Visão (Portugal)

Na Medida do Impossível

Uma nação chamada conflito armado

- Mariana Almeida Nogueira

A peça que Tiago Rodrigues traz à Culturgest parte de relatos reais para ilustrar o horror da guerra através da voz daqueles que prestam ajuda humanitári­a

Aajuda deve estar sempre onde se encontra o sofrimento”. A frase ecoa na sala e faz-nos pensar. No palco, quatro atores dão voz às dezenas de relatos de profission­ais do Comité Internacio­nal da Cruz Vermelha e dos Médicos Sem Fronteiras, que servem de ponto de partida para Na Medida do Impossível, peça de Tiago Rodrigues que, em Lisboa, encerra uma digressão internacio­nal de dois anos.

Na tentativa de ilustrar “este mundo entre o possível e o impossível”, o texto do encenador e diretor do Festival de Avignon leva o público pela mão, mostrando-lhe a realidade de quem vive para ajudar em cenários de guerra, de quem já percebeu que não vai salvar o mundo, mas que continua a trocar o possível pelo impossível, talvez porque as ruínas da guerra “não são apenas as ruínas de uma cidade, mas as ruínas da História”.

O cenário é simples. Panos brancos que recordam montanhas, tendas, nuvens de tempestade. Não é preciso mais. O cenário de guerra é igual em qualquer lado. Como conta uma das personagen­s, soa a bombas e a gritos de mortos e de vivos, e cheira a especiaria­s e a cadáveres espalhados nos escombros de um souk.

Sem nomear nações ou conflitos, a peça centra-se em mostrar esta “nação”, que nasce sempre que um Homem está disposto a matar outro, e a forma como os trabalhado­res humanitári­os lidam com ela. O impossível é fazer com que quem fica perceba a dimensão daquilo que quem parte acaba por viver. O impossível é regressar igual e adaptar-se à vida no mundo possível, sem sentimento­s de culpa; é gerir um campo de refugiados sem ter meios, é ter de escolher entre salvar a vida de uma criança em detrimento de outra. O impossível é uma cidade arrasada, um hospital clandestin­o. É um sofrimento que causa dor a quem chega para ajudar. Uma dor que “é necessária”, para que nunca se relativize o horror.

O impossível é ainda esquecer que “um dia posso ser eu, pode ser a minha família” ou, como sublinha Tiago Rodrigues, recordando os 50 anos de 25 de Abril, “o impossível não é assim tão longínquo, em Portugal, não é assim tão longínquo, na Europa, e pode não estar assim tão distante”.

Culturgest > R. Arco do Cego, 50, Lisboa > T. 21 790 5155 > 17-25 abr, vários horários > €20

 ?? ?? Palco Na Medida do Impossível estreou-se em Genebra, em 2022, e encerra em
Lisboa uma digressão internacio­nal de dois anos. O espetáculo conta com música composta e interpreta­da ao vivo por Gabriel Ferrandini
Palco Na Medida do Impossível estreou-se em Genebra, em 2022, e encerra em Lisboa uma digressão internacio­nal de dois anos. O espetáculo conta com música composta e interpreta­da ao vivo por Gabriel Ferrandini

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