Visao Saude

O INIMIGO AQUI DENTRO

- ALEXANDRA CORREIA

Os processos que levam o nosso corpo a atacar-se a si próprio ainda permanecem, em larga medida, desconheci­dos. E não espanta. As doenças autoimunes – às quais dedicamos esta edição da VISÃO Saúde, com um dossier de 50 páginas – são desconcert­antes na medida em que o inimigo não está dentro de nós, somos nós.

É suposto o nosso sistema imunitário proteger-nos das ameaças exteriores. Mas o que sucede quando o “horror autotóxico” toma conta do nosso organismo? Aquela foi a expressão com que os cientistas europeus Paul Ehrlich e Ilya Ilyich Mechnikov batizaram estes ataques, há mais de um século. As suas descoberta­s na área da imunidade valeram-lhes o Nobel da Medicina.

São “avarias do sistema” que levam os anticorpos e as nossas forças de ataque a errarem o alvo, a confundire­m-se na identifica­ção do inimigo, atirando “fogo amigo” para cima dos nossos órgãos e tecidos, através da libertação de autoantico­rpos. Uma guerra feita nas próprias trincheira­s e, por isso, injusta e cheia de sentimento­s de revolta. Porque é que o meu corpo me faz isto?

Genética? Hormonas (as autoimunes afetam de forma esmagadora muito mais as mulheres do que os homens)? Ou há que considerar o peso de fatores ambientais? Sem dúvida, ou não estivesse a incidência destas doenças a crescer no mundo ocidental (e à razão de 12,5% ao ano).

Sim, as alterações climáticas não dizem respeito “apenas” a uns glaciares longínquos que vão derretendo. Enquanto assobiamos para o lado, a poluição atmosféric­a vai fazendo o seu caminho por dentro das nossas casas, dos nossos corpos, afetando a nossa saúde. Falamos do ambiente como dos estilos de vida (sedentário­s, abundantes), mas está tudo ligado, no fundo. É o nosso estilo de vida, ao qual estamos tão amarrados que não conseguimo­s dispensar nada, que promove esta cultura do abundante quando o planeta é simplesmen­te finito.

Naturalmen­te que não se evita, à partida, uma autoimune com exercício e alimentaçã­o saudável só por si. Não desvaloriz­emos a lotaria genética, que é significat­iva em muitas destas doenças. Falamos também de gatilhos, como o stresse ou a depressão, pois está igualmente provado que o controlo de uma autoimune e dos seus sintomas passa pela psiquiatri­a e pela psicoterap­ia.

Os ainda insondávei­s mistérios do cérebro trarão, definitiva­mente, mais revelações à medida que se levanta o véu. Por agora, já muito se avança e é desses avanços que aqui lhe damos conta.

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