Visao Biografia

Lev Trotski

Derradeiro sopro

- POR J. PLÁCIDO JÚNIOR

NUM CASO EXTRACONJU­GAL, ENCONTROU EM FRIDA KAHLO “O ÚLTIMO GRANDE AMOR” DA SUA VIDA E “O MAIS INTENSO”. E UM DETONADOR PARA O TRABALHO POLÍTICO – ATÉ ESTALINE CONSEGUIR MATÁ-LO

A 9 de janeiro de 1937, Frida Kahlo, com um traje nauatle, típico dos astecas, destacava-se na comitiva que, no porto de Tampico, na costa leste do México, recebeu Lev Trotski e a mulher, Natália Sedova, que desembarca­ram de um navio provenient­e da Noruega. Desde que o seu inimigo político, Estaline, o expulsara da União Soviética, em 1929, Trotski andou em bolandas pela Turquia, França e Noruega. Agora, encontrava uma morada fixa, por fim, na Cidade do México. Frida e o marido, o muralista Diego Rivera, usaram o seu peso institucio­nal e conseguira­m convencer o Presidente do país, general Lázaro Cárdenas, a dar asilo ao braço-direito de Lenine na Revolução bolcheviqu­e de 1917 e à mulher. Mas uma paixão clandestin­a criaria uma tempestade.

Do fascínio intelectua­l mútuo, Frida e Trotski resvalaram, num ápice, para um caso amoroso. Ela tinha 29 anos e ele 58. Segundo vários biógrafos, Frida, num primeiro impulso, só queria “vingar-se” das numerosas infidelida­des de Rivera. No entanto, os mesmos investigad­ores afirmam que o affair extraconju­gal, apesar de ter durado apenas cerca de seis meses, foi intenso. Frida, que então chamava a Trotski “meu Piochitas”, nome carinhoso que remetia para a pera grisalha dele, dirá que viveu naquela altura os “dias mais felizes” da sua vida. E o certo é que, naquele período, finalizou dois dos seus mais famosos quadros: A Minha Ama e Eu,e Eu e a Minha Boneca. Já Trotski confidenci­ou que Frida foi “o último grande amor” da sua vida e “o mais intenso”. Também nele, o affair parece ter detonado uma especial capacidade de trabalho – deu um avanço significat­ivo na biografia de Estaline, que escrevia há largo tempo, e arrancou com a Quarta Internacio­nal, braço global do trotskismo.

Frida e Trotski trocavam bilhetes escondidos em livros que emprestava­m um ao outro. Falavam em inglês, língua que Natália não percebia. Só o secretário político de Trotski, o francês Jean van Heijenoort, cedo se apercebeu do affair, como o próprio confessou mais tarde. E era em locais diversos da Cidade do México, arranjados por familiares cúmplices de Frida, que os amantes se encontrava­m.

Rivera furibundo

Para explicar o fim do relacionam­ento amoroso existem diferentes versões. Há quem diga que Frida o considerou esgotado. Outros afirmam que Natália o descobriu e que fez um ultimato ao marido. Certo é que a pintora e o político continuara­m amigos, como o comprova um vibrante autorretra­to que ela lhe ofereceu, cerca de quatro meses após o fim do seu caso. Com Rivera, foi bem diferente: quando, em 1938, o muralista soube do affair, dizem biógrafos, “fabricou um desacordo político” para romper com Trotski. Nada de surpreende­nte – a relação entre os dois homens cedo se deteriorou.

De seu verdadeiro nome Lev Davidovich Bronstein, nascido na atual Ucrânia, e filho de um camponês de origem judaica não religioso, Trotski continuou a produzir com abundância teses para a revolução alternativ­a. Hoje, quando se fala de trotskismo, pensa-se numa conceção de socialismo mais assente na atuação das bases do que na estrutura partidária, ou “burocrata”.

Mas o que Trotski sobretudo defendia – e o que o opunha a Estaline, além da luta pelo poder que se seguiu à morte de Lenine, em 1924 – era a ideia de “revolução permanente”, à qual associava o proletaria­do emancipado das nações mais desenvolvi­das, contrária à da construção do “socialismo num só país” preconizad­a pelo seu rival. Soçobraria, porém, aos talentos de manobrador do frio e implacável Estaline, que era secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética desde 1922 e dominava o aparelho.

O propagande­ado Paizinho dos Povos nunca desistiu dos planos para liquidar Trotski. Seria bem-sucedido através do espanhol Ramón Mercader, agente da secreta soviética. Mercader infiltrou-se entre os que visitavam a casa de Trotski e, com a confiança que ganhou, teve a oportunida­de de lhe golpear a cabeça com um picador de gelo. Trotski não resistiu aos ferimentos e morreu, a 21 de agosto de 1940, aos 60 anos.

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