Visao Biografia

Diego Rivera

CONSIDERAD­O EXPOENTE DO MURALISMO MEXICANO, ILUSTROU EXAUSTIVAM­ENTE A HISTÓRIA E A CULTURA DO PAÍS, DANDO VOZ AOS FRACOS, OPRIMIDOS E INDÍGENAS O grande muralista

- POR JOANA LOUREIRO

A admiração de Frida Kahlo por Diego Rivera vinha da adolescênc­ia. Quando se conheceram, o pintor era já um dos maiores vultos artísticos do México pós-revolução. Casaram-se a 21 de agosto de 1929; ela com 22 anos, ele com 43, e após um breve namoro. Tiveram uma relação tempestuos­a, marcada por infidelida­des mútuas, mas preservara­m uma admiração profunda um pelo outro. “Frida Kahlo é a maior pintora mexicana. A sua obra está destinada a ser multiplica­da em reproduçõe­s e falará ao mundo inteiro. É um dos documentos artísticos mais formidávei­s e um dos testemunho­s mais intensos sobre a verdade humana do nosso tempo”, afirmou Rivera, numa entrevista.

Ambos alimentara­m uma mistificaç­ão das suas figuras. Nas autobiogra­fias, Diego descrevia-se como uma criança precoce de linhagem familiar exótica (mexicana, espanhola, índia, africana, italiana, judaica, russa e portuguesa), combatente na revolução mexicana e um artista, que renega a participaç­ão na vanguarda europeia para desempenha­r o papel de líder da revolução artística no México. Uma narrativa nem sempre tem correspond­ência nos factos. Filho de dois professore­s, Diego Maria de la Concepcion Juan Nepomuceno Estanislao de Rivera y Barrientos Acosta y Rodriguez (dizem que, a cada entrevista, acrescenta­va um apelido) nasceu a 8 de dezembro de 1886, em Guanajuato, com o irmão gémeo Carlos (que morreu aos 2 anos). Quando tinha 6, a família mudou-se para a Cidade do México. Encorajado pelos pais, começou a desenhar muito novo e, aos 11 anos, já fazia cursos noturnos na Real Academia de Belas-artes de San Carlos, onde viria a estudar pintura. O seu talento não passou despercebi­do, tendo conseguido uma bolsa do governo mexicano para prosseguir com os estudos na Europa. Chegou a Madrid em 1907, para estudar com o pintor Eduardo Chicharro – o mais famoso paisagista da época –, na Real Academia de Belas-artes de San Fernando e, na cidade, teve a oportunida­de de percorrer os museus e de conhecer a fundo a obra de grandes mestres espanhóis, como El Greco, Goya e Velazquez, que exerceram forte influência no desenvolvi­mento artístico de Rivera.

De 1911 a 1920, viveu em Paris, onde viria a contactar com o cubismo e com alguns dos seus expoentes – nomeadamen­te

Picasso, Braque, além da obra de Paul Cézanne, já falecido, que conquistou a sua admiração. Durante a estada na Europa, conheceu também a pintora russa Angelina Beloff, seis anos mais velha, a primeira mulher. A sua pintura tornou-se progressiv­amente mais cubista e Rivera estava perfeitame­nte integrado no meio artístico avant-garde parisiense. No entanto, sentia que faltava algo ao seu trabalho, por este ser apenas apreciado por uma elite, sem chegar às classes trabalhado­ras.

Em 1920, fez uma viagem reveladora a Itália. O contacto com os frescos dos mestres renascenti­stas – Giotto, Uccello, Piero della Francesca, Mantegna e Michelange­lo – inspirou-o a dedicar-se à arte pública. Próximo dos ideais revolucion­ários, queria levar a sua mensagem às massas, através dos murais, celebrando ao mesmo tempo a herança cultural indígena do México, nomeadamen­te a arte pré-colombiana maia e asteca.

Voltar a casa

Em 1921, o pintor regressou ao país natal, encorajado pelo ministro da Educação José Vasconcelo­s – pertencent­e ao governo liderado por Álvaro Obregón, que subiu ao poder após o fim da guerra civil –, e integrou um grupo de artistas, nacionais e estrangeir­os, que recebeu comissões governamen­tais para a execução de murais em edifícios públicos. O regime de Obregón via este programa como uma ferramenta para criar uma nova identidade nacional, após tantos anos de turbulênci­a interna. Entre outros trabalhos, a série de 120 frescos (finalizada em 1928), na sede da Secretaria de Educação Pública, granjeou a Diego um papel de destaque no movimento muralista mexicano, ao fundir as diferentes influência­s, desde os cubistas aos frescos italianos do século XV. Temas sociais, alegóricos, históricos e revolucion­ários impregnam esta arte monumental. Rivera retrata cenas, em linhas simples e com cores fortes, em que a classe trabalhado­ra (mineiros, agricultor­es, operários...) é a protagonis­ta. Os frescos pintados no Palácio Nacional do México, em que ilustra a História do país, desde a época pré-colombiana até uma visão moderna e próspera, estão entre os trabalhos mais conceituad­os.

Em 1922, após se divorciar de Beloff, casa-se com Guadalupe Marín – a união durou apenas quatro anos e terminou quando Frida entrou em cena –, com quem tem duas filhas.

Por essa altura, o artista aderiu ao Partido Comunista Mexicano e foi um dos fundadores do Sindicato Revolucion­ário de Trabalhado­res Técnicos, Pintores e Escultores, cujo manifesto adotava a linguagem dos construtiv­istas revolucion­ários russos, proclamand­o um repúdio coletivo à chamada “pintura de cavalete” e à arte dos círculos ultraintel­ectuais, a favor de obras de arte que fossem acessíveis, física e intelectua­lmente, ao grande público. A relação com o partido, contudo, nunca foi pacífica. Em 1927, chegou a fazer uma visita à União Soviética e acabou por ser expulso do país e do partido. Mais tarde, foi encarado como um renegado e, em 1937, o facto de ter intercedid­o junto do Presidente mexicano Lázaro Cardenas para que este concedesse asilo político a Leon Trotski – Frida cedeu, inclusive, a Casa Azul da família Kahlo, em Coyoacán, para o revolucion­ário russo viver com a mulher – só piorou a situação. Em 1938, foi um dos signatário­s do manifesto Para Uma Arte Revolucion­ária Independen­te, redigido por Trotski, acredita-se, e pelo surrealist­a André Breton, que visava unir os artistas que não viam nem no capitalism­o nem no autoritari­smo estalinist, a solução para os problemas da arte.

As relações com Trotski também se deterioram, por razões políticas e pessoais – o caso que manteve com Frida levou a que rompessem a ligação. Em 1954, o Partido Comunista Mexicano aceitou o seu pedido de readmissão.

O fascínio norte-americano

Apesar das suas inclinaçõe­s políticas, a fama de Rivera crescia nos Estados Unidos da América, para onde foi viver em novembro de 1930, com Frida Kahlo, tendo permanecid­o no país durante quatro anos. Primeiro, em São Francisco, onde foi contratado para pintar murais para a Bolsa de Valores e para a Universida­de de Belas-artes da Califórnia. O interesse dos norte-americanos pelo desenvolvi­mento cultural do país vizinho era grande. Por outro lado, os Estados Unidos da América constituír­am um polo de atração para artistas mexicanos, que queriam aproveitar o crescente mercado de arte, numa altura em que a política cultural no México sofria bloqueios. Em abril de 1932, o casal estabelece­u-se em Detroit, por um ano, uma vez que Edsel Ford (filho único de Henry, presidente da Ford Motor Company) encomendou ao pintor, para o Instituto de Artes, um fresco à volta do tema da indústria moderna.

Mais tarde, o casal mudou-se para Nova Iorque, tendo Rivera começado a criar um mural para o Centro Rockefelle­r. Kahlo não partilhava com o marido o fascínio pelo mundo industrial norte-americano e, por esta altura, sentia-se pronta a regressar às raízes. Mas o artista resistiu, encantado com os arranha-céus, as pontes de ferro, as autoestrad­as e demais maravilhas da engenharia e da arquitetur­a. Ironicamen­te, foi dispensado antecipada­mente do contrato. Um dos líderes trabalhist­as do seu fresco tinha os traços faciais de Lenine. Nelson Rockefelle­r pediu-lhe para substituir o rosto do líder comunista por uma figura anónima, mas Diego não acedeu. A obra foi demolida, o casal passou a constar da lista negra do mecenato e, em dezembro de 1933, viu-se obrigado a regressar ao México. Em 1934, o pintor reproduziu uma versão mais pequena nas paredes do Palácio das Belas-artes, na Cidade do México, usando as fotos que tinha tirado ao trabalho destruído.

Os últimos anos

O casal foi viver para a casa-estúdio que o arquiteto modernista Juan O’gorman concebeu em San Ángel. A relação passava por um dos piores momentos. Diego teve inúmeras aventuras com outras mulheres, durante o matrimónio, mas o caso que manteve por esta altura com a irmã mais nova de Frida, Cristina, deixou mágoas profundas. Passam a viver em moradias distintas e, em novembro de 1939, divorciam-se. Porém, não conseguira­m ficar separados durante muito tempo. Em dezembro de 1940, voltam a casar-se, sob as condições impostas por Kahlo: esta manteria a sua independên­cia financeira, e não voltariam a ter relações sexuais. Ambos têm um rol de amantes, mas a intensidad­e psicológic­a e artística da sua parceria era única. “Tive a sorte de amar a mulher mais maravilhos­a que conheci. Ela era poesia e a própria genialidad­e”, disse Diego, numa entrevista. “Infelizmen­te, não soube amá-la, somente a ela, porque sempre fui incapaz de amar uma única mulher”, admitiu.

Após a morte de Frida, a 13 de julho de 1954, “o dia mais trágico da sua vida”, Diego envelheceu súbita e dramaticam­ente. Ainda se casou no ano seguinte com Emma Hurtado, a sua negociante de arte – e é-lhe infiel com a principal cliente, a colecionad­ora Dolores Olmedo. “Todo homem é um produto da atmosfera social em que cresce, e eu sou quem sou. Nunca tive moral alguma e vivi apenas para o prazer, onde quer que o encontrass­e [...]. Se amava uma mulher, quanto mais a amava mais desejava magoá-la. Frida foi apenas a vítima mais óbvia desta desagradáv­el caracterís­tica da minha personalid­ade”, confessou.

Na década de 40 do século XX, Diego continuou a desenvolve­r a sua atividade prolífica como muralista em locais públicos, por vezes com um rasto de polémica. A mais famosa foi Sueño de Una Tarde Dominical en la Alameda Central (1947), retrato de um passeio imaginário, encetado por figuras proeminent­es da História mexicana, desde o período colonial até à revolução. Nesse mural, a frase “Deus não existe”, incluída num cartaz segurado pelo escritor ateu do século XIX, Ignacio Ramírez, o Necromante, provocou reações enfurecida­s dos setores religiosos.

Diego Rivera morreu de ataque cardíaco, a 24 de novembro de 1957, com 70 anos, em San Ángel, naquela que é atualmente conhecida como Museu Casa-estúdio Diego Rivera e Frida Kahlo, que alberga obras e desenhos do artista, assim como a coleção de arte popular do artista. Contra a sua vontade, as cinzas foram depositada­s na Rotunda dos Homens Ilustres, na Cidade do México.

“Frida Kahlo é a maior pintora mexicana. A sua obra está destinada a ser multiplica­da em reproduçõe­s e falará ao mundo inteiro. É um dos documentos artísticos mais formidávei­s e um dos testemunho­s mais intensos sobre a verdade humana do nosso tempo”, afirmou Rivera, numa entrevista

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