VOGUE (Portugal)

Bring it back, bring it back to me.

Somam-se 18 anos a um vestido Versace e o que é que acontece? Nada. Por Beatriz Teixeira.

- Por Beatriz Teixeira.

Em 1994, estreia a comédia romântica Quatro Casamentos e um Funeral, Liz Hurley de braço dado ao então namorado Hugh Grant. Estamos situados? Foco no vestido. Sim, aquele Versace preto, com decote exuberante, impedido de revelar demasiado por alfinetes dourados colocados estrategic­amente nos sítios certos, e que ficou indiscutiv­elmente conhecido pelo Universo como “that dress” sem ser preciso grandes explicaçõe­s. Havia quem nem sequer soubesse quem era Hurley, mas que nunca se subestime o poder de um vestido. “Na altura, os vestidos na passadeira vermelha eram recatados. A visão de Hurley naquele vestido enaltecedo­r com laterais golpeadas e decote profundo fez dela uma estrela de imediato, apesar de poucos terem ouvido falar dela até então. De certa forma, aquele vestido lançou a cultura das celebridad­es como a conhecemos”, disse o The Guardian em 2012. Não é exagero e foram precisos 18 anos para alguém se atrever a brincar ao who wore it better (esse alguém foi Lady Gaga com a bênção de Donatella). Mas o “that dress” foi só uma espécie de princípio. Seis anos depois, nos Grammy Awards de 2000, Jennifer Lopez surgia dentro de vestido verde de chi‚on fluido com decote abaixo do umbigo e nós tivemos a certeza de que a Versace era perita em fashion moments, daqueles com vida eterna e de que falaremos até que a morte nos separe. Gostamos demasiadam­ente disso, de recordar o melhor do passado, e sabe-se lá quando é que vamos parar de o tentar trazer para o presente. Bem, no que depender de Donatella, nunca. Foi ela que o garantiu quando encerrou a semana da Moda de Milão do verão do ano passado com uma reunião de supermodel­os da classe de 1990 ao som de Freedom de George Michael; e que o recordou com mais um desfile-tributo ao irmão Gianni (seria o seu 72.º aniversári­o), levando para a passerelle do Pre-Fall 2019 uma série de recriações da sua primavera de 1994 – “that dress” incluído – e, claro, daquele icónico vestido usado por JLo, da estação quente de 2000.

Nenhuma ida aos arquivos precisa de justificaç­ão, mas Donatella nem sequer tem lá ido sozinha. Marc Jacobs, por exemplo, viajou no tempo até 1993, recuperou a sua tão revolucion­ária coleção Grunge para a Perry Ellis, pô-la à venda em novembro passado exatamente igual, e até tivemos direito a voltar a ver Naomi Campbell com o mesmo look de há 25 anos com beanie arco-íris e tudo. E Jacobs finalmente reuniu os aplausos que não reuniu antes. É que, naquela altura, a Moda queria era vestir mulheres para o workspace e a crítica estava tudo menos preparada para ver Campbell, Kate Moss, Carla Bruni, Tyra Banks e Christy Turlington com ar desleixado em slip dresses, camisas de

flanela, botas de combate, chinelos Birkenstoc­k e sapatilhas Converse. As autoridade­s não se contiveram. Suzy Menkes disse que o grunge era medonho, Cathy Horyn comparou-o a uma maldição da Moda (“uma grande casa da Sétima Avenida fazer este tipo de statement a esse preço é ridículo”. Auch) e Jacobs acabou com uma carta de despedimen­to no colo. Mas também com a certeza de que este foi e será sempre o desfile da sua vida. “A coleção Grunge epitomou a primeira vez em que na minha carreira profission­al estive decidido a ver a minha visão ganhar vida na passerelle, sem compromiss­os criativos”, confessou recentemen­te.

Seria absurdo dizer que as viagens ao passado são de agora, afinal a Moda está sempre a olhar para atrás, e até podíamos recordar pela enésima vez o retorno da saddle bag da Dior, da baguette da Fendi, dos padrões dos anos 90 da Gucci e, voltando à Versace, daqueles que foram os everyday sunglasses do rapper Notorious BIG (20 anos depois, estiveram à venda durante um mês na Barneys. Conseguiu apanhar alguns?). Estamos mais nostálgico­s que nunca e a métrica do Google confirma-o com um top de pesquisas de 2018 que incluiu “1980s fashion”, “grunge fashion”, “1990s fashion”e“2000s fashion”. De repente, todos os dias passaram a ser bons dias para um fashion comeback e “nos últimos 18 meses, as marcas ganharam o hábito de ressuscita­r itens do arquivo para fazer deles sucessos comerciais e de Instagram”, analisou o Vogue.com.

Mas por que andam os designers tão obcecados por trazer de volta os seus greatest hits? A pergunta também foi feita pelo The New York Times, que respondeu com outra pergunta: porque não? “Bem, os músicos fazem-no, já para não falar de Hollywood (Mary Poppins Returns, alguém?), por isso, porque não a Moda? Funcionou tão bem antes, porque não funcionari­a outra vez?” É que a indústria também se agita com o que é antigo, afinal de contas, a novidade pode ser também uma novidade familiar, uma novidade que já vivemos antes e que não se esgotou de uma só vez. Leandra Medine, do Man Repeller, concorda e, numa review do desfile de Pre-Fall 2019 da Chanel com vibes de Antigo Egito, escreveu: “Isto, mais do que outra coisa qualquer, lembra-me que o que é novo nem sempre é revolucion­ário. Esta forma de vestir trazida do Passado, colocada no contexto do Presente, pode contar uma história interessan­te sobre o Futuro. E honrar, mesmo louvando o trabalho que já foi feito e trazendo-o de volta para a linha da frente, à sua maneira, uma forma de seguir em frente.” Ou não foi precisamen­te isso que Jacobs fez quando recuperou das cinzas 26 looks que um dia foram tão erradament­e espezinhad­os pela indústria? Chamem-lhe nostalgia, eu digo que a vingança, por agora, serve-se vintage. ●

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