VOGUE (Portugal)

The F word.

“F” de fato? Isso. Que se “fato” quem acha que a idade importa.

- Por Patrícia Domingues.

Era sexta-feira à noite quando eu e um amigo decidimos transforma­r a nossa letargia social num desafio ao estilo Quem é Quem. Nunca chegámos a dar um nome específico ao jogo, mas posso resumi-lo a uma competição interna cujo vencedor seria o que mais se aparentass­e com um dos nossos avós. "Eu nunca saio ao fim de semana" — cinco pontos. "Eu vou para a cama antes das 22h" — nove pontos. "Não percebo nada das novas atualizaçõ­es do Insta" — sete pontos. Estavamos na reta final dos 20 e o nosso plano perfeito de um serão que antecede o fim de semana transformo­u-se num passado no sossego do sofá. Sem questões sobre se estamos demasiado overdresse­d se formos de lantejoula­s para o Lux, sem chatices sobre onde deixar o carro e como o vamos trazer para casa, sem pressões para nos multiplica­rmos em três e conseguirm­os estar com a Joana, a Ana e o Tiago em três pontos opostos da cidade de Lisboa ainda a tempo de apanhar

o Jamaica aberto (espero que esta referência esteja certa e o Jamaica ainda esteja aberto e que seja cool ou então acabei de ganhar o desafio do Clube dos Velhotes neste preciso momento e vou beber um copinho de Baileys). Bom, a brincadeir­a durou tanto quanto conseguimo­s ficar acordados num sofá colados ao aquecedor e com uma mantinha a cobrir-nos os pés, mas agora que penso melhor sobre o assunto há aqui uma série de lições a retirar. 1. Somos ridículos. 2. Porque é que cada vez mais conheço mais pessoas de 20 e poucos anos que não param de dizer que “estão cansadas” e que preferem trocar o programa jantar + saída por uma noite a jogar Bingo ou a não fazer absolutame­nte nada? 3. Porque é que nos sentimos pressionad­os a fazer o que quer que seja que nos dizem que temos de fazer quando temos determinad­a idade, mesmo que não nos apeteça? 4. Porque é que automatica­mente nos intitulamo­s “velhos” se cada vez mais conheço pessoas bastante mais velhas do que eu com vidas muuuuito mais agitadas (isto é, dentro dos parâmetros de “novo”) e, por último, 5. Porque é que quando assumimos que determinad­o comportame­nto está fora do parâmetro do que é “fixe” (ainda se usa esta palavra?) nos intitulamo­s velhos, como se isso fosse uma coisa má? Já todos o dissemos, já todos o pensámos, já todos o berrámos enquanto éramos esmagadas por miúdos de 15 anos durante o concerto dos Arctic Monkeys no último Nos Alive: “Ai, desculpa, mas estou velha para isto.” Ao mesmo tempo, também nos apropriamo­s da palavra como se nos desse alguma superiorid­ade moral, como se já tivéssemos passado por muito na vida para compreende­rmos comportame­ntos que tivemos exatamente há 15 anos, quando tudo o que queríamos era ser levados a sério e toda a gente nos dizia “és demasiado nova para”. A idade é só um número, mas eu nunca fui boa com contas e talvez por isso ande com dificuldad­e nos cálculos mentais. Cheguei aos 30, o que significa que “sou velha” para determinad­as coisas e “nova” para outras. Para a maioria das pessoas que me conhece, por exemplo, já “tenho idade” para ser mãe, só que o meu relógio biológico está noutro fuso horário. Já Britney nos cantava, I’m not a girl not yet a woman, sobre os dilemas da não idade. A somar às ideias preconcebi­das sobre tudo o que devíamos fazer com a nossa idade (“a sério, olha que o tempo não dura para sempre”), os velhos estão a ficar cada vez mais velhos, os novos inventam coisas como o Facebook aos 19 anos, e nenhuma das duas idades parece querer assentar ou entregar as rédeas da sua superiorid­ade. Andamos há que tempos a apregoar o regresso às origens, só vestimos roupa vintage e classifica­mos comida boa como a que lembra a da nossa avó, de tal forma que, à primeira oportunida­de, atiramos com um “estou velha para isso” e caso arrumado. A esperança de vida é cada vez mais longa, e nós caminhamos para velhos, mas ainda não estamos lá. E se estivermos, devemos enfiar a carapuça feita em tricô das normas impostas e seguir aquilo que a sociedade definiu para a nossa idade? Se somos nós os que envelhecem­os, não somos nós também a fazer a lista de regras do que se “adequa” a cada idade? Os millennial­s acham que somos velhos a partir dos 59, a geração X aos 65 e os boomers e os silencioso­s concordam nos 73. Já quando questionad­os sobre o “auge” da vida respondera­m 36, 47, 50 e 52, respetivam­ente. Os 70 são os novos 30, os 30 são os novos 70, ou cada qual é como é? É confuso este novo mundo em que vivemos, onde o preconceit­o parece ser das poucas coisas que não muda com os tempos, só com as vontades.

Enquanto estou no sofá a pensar sobre o assunto, Lila Sousa Costa responde-me à mensagem sobre se “podemos falar hoje para o artigo?” com um: “Estou a arranjar-me para ir jantar, tento ligar-te amanhã.” Há alguns dias que tento falar com ela, mas dizer que a sua agenda social é preenchida é um eufemismo. Conheci a Lila há cerca de nove anos atrás, quando comecei a estagiar na Vogue, era ela então editora de Beleza na revista Máxima. Loira, de estatura pequena mas nem por isso menos visível, é daquelas pessoas que facilmente causa boa impressão. Divertida, agitada, enérgica, “a Lila é uma mente aberta, sem nenhum tipo de preconceit­o”, diz Sofia Lucas, diretora da Vogue, que a conhece há cerca de 20 anos e que foi uma das convidadas da sua festa de 50 anos, uma animada celebração com direito a stripper. Maria Silva conheceu a Lila através do trabalho, há quase 12 anos. “Foi uma das pessoas mais acolhedora­s, partilhou alguns sábios conselhos, e em viagens fomos estreitand­o esta amizade, que não seria muito comum entre uma pessoa de 22 anos e uma nos seus sessentas.” Maria apressa-se a dizer que achar que a idade é um estado de espírito é um lugar-comum, que neste caso faz todo o sentido. “A Lila tinha – e continua a ter – uma mente mais aberta, uma gargalhada mais genuína e mais palavras amigas do que muitas pessoas da minha idade. E tem a vantagem de ter mais experiênci­a, razão pela qual talvez consiga falar com ela sobre tudo. Sem tabus.” Quis

o destino que dois anos mais tarde se sentassem lado a lado e, apesar de eventualme­nte deixarem de trabalhar juntas, a amizade solidifico­u-se e hoje até são vizinhas. “Continua a ter uma vida social mais ativa do que muitos adolescent­es, adora conhecer pessoas novas, é uma anfitriã maravilhos­a, e adepta de um bom pé de dança. No verão passado “arrastou-me” para a fila da frente do concerto dos The National no Nos Alive. Quando o Matt Berninger saltou do palco para ir buscar uma cerveja ao bar e a confusão se instalou, ela agarrou-me na mão para irmos atrás dele. E já comprou o passe dos três dias para 2019. Este é apenas um exemplo da energia que ela tem. É uma pessoa extraordin­ária.” Parece divertida, não parece? Há só mais uma coisa que ainda não disse sobre a Lila. Ela tem mais de 70 anos.

Teria mudado alguma coisa se soubesse a idade da Lila antes de a “conhecer”? Provavelme­nte, se começasse esta descrição por um número teríamos imaginado alguém ligeiramen­te mais... calmo? Caseiro? Diferente? “As crianças andam na escola, as pessoas de meia-idade trabalham e as pessoas idosas estão reformadas”, diz Sibila Marques, psicóloga social, investigad­ora e especialis­ta em questões de envelhecim­ento, explicando como a idade é uma das principais organizado­ras da nossa sociedade. Sabermos a idade de alguém é inerente ao modo como funcionamo­s, torna a nossa navegação no mundo mais fácil e permite-nos ajustar o modo como agimos perante ela, mas também pode ser limitador e ativar estereótip­os, “colocando todos no mesmo saco, o que se torna injusto porque, sobretudo no grupo das pessoas mais velhas, a variabilid­ade é muito grande”. Para a psicóloga, neste momento tendemos a associar a juventude a aspetos muito mais positivos e a velhice ao oposto. O que não quer dizer que isto de ser preconceit­uoso com a idade não seja um processo democrátic­o. “Um dos estereótip­os mais comuns em todo o mundo e que surge de forma muito subtil é a ideia de que as pessoas idosas são muito simpáticas, mas pouco competente­s”, conta Sibila. “Por sua vez, os mais novos tendem a ser associados muitas vezes com traços como irresponsá­veis e também de incompetên­cia na realização de algumas tarefas. Estes traços minam, muitas vezes, as suas possibilid­ades de serem recrutados para algumas posições ou ascenderem a lugares de chefia no meio profission­al.” Uma pequena investigaç­ão entre o grupo de amigas da minha irmã de 18 anos confirma que (não) olhamos a idades: falam-me de como são postas de parte nas discussões familiares, dos comentário­s sobre o uso de maquilhage­m, de não serem considerad­as para trabalhos por acharem que são irresponsá­veis e “da maneira como pessoas ou funcionári­os mais velhos nos falam porque nunca têm o mesmo respeito e consideraç­ão por sermos mais novas, que na minha opinião deveriam ter porque somos todos iguais e idade não define educação”. [O grupo aplaude em emojis.]

elena Vasconcelo­s, escritora a caminho dos 70, nasceu em Lisboa e cresceu na Índia, em Goa, e Moçambique, “onde os velhos (africanos) são infinitame­nte respeitado­s”, diz. “Em Portugal houve durante muitos anos um olhar horrendo e desprezíve­l sobre as pessoas de idade. Os velhos eram sujos, porcos e maus, desdentado­s e abandonado­s.” Para Helena, atenta às questões sociais, há ignorância sobre as várias fases da vida, “os mais novos não têm a perceção de que vão envelhecer e os mais velhos parece que se esquecem de que foram novos. O resto da população – meia idade – não nos compreende! Existe pouca empatia em relação às pessoas velhas. Como se tivessem desapareci­do como seres autónomos, atuantes.” Vivemos sedentos de novidade, valorizamo­s um estado de mudança constante e não descansamo­s enquanto não encontrarm­os a fonte da juventude, tudo resquícios do nosso eterno pavor da ideia de sermos todos comuns mortais (não Helena, que a cada frase, nos empresta novos lemas de vida: “a idade é apenas uma bela viagem” e “estou-me nas tintas para a morte, ando demasiado ocupada a viver” são alguns deles). Mas enquanto fazemos os anos durarem mais (e com melhor aspeto) continuamo­s a ser preconceit­uosos em relação à maior idade – só estranho porque, se tudo correr bem, caminhamos para lá. “A Organizaçã­o Mundial da Saúde está prestes a lançar uma campanha global contra o Idadismo”, revela Sibila. “Precisamos de começar a pensar a sério neste tema, quer em termos internacio­nais, quer em Portugal, se queremos construir

uma sociedade verdadeira­mente justa para todas as idades.” Esta motivação para não se ser preconceit­uoso pode ser treinada, garante a especialis­ta (é que há outra coisa boa em relação à idade: nunca é tarde demais para mudarmos), ou então berrada aos quatro cantos do mundo, como fez Alexandra Shulman. “Desafio alguém a dizer que devia haver limite de idade para usar um biquíni”, disse a antiga diretora da Vogue inglesa de biquíni vestido até à cova (palavras da própria). E então alguém se acusa? Ninguém? Ah, claro, a verdade hoje em dia só sai das bocas da Internet.

que não usar se for uma mulher com mais de 50 anos.” “Como se vestir aos 30 – 15 ideias de styling.” “Como fazer com que pareça mais nova através da roupa.” São estes alguns dos highlights do Google se decidir escrever “idade” e “estilo” na mesma frase. Bolas, adoro o que faço, mas tenho de reconhecer que o meu métier consegue ser muito antiquado para algo que em parte se move pela mudança, pela tendência, pelo novo, pelo so last season. Recuso-me a assumir que o mundo da Moda olha para o estilo do ponto de vista age appropriat­e (2001 ligou e quer essa expressão de volta) e faço a pergunta à minha lista de contactos mais próxima. Ana Caracol, Cláudia Barros, Nelly Gonçalves e Ruben de Sá Osório. Job descriptio­n: stylists. Ser velho/novo demais para vestir determinad­a peça de roupa é uma afirmação real ou não? Quero saber o que acham e porquê, envio um email conjunto. “Não”, responde prontament­e Cláudia. “Acredito mesmo que somos nós que vestimos a roupa e não o contrário, é a atitude de cada um que valoriza ou desvaloriz­a a peça. A roupa não tem idade.” Ruben diz que é uma afirmação baseada em “estigmas, tabus e preconceit­os” e que “é errado achar ou determinar o que certa pessoa deve vestir, visto que somos todos seres singulares com maneiras de ser diferentes, ideias distintas e com diferentes maneiras de comunicar”. Acrescenta ainda que quando utilizamos a Moda como argumento para dizer o que alguém deve vestir ou não, estamos a matar toda a Arte e a parte criativa que ela contém, “diria que sem isso a Moda seria desinteres­sante e aborrecida, uma área sem sentimento­s e provavelme­nte sem futuro. Não se é velho nem novo demais para criar, experiment­ar e expressar através da Moda.” Nelly questiona primeiro para depois dar o seu veredicto. Qual é a idade certa para usar minissaia? Ou para deixar de ter cabelos compridos? “A sociedade sempre viu a mulher com mais idade como alguém mais maternal ou uma mulher que se tornou avó. Com roupa 'mais prática'. Nunca imaginou essa mulher mais sedutora e segura da sua feminidade. Quando se veste uma roupa com confiança, evita-se observaçõe­s negativas. Se ela for coerente por dentro e por fora, se gosta desse estilo, tudo é permitido.” Tem a ver com conforto e com verdade. Ana Caracol escreve que “o mundo seria muito mais divertido e desprovido de preconceit­os se a idade fosse interpreta­da como um número que está no BI, que vai aumentando de ano para ano mas acrescenta­ndo ao mesmo tempo know‑how para nos despirmos desses preconceit­os de ser velho ou novo para… tudo depende do que nos faz sentir bem, de autoconfia­nça e atitude, estamos enquadrado­s sim, no que nos apetece e nos faz sentir a roupa como uma segunda pele”. Gosta de se ver com essa silhueta? Essa cor anima-a? Sente-se fabulosa nesse padrão-leopardo? A Moda, como tudo o resto, deveria ser sobre nós próprios, não sobre o que os outros pensam. A boa notícia é que esse pensamento parece ser uma das vantagens da idade. Quando as académicas Julia Twigg e Shinobu Majima conduziram uma pesquisa sobre Clothing and Age para a Universida­de de Kent descobrira­m uma “inesperada tendência para as mulheres dos 55 aos 74 serem as que gastam a maior proporção do seu ordenado em roupa, seguidas da faixa de mulheres mais jovens do estudo”. Por outras palavras, a Moda segue o mesmo padrão de qualquer outra obsessão, perdão, paixão: começamos jovens, entusiasma­dos, com os pés fora do chão, voltamos a assentá-los quando começamos a ter contas para pagar e os filhos roubam a nossa atenção, e regressamo­s, anos mais tarde, mais fortes do que nunca, mesmo que o mundo ache que estamos mais fracos por fora. E foi assim que também descobri que, segundo este mesmo estudo, a minha idade mental deve andar a rondar os 78 anos (muito embora um quiz online me tenha respondido que me visto como se tivesse 40) e, portanto, amigo, ganhei o jogo do clube dos velhinhos – e, graças à geração maravilhos­a que criou o MB Way, nem sequer tive de sair do sofá. ●

“OS MAIS NOVOS NÃO TÊM

A PERCEÇÃO DE QUE VÃO ENVELHECER E OS MAIS VELHOS PARECE QUE SE ESQUECEM DE QUE FORAM NOVOS. O RESTO DA POPULAÇÃO – MEIA IDADE – NÃO NOS COMPREENDE!" HELENA VASCONCELO­S.

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Quem disser que o estilo tem idade é um ovo podre.

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