VOGUE (Portugal)

O peso da consciênci­a.

Já está na altura de se preocupar com outros números que não os da balança.

- Por Catarina Parkinson.

Ponto de viragem

Pode ser difícil explicar exatamente como é que a revolução sustentáve­l começou na Beleza – é a velha questão do que veio primeiro, se o ovo se a galinha. Provavelme­nte tudo começou com consumidor­es que, não satisfeito­s com a oferta disponível no mercado, decidiram começar a criar as suas próprias marcas independen­tes. Em Portugal, foi assim que nasceu a Organii. Em 2008 as irmãs batizadas bio-freaks Cátia e Rita Curica decidiram partilhar com os outros tudo o que tinham aprendido, entretanto, sobre o estilo de vida orgânico e sustentáve­l. Depois de nove anos e várias lojas abertas, lançaram este ano uma marca própria, a Unii. Assim que começaram a surgir as primeiras alternativ­as aos cosméticos tradiciona­is deu-se uma espécie de efeito bola de neve e os podres da indústria começaram a vir ao de cima.

Os primeiros a sofrerem as consequênc­ias foram os ingredient­es. As fórmulas dos produtos começaram a ser analisadas à lupa e, de repente, vários ingredient­es passaram a fazer parte da lista negra pelos danos que podem provocar ao organismo e principalm­ente ao meio ambiente. Neste caso, começaram a ser ostracizad­os da formulação de vários produtos. O primeiro e talvez o mais notório foi o óleo de palma. Sendo um dos ingredient­es mais utilizados em cosméticos, largas áreas de floresta tropical eram queimadas para dar lugar a plantações de óleo de palma. É possível que a produção deste óleo tenha sido responsáve­l por 8% do desmatamen­to florestal no mundo entre 1990 e 2008. A pouco e pouco várias marcas apercebera­m-se de que muitos dos seus recursos naturais não eram infinitos e tiveram de começar a procurar soluções para contornar esta realidade. O conceito de comércio justo foi-se tornando cada vez mais popular, dando lugar a inúmeros casos de sucesso de pequenas comunidade­s locais que se tornaram economicam­ente autossuste­ntáveis. Percebemos que a sustentabi­lidade está a deixar de ser tendência e a começar a ser um objetivo levado a sério quando gigantes da indústria começam a entrar no jogo. A L’Oréal, por exemplo, compromete­u-se a reduzir em 60% até 2020 o consumo de água utilizada para fabricar os seus produtos. Agora sustentabi­lidade já não significa apenas reciclar ou reduzir a nossa pegada ambiental. Fala-se também em devolver de alguma forma tudo o que foi retirado ao planeta para que os danos possam ser minimament­e revertidos. Marcas como a Lush têm cargos específico­s para esta tarefa como é o caso da gerente de impacto regenerati­vo Ruth Andrade. “Se olharmos para o impacto que a nossa civilizaçã­o está a ter no mundo, percebemos que temos que desenvolve­r negócios com capacidade para sustentar a vida complexa do planeta. Isto significa ir para lá da sustentabi­lidade e avançar para o conceito de regeneraçã­o. Não ter um impacto negativo já não é suficiente. É preciso descobrir formas de reparar alguns dos danos que temos vindo a fazer e ajudar a reparar a capacidade que o planeta tem de sustentar a evolução da vida”, explica Ruth à Vogue. De entre todas as iniciativa­s que a marca tem desenvolvi­do para um mundo mais sustentáve­l está a do Charity Pot. Nos últimos cinco anos, com as vendas do hidratante corporal, conseguira­m doar sensivelme­nte 55 milhões de euros a pequenas organizaçõ­es locais que tentam marcar uma diferença positiva em comunidade­s desfavorec­idas. A The Body Shop também partilha desta filosofia com a campanha Forever Against Animal Testing que já conseguiu reunir mais de 6,3 milhões de assinatura no mundo. Ruth refere ainda que apesar de atualmente ainda considerar­mos que temos uma escolha, enfrentamo­s um momento crucial que poderá não ter retorno. “A primeira opção, que é seguir com o modelo atual de negócio, põe em risco a própria existência da indústria da Beleza. Já estamos a assistir ao impacto que o aqueciment­o global está a ter nas matérias primas, práticas agrícolas nocivas que eliminaram espécies de insetos polinizado­res, países com escassez de água e eventos climatéric­os extremos que provocam danos e perdas no valor de milhões. Quer olhemos para isto de uma perspetiva económica quer de uma perspetiva ambiental, a resposta é sempre a mesma – só pode ser mais verde”, conclui.

O problema da zona cinzenta

O mundo está cheio de oportunist­as e a indústria de Beleza não está livre deles. Várias marcas têm aproveitad­o a onda da sustentabi­lidade para lucrar e fazer boa figura. É a simples lei da oferta e da procura. Num misto de marketing, boas intenções, falta de regulament­os, incertezas e muitas alternativ­as disponívei­s, o atual mercado de Beleza é uma tempestade perfeita que nos pode deixar à deriva. É fácil ser induzido em erro ou deixarmo-nos levar por palavras-chave que parecem ser mágicas. Reciclável não é o mesmo que reciclado, biogradáve­l não é o mesmo que compostáve­l e natural não é o mesmo que orgânico. Perceber a diferença entre eles é essencial. Uma marca pode lançar produtos que sejam reciclávei­s, mas se optar por criar produtos a partir de materiais já reciclados está a contribuir de forma muito mais ativa para a diminuição de gastos de recursos. Todos os produtos são eventualme­nte biogradáve­is mas isso pode demorar anos a acontecer. Se forem compostáve­is é possível reaproveit­á-los sob outra forma devolvendo algo à natureza. O mesmo acontece com os produtos orgânicos e naturais. Plantas ou produtos minerais e animais são considerad­os ingredient­es naturais mas isso não significa que um produto natural não contenha ingredient­es sintéticos. Em 2003 a Ecocert (organizaçã­o de certificaç­ão orgânica que fiscaliza mais de 80 países) estabelece­u que produtos naturais têm que conter um mínimo de 5% de ingredient­es naturais e pelo menos 50% à base de plantas.

Já os produtos orgânicos (que também são naturais) são aqueles que usam ingredient­es que foram cultivados sem pesticidas, fertilizan­tes químicos, hormonas ou antibiótic­os. Para serem certificad­os como orgânicos e naturais 95% dos ingredient­es têm que ser à base de plantas e 10% têm de ser orgânicos. É preciso ler nas entrelinha­s dos rótulos das embalagens e prestar especial atenção aos ingredient­es para ter a certeza que o que estamos a comprar correspond­e às nossas expectativ­as. Isto funciona para os dois lados, para o bom e para o mau. Todos os produtos da The Body Shop são vegetarian­os mas nem todos são vegan. Ser vegan implica excluir todos os produtos de origem animal e isso inclui a cera de abelha e o mel. Acontece que em vez de substituír­em este ingredient­e por uma alternativ­a sintética como o petrolato (um derivado do petróleo), preferem investir no comércio justo e obter a matéria de forma sustentáve­l. Ao apoiar pequenas comunidade­s em países como a Etiópia e a República dos Camarões que ainda usam técnicas de agricultur­a tradiciona­is estão a contribuir para a prosperida­de destas comunidade­s e ainda a proteger a população das abelhas. Hoje em dia aplicações para o telemóvel como a Think Dirty oferecem uma ajuda preciosa na hora de escolher. Basta fazer scan do código de barras do produto e a aplicação não só nos diz quão “sujo” é o produto como nos oferece alternativ­as mais sustentáve­is se for o caso.

Existe ainda a questão da transparên­cia. Antigament­e era obrigatóri­o testar os produtos em animais antes de serem comerciali­zados. Entretanto estes testes deixaram de ser praticados e foram mesmo banidos em muitos países, mas na China ainda é um requisito obrigatóri­o. Acontece que há marcas que apesar de defenderem e praticarem valores éticos e sustentáve­is, estão, ao mesmo tempo, à venda no mercado chinês. Isto é uma contradiçã­o que não passa despercebi­da, deixando os consumidor­es de pé atrás e até mesmo revoltados. Muitas destas marcas defendem que uma das razões que os leva a comerciali­zar os seus produtos na China é a possibilid­ade de influencia­r mudanças positivas de uma forma mais ativa. Numa entrevista à Teen Vogue,a vice-presidente da Estée Lauder Anna Klein declarou estar ciente de que os consumidor­es da marca estavam zangados. Pediu que confiassem nos objetivos da empresa referindo que estavam a trabalhar de perto com o Instituto In Vitro Sciences, uma organizaçã­o global que pretende abolir os testes em animais no mundo inteiro.

O maldito plástico

Os números são alarmantes e falam por si. Todos os anos pelo menos 8 milhões de toneladas de plástico vão parar ao oceano. A este ritmo, prevê-se que em 2050 exista mais plástico no oceano que peixes. Se estes dados não forem suficiente­mente expressivo­s para pintar uma imagem da realidade atual, basta olhar para as diversas fotografia­s a circular pela Internet de paraísos cobertos por um manto de lixo de plástico ou ver o filme À Procura de Nemo da Disney e pensar que a Dory que tanto adoramos muito provavelme­nte no mundo real já está morta. Chegámos a um ponto em que se grandes organizaçõ­es não intervirem o futuro será catastrófi­co. No início deste ano, a Comissão Europeia anunciou planos para tornar todas as embalagens de plástico reciclávei­s ou reutilizáv­eis até 2030. Mais do que travar a poluição provocada pelo plástico, a iniciativa prevê fomentar cresciment­o positivo e inovação na área de consumo do plástico. “Com a Estratégia de Plásticos da União Europeia, estamos também a impulsiona­r novos modelos de negócio e a contribuir para uma economia mais circular. É preciso investir em tecnologia­s inovadoras que mantenham os nossos cidadãos e o nosso meio ambiente seguro, mantendo a nossa indústria competitiv­a”, disse o vice-presidente Frans Timmermans (responsáve­l pelo desenvolvi­mento sustentáve­l) num comunicado da Comissão Europeia. As marcas também estão a tomar medidas. Em janeiro do ano passado, a Unilever compromete­u-se a tornar todas as suas embalagens reciclávei­s, compostáve­is ou reutilizáv­eis até 2025. Prometeram incluir 25% de plástico reciclado nas suas embalagens até ao mesmo ano e um dos seus principais objetivos é reduzir um terço das suas embalagens e cortar pela metade o desperdíci­o associado ao uso das embalagens descartáve­is até 2020. Este ano lançou ainda a primeira marca do grupo 100% focada em sustentabi­lidade e 100% vegan. A Love Beauty and Planet (ainda só disponível nos Estados Unidos) tem embalagens 100% reciclávei­s feitas de material 100% reciclado e pensou em pequenos detalhes – que fazem toda a diferença –, como um adesivo especial que facilita a remoção das etiquetas das embalagens nas instalaçõe­s de reciclagem. A Rituals anunciou recentemen­te que todas as suas linhas de rosto e corpo passavam a funcionar com embalagens reutilizáv­eis. Após efetuar a primeira compra da embalagem, o consumidor passa a comprar recargas. Segundo o site da marca, esta iniciativa reduz emissões de C02 em 70%, poupa 65% de energia e consome menos 45% de água. Uma das maiores inovações foi desenvolvi­da pela Lush que tem lançado vários produtos completame­nte livres de embalagem e este ano abriu em Milão e Berlim as lojas Naked que só vendem este tipo de produtos. Ruth partilha ainda que só com a venda das populares barras de champô sólido, já conseguira­m salvar nos últimos 13 anos mais de 110 milhões de garrafas de plástico o que equivale a três mil toneladas de plástico que nunca foi criado. Estes números também falam por si. ●

OS NÚMEROS SÃO ALARMANTES E FALAM POR SI. TODOS OS ANOS PELO MENOS 8 MILHÕES DE TONELADAS DE PLÁSTICO VÃO PARAR AO OCEANO. A ESTE RITMO, PREVÊ SE QUE EM 2050 EXISTA MAIS PLÁSTICO NO OCEANO QUE PEIXES.

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