O bicho papão.
E papámos os hidratos todos.
Passámos o último mês do ano num festim desenfreado para depois começarmos o ano novo a pensar em dietas. A primeira coisa que fazemos, para além de renovar a subscrição do ginásio onde não pusemos os pés desde que o verão acabou, é começar a dizer “só com salada” ou “só com legumes”. Sem grandes despedidas ou como se decidíssemos cortar com uma relação tóxica, esquecemos que a massa, o arroz, as batatas, o pão e outras coisas do género que recordamos como deliciosas existem. De repente, os hidratos de carbono passam a ser persona non grata no nosso prato. Um dos grandes culpados por este fenómeno é a famosa dieta de Atkins que desde 1972 converte pessoas em fiéis seguidores de uma dieta com baixo teor de hidratos de carbono. Com milhares de casos de sucesso e inúmeros estudos a seu favor, a dieta em tempos considerada a dieta de Hollywood defende que cortar alimentos ricos em hidratos de carbono é o segredo para um físico invejável (conceito esse hoje em dia sujeito a várias interpretações, todas válidas).
Ao mesmo tempo, os hidratos de carbono são um dos três principais macronutrientes que compõem os alimentos que fazem parte da dieta humana (os outros dois são os lípidos e a proteína). Eles são importantes porque, como explica o nutricionista Pedro Queiroz, o nosso organismo converte-os em glicose (também conhecida como açúcar) que por sua vez é a fonte de energia para as células executarem as suas funções vitais. De forma muito simples, são combustível indispensável para o nosso bom funcionamento. Se esta energia não for consumida o corpo armazena-a sob a forma de gordura. O principal objetivo de cortar com os hidratos de carbono quando se começa uma nova dieta é obrigar o nosso corpo a gastar as tais reservas de energia que tem acumuladas e assim fazer desaparecer a gordura que sentimos que está a mais. Parece simples, não é? Quase tanto quanto pegar no pneu que temos na barriga e cortá-lo com a ajuda de uma faca. Só que nada é assim tão simples até porque estamos cansados de saber que no fundo o segredo para uma dieta saudável e sustentável a longo prazo é uma dieta equilibrada. Agora, como é que os hidratos de carbono entram nesta equação? Mark Hyman, médico, autor de vários bestsellers sobre nutrição e fundador do The Ultrawellness Center, defende exatamente o oposto do que é tradicionalmente apregoado para perder peso. Para Hyman, uma dieta ideal é rica em hidratos de carbono. Antes que peça já uma pizza familiar com esparguete alioli como acompanhamento, vamos explicar como e porquê. O médico americano dá o exemplo de um gelado sundae e da couve-flor, dizendo que ambos fazem parte da família dos hidratos. Isto quer dizer que nem todos os hidratos de carbono são iguais e, mais importante ainda, nem todos são processados da mesma forma pelo nosso organismo ou têm o mesmo impacto na nossa saúde. “Consideram-se hidratos ‘bons’ aqueles que libertam energia de uma forma regular e sustentada, minimizando o impacto nos níveis de insulina [uma hormona que controla os níveis de açúcar no sangue] e no esforço de alguns órgãos”, esclarece Pedro Queiroz. Estes hidratos são considerados complexos exatamente porque demoram mais tempo a ser processados pelo organismo. O fluxo de energia que proporcionam é mais demorado e gradual. Já os hidratos de carbono simples são exatamente o contrário. Ao serem mais rapidamente processados vão produzir um pico de energia mais acentuado e imediato. Por isso é que é normal sentirmos fome ou uma quebra de energia logo depois de comermos alimentos ricos em hidratos de carbono simples. É o corpo a pedir mais. A forma como são processados influenciam os níveis de açúcar no sangue fazendo com que os primeiros tenham um índice glicémico baixo e os últimos um índice glicémico alto (a glicemia é a concentração de glicose no sangue). Exatamente por esta razão é que a ingestão de hidratos de carbono para os diabéticos pode ser um tema mais complexo e que exige um acompanhamento especializado.
Num mundo ideal, optávamos sempre por alimentos ricos em hidratos de carbono complexos como cereais integrais (aveia, quinoa, grão), leguminosas como o feijão e as ervilhas e vegetais como brócolos, espargos e beterraba. Eles são considerados o combustível premium para o nosso corpo, principalmente porque são também uma poderosa fonte de outros nutrientes importantes para o organismo. Mas voltamos a lembrar que uma dieta eficaz não tem de ser tudo ou nada. Pedro Queiroz defende que a solução é sempre ajustar quantidades e não eliminar totalmente determinados alimentos da nossa vida. Partilha ainda que um estudo muito recente publicado este ano na revista Nutrients evidencia que a médio prazo uma dieta pobre em hidratos de carbono tem consequências negativas ao nível do perfil lipídico no sangue e reduz a capacidade de exercício em indivíduos saudáveis. Não se esqueça que o corpo é como um motor que vai queimando (ou não) a energia que lhe damos. Devemos praticar uma dieta ajustada ao nosso estilo de vida, tendo em conta o nível de energia que gastamos diariamente. Terminamos este artigo com uma resolução de ano novo diferente daquelas a que está habituado a fazer - não diga adeus aos hidratos de carbono. Se tivermos que correr uma minimaratona para justificar comer um prato de massa vamos já calçar os ténis. ●