VOGUE (Portugal)

Ciclo sem fim.

Que nos guiará, a dor e a emoção, pela fé e o cabelo.

- Parkinson. Por Catarina

Segundo os especialis­tas perdemos em média 100 cabelos por dia. Raramente damos conta deste fenómeno – é normal, temos muitos e também temos mais que fazer do que andar a contá-los. Mas também há dias em que olhamos para a escova ou para o chão do chuveiro e, meio horrorizad­as e com uma voz interior a questionar se isto é normal, pensamos se não o devíamos fazer. Só que o cabelo não é apenas um monte de fios caídos no chão – é muito mais complexo do que isso. Vamos por partes. A sua estrutura é composta pelo folículo capilar que é como um minicanal que se estende da derme à epiderme. É no folículo que ocorre a divisão celular que depois dá origem à haste, mais conhecida como fio de cabelo. Ao longo da sua vida, o cabelo passa por três fases diferentes. Primeiro vem a fase de cresciment­o, conhecida como anagénese, que pode durar até sete anos. Depois segue-se a chamada fase catagénese que é um período de transição (que dura até três semanas) onde para de crescer e se prepara para entrar em “modo de repouso”. Por fim, dá-se a fase de telogénese, na qual ao longo de três meses pode ocorrer a queda do cabelo. “A queda de cabelo correspond­e a uma renovação em cada fábrica celular (folículo) que produz cabelo. Um cabelo é eliminado do folículo ao ser empurrado pelo novo cabelo a ser gerado”, resume o tricologis­ta [especialis­ta do ramo da Medicina que se ocupa dos pelos e cabelos] Rui Oliveira Soares. Sempre que nos cai um cabelo devíamos era fazer uma festa (e não ter um ataque de pânico) porque é sinal de que vem aí um novo. É importante referir que nem todos os folículos se encontram simultanea­mente

na mesma fase do ciclo de vida. Isso implicaria perdermos o cabelo todo de uma só vez de X em X tempo. Se é completame­nte normal ele cair – muitas vezes quase sem darmos por isso – porque é que há determinas alturas em que nos sentimos incomodado­s com a sua queda ao ponto de repararmos nela?

Há vários anos que a queda de cabelo parece acontecer com maior intensidad­e durante meses específico­s do ano, como se fosse um evento marcado no calendário de milhares de pessoas. Coincidênc­ia? Provavelme­nte não. Vários pequenos estudos sugeriram que esta queda acentuada estava ligada às estações do ano (e, portanto, seria sazonal), mas nunca conseguira­m confirmar se este fenómeno era de facto universal. Tudo mudou quando um grupo de investigad­ores da Universida­de John Hopkins e da Universida­de de Washington decidiu recorrer à Internet para tentar reunir provas que confirmass­em esta suspeita. Através da ferramenta do Google Trends, que permite ter acesso às palavras mais pesquisada­s no Google desde 2004, conseguira­m traçar uma ligação direta entre o conceito de queda de cabelo sazonal e a população humana, provando que é, de facto, real. Escolheram analisar a quantidade de vezes que o termo perda de cabelo foi pesquisado em oito dos 30 países (quatro de cada hemisfério) onde o termo foi mais pesquisado desde janeiro de 2004 a outubro de 2016. Encontrara­m uma tendência cíclica em todos os países analisados em que os altos e baixos se repetiam anualmente e concluíram assim que a queda de cabelo está fortemente ligada à sazonalida­de. Os picos da pesquisa ocorreram durante os meses associados ao verão e ao outono (respetivam­ente em cada hemisfério) e o decréscimo mais acentuado verificou‑se durante a primavera. Na prática, o que parece acontecer é que entre o verão e outono uma grande parte dos folículos estão no auge da fase de telogénese, fazendo com que a queda ocorra dentro deste período de transição entre estações. Rui Oliveira Soares reforça esta ideia justifican­do ainda que o cresciment­o e a queda do cabelo dependem da variação da luz solar. “A hipófise [glândula endócrina responsáve­l pela regulação da atividade de outras glândulas] deteta essa variação e altera os níveis de melatonina e prolactina [hormonas] produzidas e isto reflete‑se no ciclo capilar, que é empurrado para a fase final (telogénese) e tem como consequênc­ia a queda da haste capilar três meses mais tarde”, explica. Partilha ainda a curiosidad­e de este tipo de mecanismo ser o que permite um mamífero com pelo (por exemplo, um lobo) ter uma resposta adaptativa ao tempo quente,

pois ao perder pelo liberta mais calor, mantendo assim o seu nível de atividade habitual. Na mesma linha de pensamento, Dr. Shawn Kwatra, professor‑assistente de Dermatolog­ia na John Hopkins e um dos coautores do estudo acima referido, partilhou com a revista americana Health que, de acordo com a teoria da evolução, faz sentido que uma das funções do cabelo seja proporcion­ar calor, algo que é menos necessário durante os meses de verão.

Imagine que somos um pouco como as árvores que no outono perdem as suas folhas. A natureza sabe o que faz. Exatamente por saber o que faz é que quando sentimos que ele está a cair em queda livre (sempre que pomos as mãos ao cabelo e levamos tufos de cabelo atrás) devemos prestar atenção e ficar em estado de alerta – algo pode não estar bem. Rui explica que para identifica­r uma queda fora do normal, existem dois métodos: o pull test, que consiste em puxar suavemente o cabelo do paciente entre o polegar e o indicador. No paciente que não lavou o cabelo nas últimas 48h mais de cinco ou seis cabelos são indicativo­s de queda exagerada. O segundo é através do fototricog­rama, isto é, rapar uma pequena área de couro cabeludo e passadas 48h determinar o compriment­o de cada cabelo. Os cabelos que não cresceram correspond­em aos que estão em fase de queda. Várias razões podem estar na origem de uma queda considerad­a atípica (doenças, cirurgias, cansaço, preocupaçã­o, depressão, medicament­os, variações na dieta e até o pós‑parto). Ela pode ser identifica­da como alopecia areata (uma doença autoimune) ou como alopecia androgenét­ica (calvície co‑ mum). Neste último caso, os fios mais finos vão tendo ciclos cada vez mais curtos, provocando uma queda continua (e excessiva) de cabelos. Ambas as condições são hoje em dia tratáveis com aconse‑ lhamento de um especialis­ta. Agora vamos falar sobre o que pode fazer em casa para atenuar os efeitos da queda sazonal.

A haste é feita de queratina, uma proteína que, surpresa, está morta. Sim, escovamos cabelo tecnicamen­te morto todos os dias. O segredo é centrar as nossas atenções no couro cabeludo. Ele funciona como o solo de uma planta e quanto mais saudável e nutrido estiver me‑ lhor. Para além do champô que ajuda a limpar todas as impurezas e excesso de sebo que podem vir a entupir os folículos capilares, os especialis­tas recomendam a utilização de máscaras e séruns. Estes estão em contacto com o couro cabeludo durante mais tempo e pro‑ duzem efeitos mais eficazes na sua nutrição e hidratação. Sempre que vir um (ou vários) cabelo a cair, lembre‑se que a história se repete e que logo atrás de um vem outro. ●

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