Wassily Kandinsky O mestre da arte abstrata
FOI SEMPRE FIEL À SUA CONCEÇÃO ARTÍSTICA, APESAR DE MUITOS CONSIDERAREM AS SUAS OBRAS TARDIAS COMO ESTANDO PRÓXIMAS DO SURREALISMO
A 17 de março de 1939, Wassily Kandinsky descreve, em carta enviada aos amigos e pintores Anni e Josef Albers, as suas impressões sobre a exposição de Frida Kahlo em Paris: “Há peças de arte mexicana antiga, esculturas (...) muita arte popular e, finalmente, um grande número de pinturas da esposa de Diego Rivera, que têm um forte tom surrealista. Ela estava lá pessoalmente, em traje mexicano ‒ muito charmoso. Parece que ela se veste sempre assim. Havia muitas senhoras de aparência bastante excêntrica ‒ o espírito de Montparnasse ‒, mas nenhuma poderia rivalizar com o vestido mexicano.”
Depois de ultrapassadas as peripécias para a realização da mostra, Frida Kahlo escreveu que a sua obra recebera “muitos elogios do Kandinsky”, assim como “um grande abraço do Joan Miró” e os “parabéns de Picasso, Tanguy, Paalen e de outros ‘figurões’ do surrealismo”.
Tal como a mexicana, também Kandinsky, artista russo naturalizado francês, não aceitava que a sua pintura fosse identificada com o surrealismo, apesar de ter mantido contacto com o movimento. Em 1929, André Breton, o “pai” do surrealismo, adquiriu duas aguarelas do artista numa exposição em Paris e, em 1933, integrou os seus quadros na secção dos surrealistas do Salon des Surindépendants, ao lado de Jean Arp, Salvador Dalí, Max Ernst e Man Ray. Mas Kandinsky sempre se mostrou fiel ao conceito de arte abstrata, de que foi pioneiro e mestre nos países onde viveu e ensinou.
De Moscovo a Munique
Nascido em Moscovo a 4 de dezembro de 1866, numa família de comerciantes de chá, Wassily foi entregue aos cuidados de uma tia materna em Odessa, depois de os pais se terem separado. Em 1886, inscreveu-se em Direito na Universidade de Moscovo e, no final do curso, casou-se com a prima Anya Chemiakin.
Obrigado a optar entre a carreira universitária e a tentação da arte, decide-se pela segunda, depois de visitar uma exposição de impressionistas franceses e de assistir a uma ópera de Wagner, no Teatro Real de Moscovo. Ao escutar a música, “imaginei todas as minhas cores, elas estavam mesmo à frente dos meus olhos. Linhas selvagens, quase frenéticas desenhavam-se à minha frente”, diria. A relação entre a pintura e a música, entre as cores e os sons, fascinavam-no de tal forma que se tornou o ponto de partida do seu trabalho.
Aos 30 anos, instala-se em Munique para estudar pintura. Em 1901, funda o grupo Phalanx, uma associação de artistas vanguardistas que organizava as suas próprias exposições, mas as mostras foram consideradas demasiado ousadas para o meio artístico alemão.
Kandinsky, cada vez mais atraído pela cor e pelas formas abstratas, participa no Salão de Outono e no Salão dos Artistas Independentes
em Paris, ao lado de fauvistas e cubistas como Matisse, Braque e Picasso. Separa-se da mulher e enamora-se da pintora Gabriele Münter, que o acompanhará nos anos da sua afirmação artística, quando realiza as séries Impressões, Improvisações e Composições.
Em 1909, dirige a Associação dos Novos Artistas de Munique (NKVM, na sigla original), com a qual acabará por romper. Com o pintor Franz Marc e outros cria, em 1911, o grupo de arte vanguardista O Cavaleiro Azul (Der Blaue Reiter), propondo-se fazer uma “cura” dos males da humanidade através de uma arte mais espiritual, inspirada nos temas do ocultismo, teosofia e religião.
A Grande Guerra marca um retrocesso nas suas aspirações e Kandinsky regressa à Rússia, deixando Gabriele na Suíça. Apesar da rivalidade com os vanguardistas russos, participa na reforma dos museus do país natal. Uma das obras mais conhecidas desse período é Moscovo I, executado num estilo romântico e quase naïf, com cores quentes e garridas, expressando um período de felicidade pessoal. Em fevereiro de 1917, casa-se com Nina de Andreevsky, com quem tem um filho que morrerá ainda em criança.
Em 1920, já depois da Revolução Bolchevique, é nomeado diretor do Instituto de Cultura Artística (INCHUK), dependente do Comissariado do Povo para a Educação, mas a sua visão é posta em causa por outros artistas russos ‒ que apenas viam na sua obra “deformidades espirituais” ‒ e pelos novos líderes soviéticos que viriam a instituir o chamado realismo socialista.
Em Moscovo, iniciara o “período frio”, substituindo as cores fortes por uma seleção de cores frias, por vezes desprovidas de harmonia. O círculo, símbolo da forma perfeita e também símbolo do cosmos, ocupa um lugar central nos seus quadros.
Kandinsky abandona a Rússia no final de 1921, regressa à Alemanha e recebe um convite para ensinar na escola Bauhaus de Weimar. É aí que redescobre e desenvolve as ideias antigas sobre as cores e as formas, entusiasmando-se com o ensino artístico. A obra mais importante desse período é Composição VIII, segundo Hajo Düchting, em Wassily Kandisnsky – A Revolução da Pintura (ed. Taschen).
Na década de 1930, a ascensão do fascismo dita o encerramento da escola Bauhaus e Kandinsky instala-se com a mulher em Neuilly-sur-seine, perto de Paris, Junta-se ao grupo Abstraction-création, uma associação de pintores defensores do abstracionismo geométrico que se opunham à predominância do surrealismo. É nessa fase que os seus quadros expressam um simbolismo lúdico e adquirem uma linguagem aparentada com o surrealismo. Nas obras tardias, as formas geométricas coexistem com silhuetas biomórficas e criaturas embrionárias de cores vivas. Debilitado por uma arteriosclerose, Kandinsky continuou a pintar até a morrer, a 13 de dezembro de 1944. Tinha 78 anos.