Os herdeiros da ditadura
Vários nomes com ligações ao Estado Novo tornaram-se protagonistas em nome próprio da vida política nacional num Portugal democrático
Dizer que o atual Presidente da República nasceu no seio da ditadura, lho de gura proeminente do regime, companheiro de ceia e de conversa do chefe de governo, dá-nos pistas sobre a transição para a democracia em Portugal e as possibilidades que muitos dos herdeiros do Estado Novo tiveram para caminharem pelo próprio pé, após o 25 de Abril. Ainda na juventude, Baltazar Rebelo de Sousa manifestara fervor militante pela cartilha de António de Oliveira Salazar. Próximo de Marcelo Caetano, zera deste seu padrinho de casamento (com Maria das Neves Duarte), e, quando Caetano subiu à presidência do Conselho de Ministros, o pai do atual Presidente da República tornou-se governador-geral da província ultramarina de Moçambique (entre 1968 e 1970). Durante este período, o lho Marcelo caria pela metrópole, debaixo de olho do chefe de governo homónimo, tornando-se visita da sua casa. Enquanto Baltazar, de regresso a Lisboa, passava por sucessivos cargos ministeriais – da Saúde e Assistência, das Corporações e Previdência Social e do Ultramar –, o lho pródigo dos Rebelo de Sousa afastava-se da linha dura do Estado Novo. O longo caminho permitiu-lhe sobreviver politicamente no pós-25 de Abril até chegar ao Palácio de Belém. Outros nomes seguiram-lhe o exemplo. Maria de Lourdes Pintasilgo chegou a aceitar integrar a Câmara Corporativa, órgão consultivo do Estado Novo, o que não a impediu de se tornar um vulto da democracia portuguesa, primeira mulher a ocupar o cargo de primeiro-ministro (entre 1979 e 1980), nome com projeção nacional e internacional. José Veiga Simão teve a particularidade de ser ministro em dois regimes. Ministro da Educação Nacional na Revolução dos Cravos, seria deputado do PS e governante nos governos de Mário Soares e António Guterres. Já Adriano Moreira, um dos principais intelectuais do século XX português, foi ministro do Ultramar (entre 1961 e 1962), antes de presidir ao CDS-PP e de ser eleito deputado em democracia. A lha,
Isabel Moreira, tem assento na bancada parlamentar do PS desde 2011.