VOGUE (Portugal)

Página de história, pedaço de memória.

Um pedaço da sua glória: estas são as peças mais antigas dos ícones a quem queremos invadir o armário. Fotografia de Pedro Ferreira.

- Por Mónica Bozinoski. Fotografia de Pedro Ferreira. Realização de Ana Caracol.

Manuel Alves Designer de Moda

Quando e onde adquiriu estas calças? Em Paris, no ano 1987. O que é que o fascinou mais quando as viu pela primeira vez? O lado militar, associado à intervençã­o estética, procurando um lado mais emocional e divertido destas calças. Como contaria a história destas calças? Numa ida a Paris, comprei uns sapatos em pele de cobra, de Patrick Cox. Ao lado, existia uma loja de artigos militares com intervençõ­es de valor, nessas peças estritamen­te militares. Achei interessan­te, e comprei! Qual é a memória que associa imediatame­nte a estas calças? Memórias de Paris, nos anos 80. Um mundo antagónico, face ao que se vivia em Portugal. Uma curiosidad­e enorme em tudo! O ritmo cosmopolit­a da cidade e a onda criativa que abundava em Paris. Quando foi a última vez que as usou? Em Portugal, nas saídas ao Frágil. Como é que mistura esta peça mais antiga com outras mais novas? É muito fácil a conjugação destas calças com o meu guarda-roupa. Com um blusão de couro vermelho da Dior, ou com um blazer, e uma T-shirt. Como é composto o seu armário? Tem mais alguma peça antiga além destas calças? O meu guarda-roupa é muito eclético. Tenho peças que adquiri porque fiquei apaixonado, e que uso poucas vezes, como Yamamoto, Dolce & Gabbana ou Dior. Para além destas, camisas brancas, muitos jeans, casacos azuis, pretos e cinza-antracite. Algumas peças antigas que, pelo seu valor emocional, continuam a estar presentes no meu closet – e surgirá, como sempre, um motivo para as usar. Num momento em que se discutem questões como a sustentabi­lidade na indústria da Moda, a par do ritmo alucinante que a define nos dias de hoje, sente que tem procurado comprar cada vez mais peças vintage, ou recuperar peças antigas que tem no guarda-roupa? Tenho plena consciênci­a do problema da sustentabi­lidade, tanto no sistema da Moda como no mundo. Não adquiro itens que sejam fabricados em países que não respeitem a Natureza e o trabalho digno, repudiando o trabalho infantil e a exploração do Homem. O sistema da fast fashion é altamente desumano, porque viola, ignobilmen­te, estes princípios. O valor baixo de venda, com margens de lucro enormes, são o mote para a destruição lenta dos recursos da Natureza e o aumento da pobreza no mundo. No meu trabalho, procuro a sustentabi­lidade de inúmeras formas e, no meu quotidiano, utilizo peças antigas, conjugadas com outras mais recentes. De momento, não sou um comprador que se deixa, facilmente, seduzir pelo sistema – sei bem aquilo que quero!

Diana Castello Branco Diretora de Comunicaçã­o & Imagem do Ritz Four Seasons Hotel Lisboa. Quando e onde adquiriu esta carteira? Na primavera de 2000, em Genebra. O que é que a fascinou mais quando a viu pela primeira vez?

Eu vivia em jeans nessa altura – era o meu uniforme. Quando vi as Saddle Bags da Dior, esta entrou diretament­e para o topo da minha wishlist! Para além disso, tinha um amuleto: um D, a minha inicial.

Como contaria a história desta Dior Saddle Bag?

Na altura, era o John Galliano que estava à frente da Christian Dior e a sua coleção foi inspirada na Lauryn Hill. Lembro-me de ver a Sarah Jessica Parker, na pele de Carrie Bradshaw, a usar esta carteira na terceira temporada de O Sexo e a Cidade. Comprei-a na pequena loja da Christian Dior, na Rue do Rhône, em Genebra. Lembro-me de

passar tantas vezes à frente da loja a caminho da neve, porque todos os anos, na Páscoa, ia visitar a minha irmã e os meus sobrinhos que moram lá. Entrei a achar que não iam ter a carteira – mas tinham! Dezassete anos depois, a carteira voltou a dar que falar e está a ter um revival nos braços de Chiara Ferragni e Bella Hadid.

Qual é a memória que associa a esta carteira?

O frio que estava em Genebra, no dia em que a comprei – e a felicidade que senti quando percebi que tinham a carteira. Lembro-me também dos vários fins de semana em que ela me tem acompanhad­o… City breaks em Londres ou Paris, fins de semana no Alentejo, a passear por Cascais ou em Lisboa, à beira-rio.

O que é que a torna tão especial para si?

Queria, porque queria a carteira, mas estava esgotada em todo o lado. E na altura não tínhamos a opção de comprar online. Quando a encontrei em Genebra nem quis acreditar. Tinha poupado dinheiro para a comprar, e o resto foi para o cartão de crédito! Foi a primeira compra de marca que fiz para mim mesma, com o meu próprio dinheiro. Um investimen­to – porque continua impecável, e agora não podia estar mais na moda. Só me falta a alça mais comprida, para a usar à tira colo.

Quando foi a última vez que a utilizou? Em Abu Dhabi, numa viagem de trabalho, no fim de novembro deste ano. Como é que mistura esta peça mais antiga com outras mais novas?

Continuo a gostar muito desta carteira para usar aos fins de semana. Com uns jeans e um blazer, por exemplo, ou com uma saia em pele e uma camisa branca.

Como é composto o seu armário? Tem mais alguma peça antiga para além desta?

Tenho o armário organizado por géneros e cores. Agrupo por saias, vestidos, camisas, calças, e depois por cores. Tenho imensa roupa cor-de-rosa. Muita mesmo – é a minha cor preferida, de sempre. Também gosto muito de azul-escuro. Tenho muita roupa branca, dourados e bronze, rendas e lantejoula­s. Um casaco ¾ de primavera, que era da minha mãe, feito à medida para ela, que amo de paixão. Creme com umas flores XL castanhas e pretas. Não há vez que use que alguém não o elogie. É mesmo bonito e diferente. Deve ter uns 40 anos, ou mais! Da minha mãe, tenho ainda uma Chanel 2.55, que é intemporal e está impecável. Lenços lindos e camisas com laçada, um casaco de vison que adotei a um estilo contemporâ­neo e vários jeans da 7 For All Mankind e Earl, do meu tempo de universida­de, que ainda me servem. Mesmo que alguns já estejam mais gastos, gosto deles bem escuros – às vezes ainda os uso, só porque sim. E tenho uma coleção de carteiras e sapatos: stilettos, bailarinas, sandálias… Umas sandálias da Gucci com salto em colar, e umas fitas para atar à volta do tornozelo, que usei para a festa de inauguraçã­o da Vogue, uma LV Cherry Blossom Papillon da primeira colaboraçã­o do Murakami com a Louis Vuitton… the list goes on.

Num momento em que se discutem questões como a sustentabi­lidade na indústria da Moda, a par do ritmo alucinante que a define nos dias de hoje, sente que tem procurado comprar cada vez mais peças vintage, ou recuperar peças antigas que tem no seu guarda-roupa?

Sem dúvida. Adapto muitas peças que tenho no meu armário. Ainda agora apertei umas calças em bombazina, da 7 For All Mankind, que eram um pouco à boca de sino, e que eu já não gostava. Mando cintar casacos, fazer bainhas em saias, abrir rachas… adoro reencontra­r uma peça no meu armário que não uso há anos e reinventá-la, ou usá-la de uma maneira completame­nte nova ou inesperada. Procuro muitas peças vintage e, felizmente, hoje é bem mais fácil. Além disso, gosto de coleções como a H&M Conscious, por exemplo, e peças de vestuário em algodão orgânico para o meu filho. Tenho bastante cuidado com isso – em casa, gosto de ter sobretudo fruta e legumes orgânicos, peixe de alto-mar, e produtos de limpeza que sejam naturais e não tóxicos para o ambiente. Parece-me apenas lógico ter esse cuidado, também, com a roupa. Não sou fundamenta­lista, mas tenho isso em atenção.

Namalimba Coelho Assessora de Imprensa do Museu‑Coleção Berardo Quando e onde adquiriu este vestido?

Em 2016… De onde mais poderia ser, se não de A Outra Face da Lua? Esta peça surge na sequência de um ritual meu, de usar vestidos de noiva vintage nas minhas festas de aniversári­o. É um privilégio vestir a aura e a poesia que se encerram nestas peças, por serem únicas e contarem histórias, e pela possibilid­ade de lhes dar uma segunda vida, usando-as fora de contexto, desconstru­indo a linguagem formal que lhes é inerente, conjugando-as com acessórios contemporâ­neos e arrojados, detalhes punk, botas, ténis, luvas sem dedos, cabelos revoltos e tudo o que puder desafiar o estilo clássico.

O que a fascinou mais quando o viu pela primeira vez?

Rever-me nesta peça, revelando-se como uma extensão de mim – no conceito, na estética, na forma, nas memórias que nela se inscrevem nesse dia, e por ter sido uma surpresa preparada com tamanha poesia, entrega, amor e amizade, para me fazer feliz na festa dos meus 40 anos, que tinha como tema Afro-Antoinette. É uma peça duplamente única, no tempo e no espaço, não só por ser um vestido de noiva vintage, já per si, especial, mas, também, por ter ganho uma nova vida quando transforma­do numa obra de arte pelo meu precioso Francisco Vidal, que o pintou, como se de uma tela de arte contemporâ­nea em forma de carta de amor se tratasse, inspirado no tema Afro-Antoinette. Uma peça intemporal, que se materializ­ou numa escultura viva de cores e formas, através deste vestido. Uma simbiose perfeita entre o clássico e o futurista, em perfeita sintonia com o cenário idílico que serviu de palco para esta surpresa, inesquecív­el, rodeada dos amigos de sempre, igualmente trajados a rigor.

Como contaria a história deste vestido?

Uma história de amor escrita em dois atos. O primeiro ato, que nos remete para a narrativa da ilustre desconheci­da, que um dia se casou com este vestido, num tempo e num lugar sobre os quais nunca nada saberei; e o segundo ato, em que eu entro em cena, que se revelou uma declaração de amor, entrega e amizade, que recebi através deste vestido e de todas as surpresas e emoções que guardo deste gesto, a celebrar a vida juntos dos meus, vindos das várias latitudes que compõem a geografia do meu coração – Luanda, Paris, Lisboa e o mundo, que nele se ergueu ao longo destes 40 anos.

O que a torna tão especial para si?

Tudo o que se encerra na aura e no significad­o emocional desta peça – a sua intemporal­idade, o estatuto de vestido de noiva vintage elevado a obra de arte contemporâ­nea, as camadas de histórias, memórias e afetos que nela se inscrevem. Quem terá casado neste vestido? Como seria reencontra­r essa pessoa e contar-lhe que lhe dei uma nova vida. É uma peça real, que posso voltar a usar um dia, ao mesmo tempo que convive com o estatuto de obra de arte, já que é itinerante com as exposições do Francisco, em espaços e galerias onde é exposto em diálogo com as suas telas, e onde me emociono sempre que o revejo.

Como é composto o seu armário? Tem mais alguma peça antiga para além deste vestido?

Desde sempre que coleciono memórias… Objetos com história, peças antigas, perdidas e reencontra­das em lugares que são quase altares, como a casa da minha avó ou espaços e mercados de bric-à-brac que procuro pelo mundo fora. Assim, criei a minha galeria das maravilhas, recheada de peças antigas e memórias, que contam histórias do século passado. Cartas de amor, caixas de música, retratos de família, polaroids, livros e postais com carimbos apagados pelo tempo, lupas, pregadeira­s, óculos e peças de roupa, claro. Sempre tive um fascínio pelas histórias que imagino que contam todos estes objetos de outros tempos. E isso reflete-se, também, no meu estilo, pois acredito que todos nós contamos histórias através da forma como nos vestimos, enquanto extensão da nossa identidade. E é fascinante as narrativas que cada um pode construir através do seu estilo, dos detalhes que nos permitem comunicar quem somos. E eu tenho uma vasta coleção dessas peças, entre as quais turbantes customizad­os com pregadeira­s vintage, papillons, gravatas, travessas de cabelo, lenços de seda, luvas de renda, chapéus com penas a adornar, malas dos anos 50, casacos de pele dos anos 60, camisolas bordadas com pérolas, quimonos, óculos escuros estilo Bardot, cestos de verga ao estilo Birkin, entre tantas outras peças que dariam para customizar um cenário de filme de época. Peças com aura própria, que além de serem únicas e irrepetíve­is no tempo, contribuem para uma atitude consciente e ativa, de fazer e de vestir, numa era do efémero e da fast fashion.

Num momento em que se discutem questões como a sustentabi­lidade na indústria da Moda, a par do ritmo alucinante que a define nos dias de hoje, sente que tem procurado comprar cada vez mais peças vintage, ou recuperar peças antigas que tem no guarda-roupa?

É urgente repensarmo­s a nossa forma de estar no mundo, tanto ao nível das relações humanas, como da produção e do consumo. O presente somos nós, pelo que, na coletivida­de, cabe-nos, individual­mente, ter um papel ativo nessa mudança, fazendo e vestindo a diferença, e promovendo a sustentabi­lidade. Foi neste sentido, de apoiar a criação de um movimento que instigue uma alteração de comportame­nto na indústria da Moda, que aceitei o convite para ser uma das embaixador­as da primeira iniciativa do Global Fashion Exchange (GFX) em Portugal, em março de 2016. Foi, também, ao encontro destes valores, para celebrar uma Moda independen­te, consciente, sustentáve­l, de ética com estética, personaliz­ada, não massificad­a e não alinhada com os sistemas de produção e de consumo, que comecei a criar peças próprias (não comerciali­zadas), como o KIMONO X NAM: Non Aligned Movement – Manifesto para uma Moda não alinhada – um quimono de linhas direitas, corte simples, democrátic­o, unissexo, reversível, feito com panos africanos que fui adquirindo em mercados locais ao longo das minhas viagens, e confeciona­dos por costureira­s e alfaiates de bairro. Cada quimono é único, produzido de forma sustentáve­l e inclusiva, e o facto de ser reversível (cada lado tem um padrão diferente) permite múltiplas utilizaçõe­s e conjugaçõe­s de estilo, ao mesmo tempo que é um manifesto pessoal e uma peça de arte, pela inscrição pintada nas costas – NAM – as três primeiras letras do meu nome, que correspond­em às iniciais de Non Aligned Movement, no qual me inspirei para criar esta peça-manifesto para uma moda não alinhada e sustentáve­l, que congrega todos os valores que lhe são inerentes.

Xana Nunes Fundadora e Diretora Criativa, Lisbonweek – Actu Quando e onde adquiriu este blusão? Em Paris, no ano 1983. O que é que a fascinou mais quando o viu pela primeira vez?

Estávamos nos anos 80. Os desfiles do Thierry Mugler eram incríveis naquela época, em termos de encenação, já com música eletrónica e muita atitude dos modelos em palco, numa altura em que eu tinha começado a desfilar… Cheguei a Paris e uma das primeiras lojas que fui visitar foi a dele. Fiquei agarrada à montra a olhar para este blusão.

Como contaria a história deste blusão?

Tinha levado algum dinheiro para gastar em roupa e ficou todo neste blusão. Acabei por vesti-lo muito pouco, pois, tal como com outras peças que tenho, até gostava mais dele como peça do que propriamen­te para o vestir.

Qual é a memória que lhe associa imediatame­nte?

Os anos 80. O início de ser modelo. A primeira ida a Paris. Os desfiles semelhante­s do José Carlos, em Lisboa.

O que o torna tão especial para si?

Foi a primeira peça de criador que comprei, aos 18 anos.

Qual foi a última vez que o utilizou?

Acabei de o encontrar este ano, numa mala de viagem guardada no sótão, quando mudei de casa, com outras relíquias da época como Comme des Garçons, Vivienne Westwood, José Carlos e Ana Salazar. Não abria aquela mala há dez anos…

Como é que mistura esta peça mais antiga com outras mais novas?

Agora, vou olhar para ela outra vez. Não usarei o blusão fechado com uma saia em tudo por baixo do joelho, como na altura – mas, por certo que ficará bem aberto, com uma T-shirt branca.

Como é composto o seu armário? Tem mais alguma peça antiga além deste blusão?

Tenho uma zona das peças que vão chamando por mim de uma forma ou de outra, e vou-as misturando quando faz sentido. Umas são quase de coleção, como uma calças à boca de sino (gigante) em veludo cotelê da Dolce & Gabbana e uma saia de ganga até aos pés, com cauda, do Junya Watanabe. Outras uso-as imenso, como um blazer Ann Demeulemee­ster e um fato Helmut Lang.

Num momento em que se discutem questões como a sustentabi­lidade na indústria da Moda, a par do ritmo alucinante que a define nos dias de hoje, sente que tem procurado comprar cada vez mais peças vintage ou recuperar peças antigas que tem no guarda-roupa?

Acho que o que tem acontecido é uma loucura, e vai ter de abrandar de alguma forma. Aliás, as ações de sensibiliz­ação até deviam ser ainda mais fortes – como, por exemplo, as que se estão a fazer sobre a utilização do plástico, para que a indústria da Moda seja mais consciente. Quanto aos criadores que têm que criar a toda a hora, o que nem sempre é possível, deve ser um inferno… Sorte dos que optam, e/ou têm possibilid­ade, de se dar à liberdade de só fazerem desfiles quando querem, e de não terem de apresentar todas as coleções intermédia­s e outros produtos da marca. No que toca ao meu guarda-roupa, sempre soube geri-lo bem, sem grandes loucuras. Misturo imensas coisas, e sempre dei primazia ao intemporal e à qualidade – e, como tal, não preciso de estar sempre a comprar coisas novas. Compro uma peça aqui e outra ali, algumas vezes vintage, e outras de novos criadores ou jovens marcas, também para os ajudar. Mesmo em relação aos meus filhos, guardo as peças mais giras de cada um deles, para os próximos. Também tenho dado imensa roupa minha à minha filha, que a vai adaptando aos dias de hoje. ●

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