“Eles sabem o que fazem!”
Maria José Guerreiro, 66 anos, foi referenciada para o Hospital Curry Cabral para uma cirurgia oncológica complicada ao pâncreas. Quando soube que ia ser operada por um robot ficou um pouco apreensiva, mas confiou
A descoberta, há cerca de dois meses, de um tumor maligno no pâncreas obrigou à realização de uma cirurgia oncológica curativa. “Foi sujeita a uma pancreatectomia corpo-caudal com esplenectomia, ou seja, retirámos o corpo e a cauda do pâncreas”, explicou-nos o cirurgião Emanuel Vigia. Uma intervenção delicada. “Mexer no pâncreas é sempre uma cirurgia complexa porque é um órgão escondido, e para lá chegarmos é preciso tirar alguns órgãos da frente.” Felizmente, Maria José teve a sorte de ser operada por um robot: 48 horas depois da pancreatectomia, conversou connosco na sala de estar do hospital. “Sinto-me muito bem”, diz, com um largo sorriso. Sem dores, animada e, sobretudo, muito grata pelos cuidados “excecionais” de médicos e enfermeiros.
Confessa que quando soube que ia ser operada por um robot, ficou “um pouco apreensiva”, mas depressa sossegou. “Fui à internet pesquisar, percebi que era uma coisa boa, e fiquei muito calma”, conta. Do que leu e ouviu, concluiu que o robot era capaz de chegar “onde a mão humana não chega”. E confiou em pleno. “Eles sabem o que fazem!”, pensou. Tranquila – “não estava nervosa nem nada assustada” – mas curiosa, a primeira coisa que fez quando entrou no bloco operatório foi procurar o robot. “E lá estava ele, todo branquinho”, recorda. Disseram-lhe que a recuperação ia ser muito boa, mas nunca se imaginou “tão bem” passado tão pouco tempo. “Não tenho dores, já me levanto sozinha, só tenho uns furinhos na barriga… E em breve vou poder fazer a minha vida normal”, diz, reconhecendo a “sorte”, ou mesmo o privilégio, de ter sido contemplada com uma cirurgia robótica.
Referência nacional e internacional na cirurgia hepática, o Curry Cabral acabou por ser “pioneiro em certas intervenções ao fígado com robot, como a cirurgia dos tumores das vias biliares e a reconstrução de veias no fígado, e neste momento somos o centro da Europa que faz mais cirurgias de robótica”, revela o médico, adiantando que só no ano passado “foram operados, por robot, 100 doentes ao fígado”. Um recorde saboreado no dia 5 de fevereiro com mais um feito nesta especialidade: o primeiro transplante hepático da Europa (e o segundo no mundo) por cirurgia robótica.
Quase ao mesmo tempo, o Curry Cabral era ainda palco de outra estreia: a realização da primeira cirurgia robótica pediátrica em Portugal. Dirigida por Sofia Ferreira Lima, responsável
pelo departamento de Cirurgia Pediátrica do Hospital de D. Estefânia, a intervenção (uma pieloplastia desmembrada) consistiu em eliminar uma obstrução que impedia a saída de urina do rim numa jovem de 17 anos, que “pela circunstância de estar a tirar o curso de bailarina, apresentava todas as vantagens em ser operada com recurso a robótica”.
No Hospital de São João, no Porto, que só estreou o seu programa robótico no início do ano passado, também já se fazem intervenções de urologia, ginecologia, colorretal, hepatobiliar e esófago-gástrica.
Margarida Marinho, responsável pela Unidade de Endoscopia do Serviço de Ginecologia daquele hospital, conta que “a ginecologia fez a sua primeira cirurgia robótica em março e, desde então, temos vindo a crescer em número”, com uma média de uma a duas cirurgias robóticas por semana de patologia ginecológica benigna e oncológica, do cancro à endometriose, passando pelo prolapso vaginal.
Também no Porto, mas desta vez do Hospital de Santo António, são os robots Hugo e Rosa a revolucionar os blocos operatórios. O primeiro serve a urologia, a ginecologia e a cirurgia geral em doenças como o cancro de próstata, rim ou colorretal, obesidade e hérnias da parede abdominal; o segundo dedica-se à prótese total do joelho (a intervenção mais regular), mas também a cirurgias ortopédicas da anca e da coluna vertebral.
“Em 2023 (praticamente nos últimos três meses) foram realizadas 30 próteses totais de joelho com apoio de robot, estando prevista para 2024 a realização de cerca de duas centenas, e esperando-se um incremento sustentado nos anos seguintes, substituindo progressivamente as cerca de cinco centenas realizadas anualmente pelo método tradicional”, diz António Oliveira, diretor do Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar Universitário de Santo António.
A cirurgia cardiotorácica é outra especialidade a beneficiar deste avanço. Javier Gallego conta que foram “pioneiros ao realizar a primeira cirurgia de reparação valvular mitral em Portugal, há cerca de dois anos” e, desde então, os casos multiplicaram-se, do bypass coronário às patologias congénitas, passando pelo cancro do pulmão ou os defeitos do septo interauricular.
No âmbito da cirurgia pulmonar, prossegue, “destaca-se a grande inovação na técnica Uniportal RATS, que consiste na utilização de uma única incisão de três centímetros para inserção dos braços robóticos, em contraponto às quatro ou cinco incisões que são realizadas nas técnicas convencionais”. Técnicas “inovadoras e menos invasivas” que lhe valeram recentemente dois prémios internacionais em cirurgia cardiotorácica e cardiovascular.
“O robot permite-nos fazer movimentos muito mais amplos, elimina o tremor e a precisão é enorme”
HUGO PINTO MARQUES
Diretor de Cirurgia Geral e da Unidade Hepatobiliopancreática do Hospital Curry Cabral