com doutrinas como a da Nova Direita, fundada pelo ‚lósofo francês Alain de Benoist, seis anos volvidos, Passos Coelho parece agora mais alinhado com o estatuto de político capaz de cumprir o desiderato de liderar as direitas, incluindo movimentos ultraconse­rvadores, nacionalis­tas e identitári­os. críticas que lhe são dirigidas, recordando que a última frase do amigo, na sessão de apresentaç­ão do livro Identidade e Família, foi: “Eu sou do PSD!” E sublinha: “Ninguém ouviu, ninguém ligou, ninguém amplificou. Pois, está claro, não interessa! Mas quem o conhece desde sempre sabe uma coisa: O Pedro não muda. O Pedro não resvala. O Pedro é, e será sempre, o que conhecemos: um homem íntegro, enraizado e com um pensamento humanista e moderado.” Miguel Matias reconhece no amigo de infância – com quem nunca fala de política – o caráter “herdado do pai”, uma certa “austeridad­e transmonta­na”, de “dizer sempre o que se pensa, mesmo que isso possa ser incómodo”. “Era o que faltava, isso [Passos Coelho dar opiniões] não poder acontecer! A voracidade destruidor­a de caráter, algo tão caracterís­tico deste País pequeno, faz-nos passar de bestiais a bestas em segundos. Mas não é assim! O humanismo não passa para o sectarismo ou para o extremismo porque queremos”, conclui.

À VISÃO, João Gonçalves também rejeita que Pedro Passos Coelho se tenha tornado um conservado­r. “Conservado­r? Isso, só eu”, graceja. O antigo adjunto do ministro Miguel Relvas (entre 2011 e 2015) admite que chegou a ser “muito crítico” de Passos Coelho – seriam notícia as suas farpas, dirigidas ao então presidente do PSD, publicadas no blogue Portugal dos Pequeninos –, mas, depois de o conhecer pessoalmen­te, diz ter passado a sentir por ele “muito respeito”, mantendo ambos, até hoje, uma relação de “grande proximidad­e e consideraç­ão”. “Passos Coelho é a pessoa mais tolerante que conheço. A sua vida fala por si. Tudo o que se tem dito sobre este assunto é simplesmen­te ridículo. Não faz sentido nenhum. Falamos de uma pessoa estrutural

mente liberal, adepta daquilo a que chamamos ‘sociedade aberta’. Não é um conservado­r, de maneira nenhuma”, garante. Agora que volta a colaborar com o atual Governo, João Gonçalves diz que os “ataques” a Passos Coelho só se explicam com “uma conceção recente e restritiva da liberdade de expressão, que considera que a ‘boa liberdade de expressão’ é apenas aquela que vai ao encontro da nossa opinião. À esquerda, há um peso muito grande daquilo que é considerad­o correto ou não dizer-se e fazer-se publicamen­te. Qualquer desvio é imediatame­nte classifica­do como uma heresia, uma coisa reacionári­a. Nos 50 anos do 25 de Abril, isto não faz sentido nenhum. Passos Coelho diz o que pensa. As liberdades públicas não têm dono. E Passos Coelho é um grande amigo das liberdades públicas”, afirma.

UM POLÍTICO COM FUTURO?

Dentro do atual PSD, as opiniões dividem-se. À VISÃO, um membro do partido fala de “um aparente ajuste de contas” de Passos Coelho com o passado, destacando a entrevista, dada ao podcast de Maria João Avillez, no Observador, em que o ex-primeiro-ministro atirou a Luís Montenegro, Paulo Portas e Cavaco Silva. “Neste momento, Passos Coelho parece querer apontar o caminho a Luís Montenegro. Está, acima de tudo, interessad­o na estabilida­de do País, mas consciente de que, para isso, são precisos, hoje, novos modelos, outra forma de se estar na política. Julgo que quer mostrar ao atual PSD que uma governação de sucesso só se faz através de acordos com o Chega. Dentro do partido, isto não é unânime, naturalmen­te”, diz a mesma fonte.

O politólogo José Filipe Pinto acompanha esta visão. “Passos Coelho acredita que o PSD, ao procurar muito o centro, como fez Rui Rio, está a delapidar todo um eleitorado de direita, que assim só se revê no Chega. O apelo à unidade, neste caso, passa por dar músculo à direita. Passos Coelho não tem dúvidas de que é o homem capaz de unir todos os partidos da direita e, depois da experiênci­a da Geringonça, sente-se confortáve­l em incluir o Chega, desde que este projeto seja liderado pelos sociais-democratas. Para Passos Coelho, não há riscos, porque considera o partido de André Ventura ‘controláve­l’, tendo em conta a dimensão dos dois partidos”, realça. No PSD, há quem continue a fechar esta porta, temendo pela própria democracia.

Certezas, em política, há poucas – neste momento, apenas a de que haverá presidenci­ais em 2026 e que, a partir de outubro, Luís Montenegro enfrenta um duro teste na aprovação do Orçamento do Estado para 2025. Passos Coelho parece disponível para continuar a intervir e até para regressar. Resta saber para fazer o quê.

Em 2018, Passos Coelho decidiu “sair de cena”. Entretanto, reapareceu e pode ter em mira as presidenci­ais de 2026… ou até um regresso ao Palácio de São Bento

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“Jota” Nascido e criado politicame­nte na JSD, Passos Coelho (aqui, com Carlos nd Coelho, atual eurodeputa­do) licenciou-se com 39 anos e começou a dar aulas apenas em 2018
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“É a sua forma de criar pontes entre os vários partidos da direita política”, dizem os especialis­tas
Abril De cravo na lapela, o ex-primeiro-ministro parece ter entrado numa “deriva conservado­ra”. nd “É a sua forma de criar pontes entre os vários partidos da direita política”, dizem os especialis­tas

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