In with the old, in with the new.
Dois designers que têm tanto de frescura como de sabedoria.
Batsheva Hay
Existe um oceano que nos separa de Batsheva Hay. Mas, quando olhamos para os vestidos da musa que é criadora, e da criadora que é musa, com as suas golas exageradas, mangas volumosas e padrões impressionantes, que repensam a tradição do modelo intrinsecamente feminino, sem perder a aura que nos fascina à primeira, à segunda e à terceira vista, a distância desaparece. Porquê? Porque queremos mergulhar no romantismo do Prairie Dress, nadar na inocência do Apron Dress e flutuar na feminilidade do Bib Dress. Fundou a sua marca homónima em 2016, com peças para raparigas e mulheres. O que é que a inspirou a seguir esta carreira? Queria desenhar para mim mesma, e nunca pensei que isso se transformasse numa marca. Comecei por criar um vestido que, na minha cabeça, conseguia adaptar-se a diferentes tipos de tecido, mas esse vestido era só para mim. Nessa altura, só usava roupa vintage, e os meus vestidos vintage estavam a deteriorar-se de tal maneira que só queria criar algo que se parecesse com eles, mas que transmitisse um sentimento de novidade.
Quando pensa em Moda, qual é a primeira memória de que se
consegue lembrar? Nunca possuí “moda” – mas, desde criança, era apaixonada por figurinos e vestidos com folhos da Laura Ashley. Durante a adolescência, comecei a sentir-me obcecada por algumas peças de roupa mais aventureiras que via nas páginas da Vogue e da W, de nomes como Vivienne Westwood ou Christian Lacroix. Mas, claro, não era algo que eu pudesse comprar. Sempre fiz o melhor que conseguia com peças vintage.
Lembra-se da primeira peça de roupa que criou? A primeira peça que criei foi um vestido de camponesa – a gola e as mangas tinham folhos e proporções exageradas. A minha inspiração foi um vestido vintage da Laura Ashley, que usei até à exaustão, mas acabei por torná-lo ainda mais exagerado. Diverti-me tanto com essa primeira experiência que acabei por ficar viciada e com imensa vontade de criar outro modelo. Como descreveria a sua estética? A minha estética é hiperfeminina e old-fashioned – ao ponto de brincar com todos esses elementos e fazer troça deles. Durante o processo criativo, onde encontra inspiração? A minha inspiração está na fantasia dos trajes Vitorianos e das peças de roupa vintage que tenho, e em artistas icónicos como Cindy Sherman e Judy Chicago. Quando está a trabalhar numa nova coleção, tem uma imagem clara da mulher para quem está a criar? Estou sempre a criar para mim mesma! A cada estação que passa, penso em novas coisas que quero vestir e que ainda não tive oportunidade de desenhar. Aos poucos e poucos, estou a construir o meu guarda-roupa de sonho. Pode parecer egoísta, mas acho que é por isso que a minha visão e o meu ponto de vista são tão claros.
Quem é o seu ícone de estilo? A Cinderela.
A sua infância foi passada em Queens, Nova Iorque. Diria que o ambiente onde cresceu influenciou a sua estética? O bairro onde cresci não atraía pessoas muito criativas, mas a minha mãe era artista e tínhamos uma vida caseira muito criativa – estávamos sempre a pintar e a brincar com tecidos. A minha mãe ensinou-me uma linguagem estética que eu não partilhava com nenhum dos meus amigos, porque aquilo que eles queriam era comprar o último lançamento da Tommy Hilfiger.
Quem foram os designers que mais inspiraram o seu estilo? Betsey Johnson, Norma Kamali, Vivienne Westwood e Jean-Paul Gaultier. Qualquer coisa que fosse divertida e excessiva. As suas criações jogam com diversos estilos de vestuário feminino e referências históricas, das influências Vitorianas à imagem convencional de uma dona de casa. Porque é que esta estética a inspira e fascina tanto? Participei em muitas peças de teatro durante o ensino secundário – particularmente de Shakespeare –, e penso que foi aí que me apaixonei pelos figurinos. Queria vestir os figurinos que usava nas peças de teatro na rua. Hoje, injeto as minhas criações
com feminilidade esse mesmo e levar drama. as pessoas Acho que a questioná-la. é bastante divertido exagerar a Quando olhamos para uma criação Batsheva, algo que nos atrai de imediato são os estampados, sejam eles florais ou patchworks.
Onde encontra estes prints impressionantes? Alguns são tecidos vintage que encontro em mercados ou no eBay, e outros são de fábricas americanas que desenvolvem tecidos para acolchoar. Recentemente, comecei também a desenvolver os meus próprios tecidos. Enquanto designer que mistura o velho e o novo, qual é o maior desafio de trazer de volta todos estes estilos e referências, sem perder a relevância para os dias de hoje? O velho é sempre relevante! Penso que toda a gente quer esses estilos mais antigos – basta olharmos para o modo como as pessoas estão obcecadas com peças de roupa vintage. Aquilo que faço é distorcer um pouco esses visuais, maioritariamente, através do seu exagero. Acha que a indústria da Moda está a tornar-se cada vez mais obcecada com a nostalgia, e que isso influencia a forma como os consumidores se querem vestir, e as peças que querem comprar? A nostalgia é fantástica, mas é preciso que exista um elemento entusiasmante, uma forma diferente e nova de fazer. Nos dias que correm, acho que os consumidores querem sentir aquele toque especial quando olham para aquilo que os designers estão a criar. Acho que os consumidores querem algo que os desafie. Hoje, e talvez mais do que nunca, a indústria move-se a um ritmo verdadeiramente alucinante. Tal muda a forma como olhamos para a Moda e apreciamos o processo criativo, especialmente o
dos novos talentos? Penso que sim. Aquilo que tento fazer é manter as minhas coleções pequenas e direcionadas a um target. Não me vão ver a criar calções curtos. Estou focada naquilo de que eu realmente gosto – que é, em grande parte, criar vestidos. Com isto, o que espero conseguir é atrair consumidores que querem, verdadeiramente, aquilo que eu tenho para oferecer, ao invés de me dispersar de uma forma vazia e tentar ser algo que não sou. Nos dias que correm, o que é que o estilo pessoal significa para si? O estilo pessoal deve ser algo simples e instintivo. Cada pessoa tem os seus próprios instintos. Aquilo que vês quando olhas para as minhas coleções são os meus instintos particulares. As suas criações jogam com todos estes elementos de estilos femininos antigos, ao mesmo tempo que refletem uma feminilidade livre e moderna. Como encontra o equilíbrio entre ambas? Adoro a tensão que se cria quando se combina estilos antigos com ténis ou bonés de basebol, e se pensa nesta ideia de styling mais forte, em conjunto com os vestidos girly. Para mim, está tudo neste jogo entre forças opostas. Para si, qual seria a peça perfeita para materializar a expressão “something old, something new”? Adorava criar vestidos de noiva! (Não é essa a origem da frase, “something old, something new”?). Criava-os a partir de toalhas de mesa antigas.
Steve O Smith
Podíamos chamar-lhe um puzzle de memórias do passado, vivências do presente e previsões do futuro. Nele, existem diversas peças: um power suit encarnado com botões pérola, um skirt suit com padrão de cobra cor-de-rosa e um vestido-smoking preto com mangas exageradamente volumosas, conjugado com uma camisa branca eclética. Nele, as diversas peças foram recortadas para uma musa do antes, e uma mulher do agora. Nele, a imagem final é a de Steve O Smith – e ainda bem que assim é. Criou a sua marca, SOS, em 2017. O que é que o inspirou a
seguir uma carreira como designer? Sempre quis ser designer, assim que soube que podia ser uma carreira. Diria que aquilo que me inspira é a satisfação e a felicidade que sinto ao fazer o meu trabalho.
Qual é a sua primeira memória relacionada com Moda? A minha avó era costureira, e quando era mais novo, eu e os meus irmãos passávamos algumas semanas com ela todos os verões, em Uttoxeter. Quando estava lá, costumava sentar-me com ela, a vê-la criar os vestidos para as suas clientes, ao mesmo tempo que brincava com pedaços de tecido. Esta é, provavelmente, a primeira memória que tenho. Lembra-se da primeira peça que criou? Essa mesma avó fez-me um vestido amarelo tipo princesa quando eu era mais novo, para o qual contribui com algumas ideias de design.
Como descreveria a sua estética? Sempre me senti atraído por cores fortes e formas exageradas, e gosto de imagens que contem histórias. Também diria que a minha sensibilidade estética consegue ser um pouco irónica – gosto de peças que disputem a linha entre o bom gosto e o mau gosto. Ao longo dos anos, quais foram as suas maiores influências? O primeiro meio que realmente me influenciou foi o desenho e, por causa disso, comecei a olhar para o trabalho de diferentes ilustradores
de Moda quando era mais novo, como David Downton, Bruno Pieters e Elise Overland. Também lia muitas revistas, entre elas a Dazed,a Love, a i-D, a Pop e, claro, a Vogue. Essas publicações ensinaram-me muito sobre Moda, especialmente através da fotografia e da imagem. Outra grande influência foi o meu diploma da Rhode Island School of Design, porque me incentivou a ter uma abordagem muito prática do modelo de corte e da construção, algo que pratico ainda hoje. Quando está a trabalhar numa nova coleção, onde encontra
inspirações? Geralmente, tenho uma ideia primária do conceito central que quero explorar, e deixo que isso guie a minha pesquisa. Para a minha coleção Ascension, por exemplo, a primeira ideia surgiu quando estava no Louvre, em Paris. Depois de algumas horas passadas no museu, comecei a sentir-me muito interessado pelas representações dos anjos e pela ideia de uma ascensão enquanto escapismo divino. Tinha uma ideia muito marcada destes anjos franceses rococó na cabeça, e a sua roupa a tornar-se cada vez mais abstrata à medida que ascendiam aos céus. A partir daí, pesquisei imenso em bibliotecas, para ter uma ideia mais específica das formas e do styling que queria. Em termos do sentimento e da história cromática, mantive-me bastante fiel às obras que me fascinaram aquando da minha visita ao Louvre – particularmente o trabalho de Eustache La Sauer. No geral, havia algo muito puro e encorajador neste conceito, que me fascinava quando comparado com tudo aquilo que estava (e está) a acontecer no mundo. Na minha cabeça, se tivesses de ascender aos céus, agora seria a altura perfeita para o fazer. Nesse sentido, acho que a ideia da coleção foi uma reação àquilo que estava a acontecer no mundo, naquele momento.
A par desse sentimento angelical, Ascension apresenta uma justaposição de outras inspirações: se por um lado temos uma mulher etérea, ao estilo de Maria Antoinette, com peças em
seda, laços e transparências, por outro, o padrão‑cobra, as lan‑ tejoulas e as penas mostram‑nos uma faceta mais provocadora e rebelde. O que o inspirou a misturar estes dois mundos numa
única coleção? Durante a minha pesquisa, o detalhe que mais me marcou foi o facto de não existir nenhuma base manuscrita sobre a aparência dos anjos, e que toda a ideia de estes terem asas era uma mera interpretação artística popular. Outro pormenor interessante é que a roupa que os anjos usam nas representações são essencialmente baseadas nas formas de vestir contemporâneas de outras figuras da pintura, nomeadamente o estilo greco-romano das representações renascentistas. Queria fazer a minha própria interpretação daquilo que um anjo vestiria, e contar a história da ascensão através do progresso da coleção. Tinha esta ideia de os anjos serem um pouco apáticos e atrevidos, porque me parecia uma interpretação mais interessante de um ser imortal, que espera eternamente para pastorear os humanos até aos céus. Para contar esta história, dividi a coleção em três partes – queria que as cores e as texturas refletissem o processo da ascensão, e que os estilos e as formas transmitissem a ideia geral da ascensão. Os primeiros seis looks representam a viagem dos anjos, da terra até às nuvens, e são monocromáticos porque decidi que a própria Terra, quando comparada com o Céu, seria monocromática. O padrão-cobra e as cores mais vibrantes e contrastantes dos seis looks seguintes representam o percurso turbulento dos anjos pelas nuvens. Os seis looks finais mostram a última fase da ascensão, com looks inteiramente coloridos, à medida que os anjos assumem a sua verdadeira forma. Ao longo da coleção, os volumes e as formas foram pensados para criar um certo dinamismo, como se os anjos estivessem a flutuar, mas também para fazer referência à ideia das asas.
Num registo totalmente distinto, a sua coleção outono/inverno 2017 usou o Brexit como fio condutor, e a sua coleção outono/ inverno 2018 foi um tributo à Imperatriz Matilda. Sente que a cultura britânica influencia o seu processo de criação? Penso que a Moda é muito do momento e, por causa disso, estará sempre contextualizada no tempo em que foi criada – é por isso que tento estar informado sobre aquilo que se passa no mundo, para que tudo isso possa ser uma influência nas minhas criações e nos meus conceitos. Neste momento, é impossível ser-se jovem no Reino Unido e não estar preocupado com o clima de incerteza e aquilo que o partido conservador está a fazer ao nosso país, especialmente porque a geração jovem terá de viver com as consequências da situação por muito mais tempo. Estas preocupações tendem a penetrar no nosso trabalho, de uma forma muito natural, especialmente por serem tão predominantes nos dias de hoje.
Nasceu no Reino Unido, mas formou‑se nos Estados Unidos. Para si, o que distingue o estilo britânico do estilo americano, e o que é que o entusiasma mais em cada um deles? Algo que notei como diferente é que a cultura do fato e do uniforme no Reino Unido, na minha opinião, influenciou os movimentos de estilo entre
a juventude britânica, tornando-os mais subversivos de um modo provocador (como o punk, por exemplo). Nos EUA, penso que essa subversão é mais subtil (por exemplo, através do normcore). Sente que a indústria da Moda está obcecada com a nostalgia? Penso que a indústria da Moda tem uma obsessão com a novidade – o seu ciclo de vida moderno é tão rápido; algumas criações que pensamos serem relativamente recentes, na verdade, já são suficientemente passadas para serem revisitadas. No meu trabalho, tenho tendência a sentir-me verdadeiramente entusiasmado e focado com os meus próprios conceitos. Quando estou a criar uma peça de roupa, existe um sentimento de felicidade muito real, e espero que ele se traduza nas minhas criações.
As suas peças recuperam alguns estilos influentes no passado, como o power suit, o skirt suit ou o padrão animal. O que é que o inspira a reaver estas referências? Acho que é interessante reavaliar estes estilos antigos, porque os seus significados são automaticamente alterados quando os colocas no contexto do presente. Com o padrão animal, os skirt suits e os power suits da coleção outono/inverno 2018, pensei que explorar uma estética tradicionalmente europeia, enquanto jovem designer britânico no Reino Unido em 2018, era só por si uma afirmação, e relacionava-se com a ideia de Matilda ser “demasiado europeia” para se tornar Rainha de Inglaterra.
Como encontra o equilíbrio entre tendências que eram in‑ fluentes no passado, sem perder a relevância para os dias de hoje? Penso que a Moda é inerentemente sobre o presente e, nesse sentido, tudo aquilo que criares é automaticamente relevante. Acho que quando a pesquisa histórica é bem-feita diz algo sobre o passado que ecoa no presente, e penso que é aí que encontramos o equilíbrio.
Nos últimos tempos, diversas marcas têm recuperado estilos icónicos e quase nostálgicos, procurando interpretá‑los com uma
visão contemporânea. O que pensa deste revivalismo? Quando uma marca revisita o seu próprio estilo, penso que é apenas uma estratégia de marketing eficaz para uma nova geração de consumidores, que cresceu a olhar para estes estilos antigos nas redes sociais. Quando desenvolveste uma identidade visual tão forte, como muitas destas marcas conseguiram, penso que é bastante interessante e válido ir aos teus próprios arquivos e atualizar alguns dos estilos mais icónicos, desde que essas reinterpretações estejam em linha com o modo como as atitudes da sociedade mudaram ao longo do tempo.
O que é que o estilo pessoal significa para si, hoje? Penso que, para uma geração que está a conquistar a identidade, o estilo pessoal será menos sobre tribos e mais sobre gosto individual. Para mim, o estilo pessoal devia ser um sinónimo de as pessoas vestirem aquilo que realmente gostam, ao invés daquilo que lhes dizem que elas deveriam gostar. E qual seria a peça perfeita para materializar a expressão “something old, something new”? Adorava pegar num daqueles vestidos que a minha avó fez quando era viva e dar-lhes a minha própria interpretação. Penso que isso seria mesmo cool e, provavelmente, seria uma experiência muito emotiva para mim. ●