O peso da consciência.
Já está na altura de se preocupar com outros números que não os da balança.
Ponto de viragem
Pode ser difícil explicar exatamente como é que a revolução sustentável começou na Beleza – é a velha questão do que veio primeiro, se o ovo se a galinha. Provavelmente tudo começou com consumidores que, não satisfeitos com a oferta disponível no mercado, decidiram começar a criar as suas próprias marcas independentes. Em Portugal, foi assim que nasceu a Organii. Em 2008 as irmãs batizadas bio-freaks Cátia e Rita Curica decidiram partilhar com os outros tudo o que tinham aprendido, entretanto, sobre o estilo de vida orgânico e sustentável. Depois de nove anos e várias lojas abertas, lançaram este ano uma marca própria, a Unii. Assim que começaram a surgir as primeiras alternativas aos cosméticos tradicionais deu-se uma espécie de efeito bola de neve e os podres da indústria começaram a vir ao de cima.
Os primeiros a sofrerem as consequências foram os ingredientes. As fórmulas dos produtos começaram a ser analisadas à lupa e, de repente, vários ingredientes passaram a fazer parte da lista negra pelos danos que podem provocar ao organismo e principalmente ao meio ambiente. Neste caso, começaram a ser ostracizados da formulação de vários produtos. O primeiro e talvez o mais notório foi o óleo de palma. Sendo um dos ingredientes mais utilizados em cosméticos, largas áreas de floresta tropical eram queimadas para dar lugar a plantações de óleo de palma. É possível que a produção deste óleo tenha sido responsável por 8% do desmatamento florestal no mundo entre 1990 e 2008. A pouco e pouco várias marcas aperceberam-se de que muitos dos seus recursos naturais não eram infinitos e tiveram de começar a procurar soluções para contornar esta realidade. O conceito de comércio justo foi-se tornando cada vez mais popular, dando lugar a inúmeros casos de sucesso de pequenas comunidades locais que se tornaram economicamente autossustentáveis. Percebemos que a sustentabilidade está a deixar de ser tendência e a começar a ser um objetivo levado a sério quando gigantes da indústria começam a entrar no jogo. A L’Oréal, por exemplo, comprometeu-se a reduzir em 60% até 2020 o consumo de água utilizada para fabricar os seus produtos. Agora sustentabilidade já não significa apenas reciclar ou reduzir a nossa pegada ambiental. Fala-se também em devolver de alguma forma tudo o que foi retirado ao planeta para que os danos possam ser minimamente revertidos. Marcas como a Lush têm cargos específicos para esta tarefa como é o caso da gerente de impacto regenerativo Ruth Andrade. “Se olharmos para o impacto que a nossa civilização está a ter no mundo, percebemos que temos que desenvolver negócios com capacidade para sustentar a vida complexa do planeta. Isto significa ir para lá da sustentabilidade e avançar para o conceito de regeneração. Não ter um impacto negativo já não é suficiente. É preciso descobrir formas de reparar alguns dos danos que temos vindo a fazer e ajudar a reparar a capacidade que o planeta tem de sustentar a evolução da vida”, explica Ruth à Vogue. De entre todas as iniciativas que a marca tem desenvolvido para um mundo mais sustentável está a do Charity Pot. Nos últimos cinco anos, com as vendas do hidratante corporal, conseguiram doar sensivelmente 55 milhões de euros a pequenas organizações locais que tentam marcar uma diferença positiva em comunidades desfavorecidas. A The Body Shop também partilha desta filosofia com a campanha Forever Against Animal Testing que já conseguiu reunir mais de 6,3 milhões de assinatura no mundo. Ruth refere ainda que apesar de atualmente ainda considerarmos que temos uma escolha, enfrentamos um momento crucial que poderá não ter retorno. “A primeira opção, que é seguir com o modelo atual de negócio, põe em risco a própria existência da indústria da Beleza. Já estamos a assistir ao impacto que o aquecimento global está a ter nas matérias primas, práticas agrícolas nocivas que eliminaram espécies de insetos polinizadores, países com escassez de água e eventos climatéricos extremos que provocam danos e perdas no valor de milhões. Quer olhemos para isto de uma perspetiva económica quer de uma perspetiva ambiental, a resposta é sempre a mesma – só pode ser mais verde”, conclui.
O problema da zona cinzenta
O mundo está cheio de oportunistas e a indústria de Beleza não está livre deles. Várias marcas têm aproveitado a onda da sustentabilidade para lucrar e fazer boa figura. É a simples lei da oferta e da procura. Num misto de marketing, boas intenções, falta de regulamentos, incertezas e muitas alternativas disponíveis, o atual mercado de Beleza é uma tempestade perfeita que nos pode deixar à deriva. É fácil ser induzido em erro ou deixarmo-nos levar por palavras-chave que parecem ser mágicas. Reciclável não é o mesmo que reciclado, biogradável não é o mesmo que compostável e natural não é o mesmo que orgânico. Perceber a diferença entre eles é essencial. Uma marca pode lançar produtos que sejam recicláveis, mas se optar por criar produtos a partir de materiais já reciclados está a contribuir de forma muito mais ativa para a diminuição de gastos de recursos. Todos os produtos são eventualmente biogradáveis mas isso pode demorar anos a acontecer. Se forem compostáveis é possível reaproveitá-los sob outra forma devolvendo algo à natureza. O mesmo acontece com os produtos orgânicos e naturais. Plantas ou produtos minerais e animais são considerados ingredientes naturais mas isso não significa que um produto natural não contenha ingredientes sintéticos. Em 2003 a Ecocert (organização de certificação orgânica que fiscaliza mais de 80 países) estabeleceu que produtos naturais têm que conter um mínimo de 5% de ingredientes naturais e pelo menos 50% à base de plantas.
Já os produtos orgânicos (que também são naturais) são aqueles que usam ingredientes que foram cultivados sem pesticidas, fertilizantes químicos, hormonas ou antibióticos. Para serem certificados como orgânicos e naturais 95% dos ingredientes têm que ser à base de plantas e 10% têm de ser orgânicos. É preciso ler nas entrelinhas dos rótulos das embalagens e prestar especial atenção aos ingredientes para ter a certeza que o que estamos a comprar corresponde às nossas expectativas. Isto funciona para os dois lados, para o bom e para o mau. Todos os produtos da The Body Shop são vegetarianos mas nem todos são vegan. Ser vegan implica excluir todos os produtos de origem animal e isso inclui a cera de abelha e o mel. Acontece que em vez de substituírem este ingrediente por uma alternativa sintética como o petrolato (um derivado do petróleo), preferem investir no comércio justo e obter a matéria de forma sustentável. Ao apoiar pequenas comunidades em países como a Etiópia e a República dos Camarões que ainda usam técnicas de agricultura tradicionais estão a contribuir para a prosperidade destas comunidades e ainda a proteger a população das abelhas. Hoje em dia aplicações para o telemóvel como a Think Dirty oferecem uma ajuda preciosa na hora de escolher. Basta fazer scan do código de barras do produto e a aplicação não só nos diz quão “sujo” é o produto como nos oferece alternativas mais sustentáveis se for o caso.
Existe ainda a questão da transparência. Antigamente era obrigatório testar os produtos em animais antes de serem comercializados. Entretanto estes testes deixaram de ser praticados e foram mesmo banidos em muitos países, mas na China ainda é um requisito obrigatório. Acontece que há marcas que apesar de defenderem e praticarem valores éticos e sustentáveis, estão, ao mesmo tempo, à venda no mercado chinês. Isto é uma contradição que não passa despercebida, deixando os consumidores de pé atrás e até mesmo revoltados. Muitas destas marcas defendem que uma das razões que os leva a comercializar os seus produtos na China é a possibilidade de influenciar mudanças positivas de uma forma mais ativa. Numa entrevista à Teen Vogue,a vice-presidente da Estée Lauder Anna Klein declarou estar ciente de que os consumidores da marca estavam zangados. Pediu que confiassem nos objetivos da empresa referindo que estavam a trabalhar de perto com o Instituto In Vitro Sciences, uma organização global que pretende abolir os testes em animais no mundo inteiro.
O maldito plástico
Os números são alarmantes e falam por si. Todos os anos pelo menos 8 milhões de toneladas de plástico vão parar ao oceano. A este ritmo, prevê-se que em 2050 exista mais plástico no oceano que peixes. Se estes dados não forem suficientemente expressivos para pintar uma imagem da realidade atual, basta olhar para as diversas fotografias a circular pela Internet de paraísos cobertos por um manto de lixo de plástico ou ver o filme À Procura de Nemo da Disney e pensar que a Dory que tanto adoramos muito provavelmente no mundo real já está morta. Chegámos a um ponto em que se grandes organizações não intervirem o futuro será catastrófico. No início deste ano, a Comissão Europeia anunciou planos para tornar todas as embalagens de plástico recicláveis ou reutilizáveis até 2030. Mais do que travar a poluição provocada pelo plástico, a iniciativa prevê fomentar crescimento positivo e inovação na área de consumo do plástico. “Com a Estratégia de Plásticos da União Europeia, estamos também a impulsionar novos modelos de negócio e a contribuir para uma economia mais circular. É preciso investir em tecnologias inovadoras que mantenham os nossos cidadãos e o nosso meio ambiente seguro, mantendo a nossa indústria competitiva”, disse o vice-presidente Frans Timmermans (responsável pelo desenvolvimento sustentável) num comunicado da Comissão Europeia. As marcas também estão a tomar medidas. Em janeiro do ano passado, a Unilever comprometeu-se a tornar todas as suas embalagens recicláveis, compostáveis ou reutilizáveis até 2025. Prometeram incluir 25% de plástico reciclado nas suas embalagens até ao mesmo ano e um dos seus principais objetivos é reduzir um terço das suas embalagens e cortar pela metade o desperdício associado ao uso das embalagens descartáveis até 2020. Este ano lançou ainda a primeira marca do grupo 100% focada em sustentabilidade e 100% vegan. A Love Beauty and Planet (ainda só disponível nos Estados Unidos) tem embalagens 100% recicláveis feitas de material 100% reciclado e pensou em pequenos detalhes – que fazem toda a diferença –, como um adesivo especial que facilita a remoção das etiquetas das embalagens nas instalações de reciclagem. A Rituals anunciou recentemente que todas as suas linhas de rosto e corpo passavam a funcionar com embalagens reutilizáveis. Após efetuar a primeira compra da embalagem, o consumidor passa a comprar recargas. Segundo o site da marca, esta iniciativa reduz emissões de C02 em 70%, poupa 65% de energia e consome menos 45% de água. Uma das maiores inovações foi desenvolvida pela Lush que tem lançado vários produtos completamente livres de embalagem e este ano abriu em Milão e Berlim as lojas Naked que só vendem este tipo de produtos. Ruth partilha ainda que só com a venda das populares barras de champô sólido, já conseguiram salvar nos últimos 13 anos mais de 110 milhões de garrafas de plástico o que equivale a três mil toneladas de plástico que nunca foi criado. Estes números também falam por si. ●
OS NÚMEROS SÃO ALARMANTES E FALAM POR SI. TODOS OS ANOS PELO MENOS 8 MILHÕES DE TONELADAS DE PLÁSTICO VÃO PARAR AO OCEANO. A ESTE RITMO, PREVÊ SE QUE EM 2050 EXISTA MAIS PLÁSTICO NO OCEANO QUE PEIXES.