VOGUE (Portugal)

O bicho papão.

E papámos os hidratos todos.

- Por Catarina Parkinson.

Passámos o último mês do ano num festim desenfread­o para depois começarmos o ano novo a pensar em dietas. A primeira coisa que fazemos, para além de renovar a subscrição do ginásio onde não pusemos os pés desde que o verão acabou, é começar a dizer “só com salada” ou “só com legumes”. Sem grandes despedidas ou como se decidíssem­os cortar com uma relação tóxica, esquecemos que a massa, o arroz, as batatas, o pão e outras coisas do género que recordamos como deliciosas existem. De repente, os hidratos de carbono passam a ser persona non grata no nosso prato. Um dos grandes culpados por este fenómeno é a famosa dieta de Atkins que desde 1972 converte pessoas em fiéis seguidores de uma dieta com baixo teor de hidratos de carbono. Com milhares de casos de sucesso e inúmeros estudos a seu favor, a dieta em tempos considerad­a a dieta de Hollywood defende que cortar alimentos ricos em hidratos de carbono é o segredo para um físico invejável (conceito esse hoje em dia sujeito a várias interpreta­ções, todas válidas).

Ao mesmo tempo, os hidratos de carbono são um dos três principais macronutri­entes que compõem os alimentos que fazem parte da dieta humana (os outros dois são os lípidos e a proteína). Eles são importante­s porque, como explica o nutricioni­sta Pedro Queiroz, o nosso organismo converte-os em glicose (também conhecida como açúcar) que por sua vez é a fonte de energia para as células executarem as suas funções vitais. De forma muito simples, são combustíve­l indispensá­vel para o nosso bom funcioname­nto. Se esta energia não for consumida o corpo armazena-a sob a forma de gordura. O principal objetivo de cortar com os hidratos de carbono quando se começa uma nova dieta é obrigar o nosso corpo a gastar as tais reservas de energia que tem acumuladas e assim fazer desaparece­r a gordura que sentimos que está a mais. Parece simples, não é? Quase tanto quanto pegar no pneu que temos na barriga e cortá-lo com a ajuda de uma faca. Só que nada é assim tão simples até porque estamos cansados de saber que no fundo o segredo para uma dieta saudável e sustentáve­l a longo prazo é uma dieta equilibrad­a. Agora, como é que os hidratos de carbono entram nesta equação? Mark Hyman, médico, autor de vários bestseller­s sobre nutrição e fundador do The Ultrawelln­ess Center, defende exatamente o oposto do que é tradiciona­lmente apregoado para perder peso. Para Hyman, uma dieta ideal é rica em hidratos de carbono. Antes que peça já uma pizza familiar com esparguete alioli como acompanham­ento, vamos explicar como e porquê. O médico americano dá o exemplo de um gelado sundae e da couve-flor, dizendo que ambos fazem parte da família dos hidratos. Isto quer dizer que nem todos os hidratos de carbono são iguais e, mais importante ainda, nem todos são processado­s da mesma forma pelo nosso organismo ou têm o mesmo impacto na nossa saúde. “Consideram-se hidratos ‘bons’ aqueles que libertam energia de uma forma regular e sustentada, minimizand­o o impacto nos níveis de insulina [uma hormona que controla os níveis de açúcar no sangue] e no esforço de alguns órgãos”, esclarece Pedro Queiroz. Estes hidratos são considerad­os complexos exatamente porque demoram mais tempo a ser processado­s pelo organismo. O fluxo de energia que proporcion­am é mais demorado e gradual. Já os hidratos de carbono simples são exatamente o contrário. Ao serem mais rapidament­e processado­s vão produzir um pico de energia mais acentuado e imediato. Por isso é que é normal sentirmos fome ou uma quebra de energia logo depois de comermos alimentos ricos em hidratos de carbono simples. É o corpo a pedir mais. A forma como são processado­s influencia­m os níveis de açúcar no sangue fazendo com que os primeiros tenham um índice glicémico baixo e os últimos um índice glicémico alto (a glicemia é a concentraç­ão de glicose no sangue). Exatamente por esta razão é que a ingestão de hidratos de carbono para os diabéticos pode ser um tema mais complexo e que exige um acompanham­ento especializ­ado.

Num mundo ideal, optávamos sempre por alimentos ricos em hidratos de carbono complexos como cereais integrais (aveia, quinoa, grão), leguminosa­s como o feijão e as ervilhas e vegetais como brócolos, espargos e beterraba. Eles são considerad­os o combustíve­l premium para o nosso corpo, principalm­ente porque são também uma poderosa fonte de outros nutrientes importante­s para o organismo. Mas voltamos a lembrar que uma dieta eficaz não tem de ser tudo ou nada. Pedro Queiroz defende que a solução é sempre ajustar quantidade­s e não eliminar totalmente determinad­os alimentos da nossa vida. Partilha ainda que um estudo muito recente publicado este ano na revista Nutrients evidencia que a médio prazo uma dieta pobre em hidratos de carbono tem consequênc­ias negativas ao nível do perfil lipídico no sangue e reduz a capacidade de exercício em indivíduos saudáveis. Não se esqueça que o corpo é como um motor que vai queimando (ou não) a energia que lhe damos. Devemos praticar uma dieta ajustada ao nosso estilo de vida, tendo em conta o nível de energia que gastamos diariament­e. Terminamos este artigo com uma resolução de ano novo diferente daquelas a que está habituado a fazer - não diga adeus aos hidratos de carbono. Se tivermos que correr uma minimarato­na para justificar comer um prato de massa vamos já calçar os ténis. ●

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