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CARTA A ALEJANDRO GÓMEZ ARIAS

Terça-feira, a 13 de outubro de 1925

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Alex da minha vida:

Tu melhor do que ninguém sabes quão triste me sinto neste maldito hospital, pois não deve ser difícil de imaginar, e, por outro lado, os rapazes já to devem ter contado. Todos me pedem para não desesperar.

Mas eles não sabem o que é que significam para mim, que passei a vida toda a laurear a pevide, três meses de cama, que é onde preciso de estar. O que é que se há de fazer, pelo menos a morte não me levou. Não achas?

Nem calculas a minha angústia em relação ao teu estado naquele dia e no seguinte. Depois de me operarem, apareceram cá o Salas e o Olmedo: que susto que apanhei quando os vi! Sobretudo o Olmedo, tu sabes lá. Perguntei-lhes por ti e disseram-me que tiveste muitas dores, mas que não ficaste gravemente ferido, e nem sabes como chorei por ti, meu Alex, ao mesmo tempo pelas minhas dores, pois digo-te que, durante os primeiros tratamento­s, as minhas mãos pareciam de papel e suava de dores por causa da ferida... que me atravessou completame­nte da anca para cima. Foi por um triz que não me desgracei para sempre ou morri, mas já passou tudo, uma das feridas já sarou e o doutor diz que a outra está para breve. Já te explicaram o que é que eu tenho, não é? E só uma questão de tempo até que a fratura que tenho na pélvis vá ao lugar, e que o cotovelo e as outras pequenas feridas que tenho num dos pés cicatrizem...

Veio visitar-me um gentio de gente e uma fumarada de fumo, até o Chucho Rios y Valles perguntou várias vezes por mim pelo telefone, e dizem que cá veio uma vez, embora eu não o tenha visto...

O Fernández continua a pagar-me o ordenado e, pelos vistos, agora parece que ainda tenho mais aptidões para o desenho que antes, pois diz que, quando estiver melhor, me há de pagar 60 por semana (é só garganta, mas enfim), e todos os rapazes da aldeia vêm visitar-me todos os dias, e o senhor Rouaix até chorou, o pai, ah?, não penses que me refiro ao filho, bom, e podes imaginar quantos mais...

Mas daria qualquer coisa para que, em vez de ter cá Coyoacán em peso e todas as velhadas que também por cá passam, um dia fosses tu a aparecer. Eu acho que, no dia em que te vir, Alex, hei de beijar-te, O balero, capirucho, coca, emboque ou perinola e um brinquedo tradiciona­l mexicano. (N. da T.) não há remédio. Agora, mais do que nunca, vejo como te quero com toda a alma e não te trocaria por ninguém. Bem vês que serve sempre de muito sofrer um pouco.

Além de ter estado fisicament­e bastante moída, embora, como disse ao Salas, não ache que tenha sido muito grave, sofri muito moralmente, porque podes fazer uma ideia do mau trago que passaram a minha mãe e o meu pai, e ter-lhes dado este desgosto doeu-me mais que quarenta feridas. Imagina, a coitada da minha mãe diz que passou três dias a chorar como uma doida e o meu pai, que já estava muito melhor, piorou imenso.

Só me trouxeram a minha mãe até mim por duas vezes desde que cá estou (contando com o dia de hoje, já lá vão 25 dias, que mais me parecem mil anos), e o meu pai só cá veio uma vez. Por isso, quero voltar para casa o mais depressa possível, mas só pode ser quando a inflamação tiver passado completame­nte e todas as feridas tiverem cicatrizad­o, para não arranjar nenhuma infeção e não vá eu desta p’ro... galheiro, não te parece? Seja como for, acho que não passa desta semana... e continuare­i à tua espera, a contar as horas onde quer que eu esteja, aqui ou em minha casa, pois, assim que te vir, os meses acamada passarão muito mais depressa.

Olha, meu Alex, se não puderes vir já, escreve-me, tu nem sabes o quanto me ajudou a tua carta a sentir-me melhor, acho que a li duas vezes por dia desde que a recebi e parece-me sempre que é a primeira vez que a leio.

Tenho de contar-te uma carrada de coisas, mas não tas posso escrever porque, como ainda estou muito fraca, dói-me a cabeça e os olhos quando leio ou escrevo muito, mas em breve tas contarei. Mudando de assunto, tenho uma fomeca que nem te conto... mas apenas me deixam comer umas porcarias que só visto. Quando vieres, traz-me rebuçados e um balero como aquele que perdemos no outro dia.

A tua amiga tornou-se tão magra como um fio.

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Friducha

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